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Por Coluna
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Boulos: o florescimento da “ideia” à sombra silenciosa das autoridades

Boulos não deseja participar democraticamente da disputa legítima pelo poder, mas se impor pela truculência e pela mentira

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h29 - Publicado em 25 abr 2018, 13h30

Valentina de Botas

Então atire a primeira cobrança quem nunca deixou de cumprir uma promessa. Volto a falar de Lula tendo prometido a mim mesma que não mais o faria depois de comentar a prisão dele. Não previ isso, mas, como diz Genoveva, quando prometi era verdade. Pertence à fase madura de Machado de Assis o famoso conto Noite de Almirante (publicado pela primeira vez em 1884, no Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro) que me traz Genoveva para minha defesa e refúgio. Nesta fase, praticamente extinguiu-se o verniz sutil de sofisticada ironia que nosso magnífico autor derramava sobre a superfície das coisas e que, num prazer adicional da leitura, o leitor mais lapidado o penetra e descobre, como num palimpsesto ─ e a cada nova leitura, novas camadas interpretativas se revelam ─, o profundo das coisas na fundura da galhofa apenas residual e da melancolia predominante. Exemplo máximo disso entre os contos, acho eu, é o duro “Pai Contra Mãe” em que a linguagem exata e a sintaxe enxuta agudizam a crueza de uma realidade sem concessões e em que os personagens fazem escolhas como a pedra que, lançada, decidisse onde cair, segundo a imagem com a qual Espinoza define o livre-arbítrio.

Assisti ao vídeo em que Guilherme Boulos destampa um trololó aparentemente delirante sobre a invasão do prédio do triplex do Lula comandada pelo sem-teto de boutique, aterrorizando moradores. Aí, sabe como é: uma coisa desagradável leva à outra coisa desagradável, então acabei revendo o último discurso de Lula em liberdade para averiguar nexos no palavrório de Boulos. Naquele discurso, o caudilho dialogou com os próprios afetos e desordens (essencialmente, a horrenda “ideia” Lula), ainda que numa fala racional, coesa e coerente para determinada essência política ─ e, nesse sentido, dirigiu-se à militância, que é o que os consubstancia externamente. Inertes, MPF e demais autoridades deixam um bando autoritário colonizar o espaço no noticiário sem lhe fazer um contraponto nesta que é também uma guerra de valores. E a militância chafurda na sua libido deformada. É para a sustentação do moral dela que Boulos e seus bandidos amestrados continuam delinquindo já que a pátria dos petistas não é o Brasil, mas o petismo. Seus habitantes, alheios à realidade exterior, não são apenas aquelas poucas centenas que se entrincheiraram no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo (aliás, a legislação proíbe atividade político-partidária de sindicatos, não é, Ministério Púbico?) ou os acampados em Curitiba emporcalhando tudo em volta e infernizando o cotidiano dos moradores.

Eles são também “a ideia” no palimpsesto de certa imprensa escrita e falada que ainda escolta o triplex de Lula com um “suposto”, mantendo a mentira, substância última dessa porcaria toda, na crônica dos fatos. São a “ideia” que aparelhou o MPF (que, muitas vezes, me lembra um PSOL concursado) e porções do Judiciário, desde antes de o PT assumir a presidência, que silenciam diante da carreira criminosa de Boulos. À sombra desse frondoso silêncio, o PT sustenta seu enredo embusteiro também pela omissão de agentes da lei que decidiram participar politicamente do debate público ─ sobretudo procuradores do MPF ─, desrespeitando os limites de suas funções institucionais, atacando todos-os-políticos, mas, nominalmente, quase sempre apenas aqueles opostos ao campo ideológico da “ideia”. A choldra deita e rola.

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O Brasil ordeiro merece um gesto das autoridades repudiando o terrorismo de Boulos, não pode mais ficar à disposição das patologias ideológicas da súcia terrorista nem das “patologias de consciência” dos representantes da lei que se calam. Integrantes do Judiciário/MPF não são todos lulopetistas, claro, mas predominam entre eles teses caras ao PT dos anos 1980, de um PT limpinho que, grosso modo, reencarna no PSOL. É a “ideia” lavada a jato. Imunda, ela ainda lidera as pesquisas eleitorais de dentro da cadeia (o Brasil vai me intrigar para sempre), seguida pelas versões higienizadas: Marina Silva (que sugere a PMDB, PSDB e PT que se aposentem para que ela governe com a Rede e o PSOL), Joaquim Barbosa (o candidato da agenda policial) e Jair Bolsonaro (o autoproclamado liberal que aplaude agressões ao estado de direito quando elas não o atingem, conduta que nega a essência do liberalismo). Três figuras autoritárias revigoradas no lixo tóxico produzido pela criminalização da política como via institucional para encaminhar as demandas da sociedade, criminalização esta promovida pelos mesmos agentes que, em nome do combate aos políticos corruptos, aproveitam para combater também os políticos de que não gosta inspirando na população o desejo de eleger alguém-que-ponha-ordem-em-tudo-isso-que-está-aí. Enquanto isso, Boulos não é incomodado e nem sequer agradece, ele quer é mais, pois essa gente não deseja participar democraticamente da disputa legítima pelo poder, mas se impor pela truculência e pela mentira, chegando ao limite do grotesco e dando mais um passo sem ativar o ativismo blogueiro do MPF. Autoritários do bem e os do mal debocham do Brasil ordeiro.

O marujo Deolindo partiria numa viagem de 10 meses e trocou promessas de fidelidade com a mulata Genoveva. Quando os amantes se reencontraram, Genoveva se apaixonara por outro. Deolindo, do fundo de seu desencanto, ainda balbuciou uma cobrança que era menos isso e mais uma verbalização de seu choque: “mas você prometeu, Genoveva”. “Ah, Deolindo, deixe disso, quando eu prometi era verdade”. Depois de ouvir Lula, me sinto suja da voz roufenha excretando senhas para a barbárie e, para lidar com essa realidade incessante, faço um tipo de profilaxia com algum humor ou ironia, alguma literatura, música ou poesia porque a beleza ─ em qualquer forma ─ é, para mim, revestimento pessoal para sobreviver às mazelas do mundo. Por isso afirmei que o conto é um refúgio, essa encantadora narrativa de um desencanto amoroso com toda a breguice de uma ilusão amorosa ─ claro, não é todo amor que é brega, só os verdadeiros, ou você nunca ouviu Roberto Carlos ou Billie Holiday (cuja morte completa 50 anos em 2019) se acabando em “I’m a fool to want you”? ─ tratada com a genialidade de Machado para falar da volubilidade do coração humano, de fidelidade, inconstâncias e a imprevisibilidade da vida, que a faz menos perigosa. Já pensou que perigo uma vida sem imprevistos? A vida acontece à nossa revelia. Uma “ideia”, não. Portanto, senhores e senhoras agentes da lei, ajam.

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