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Bolívar Lamounier: Crepúsculo de uma farsa

No tempo em que os animais falavam, os ideólogos esquerdistas já liam muito. Liam só marxismo, é claro, mas liam; não é dizer pouco. Com o tempo, o hábito desapareceu; os mais jovens, nem marxismo leem. Lula é da geração mais velha, mas, por razões diferentes, também nunca leu nada.

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 23h01 - Publicado em 14 abr 2016, 15h21

No tempo em que os animais falavam, os ideólogos esquerdistas já liam muito. Liam só marxismo, é claro, mas liam; não é dizer pouco. Com o tempo, o hábito desapareceu; os mais jovens, nem marxismo leem. Lula é da geração mais velha, mas, por razões diferentes, também nunca leu nada.

É por isso que as esquerdas atuais desconhecem um dos trechos mais valiosos, senão o mais valioso, da literatura marxista: o chamado “testemunho político” de Vladimir Ilyich Lenin, o grande líder da revolução russa de 1917. No fim de 1922, já muito doente, Lenin entregou a Krupskaia, sua mulher, uma carta manuscrita a ser levada ao conhecimento do PC-URSS em seu próximo Congresso. O objetivo era advertir a alta direção comunista contra os riscos representados pelo crescente poder de Stalin dentro do partido e na máquina do governo.

A importância histórica da mencionada carta deveu-se a diversas razões, mas o que aqui quero destacar é a singularidade do enfoque adotado por Lenin. Até então, nenhum teórico comunista se permitira enfatizar traços de personalidade ao analisar uma situação política; nem o húngaro Lukács, nem o alemão Karl Korsch, aparentemente mais flexíveis, ou menos aprisionados na camisa-de-força confeccionada por Marx e Engels tiveram tal ousadia – ou se deram conta do grau de sua própria obtusidade.

E eis que Lenin, ninguém menos que ele, escreve o seguinte: “A questão da personalidade poderia parecer secundária, ele acrescentou, mas era uma daquelas coisas secundárias que podem acabar adquirindo uma significação decisiva”. Preocupado com o futuro do Partido e da própria Revolução, Lenin optou pelo prisma psicológico para tentar descortinar a evolução dos acontecimentos. Havia se convencido – como escreve o grande historiador Richard Tucker – de que certos traços de caráter de Stalin – notadamente sua “rudeza” e sua tendência a se orientar de maneira “maliciosa” nas questões políticas – tornavam perigosa a continuação dele no poderoso cargo de secretário geral”.

Lenin recomendava, pois, a substituição de Stalin naquele cargo por alguém “mais tolerante, mais leal, mais cordial, que tenha mais consideração por seus camaradas, que não seja tão caprichoso, etc”. Krupskaia levou o documento aos principais dirigentes do Partido após a morte de Lenin em janeiro de 1924; estes, porém, não levaram em conta a recomendação de Lenin, decisão que muitos deles acabaram pagando com a vida.

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Por que cargas d’água estarei eu a recordar os fatos acima neste 14 de abril de 2016, quando tudo no Brasil gira em torno do impeachment de Dilma Rousseff?

Por uma razão bem simples: a votação do próximo domingo no plenário da Câmara Federal deverá por fim a uma farsa cuidadosamente arquitetada, pela qual o Brasil está pagando e pagará ainda por alguns anos um preço altíssimo. Um retrocesso econômico terrível, responsável por um aumento brutal do desemprego e pelo empobrecimento de milhões de famílias que já antes sobrevivam com poucos meios.

A farsa a que me refiro vem de longe, mas pode ser flagrada em três momentos. Primeiro, lá atrás, quando Lula mandou Dilma Rousseff presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Que avaliação e que objetivo o terão levado a fazer isso? Descarto liminarmente a hipótese de que avaliasse Dilma Rousseff como uma pessoa capaz de exercer tal função. Conheço e respeito muita gente que vê Lula como um político de grande inteligência; no que me toca, data vênia, vejo-o como o protótipo do populista latino-americano, aquele tipo que, inteligente ou não, pauta sua atuação na vida pública muito mais por uma malícia aprimorada nos meios sindicais ou estudantis que por uma concepção minimamente civil da vida política.

Acima de tudo, Lula é isso: um esperto. Penso que nomeou Dilma Rousseff para a Petrobras ou por considerá-la incapaz de descobrir a teia de assaltos que lá se montara, ou, ao contrário, por confiar em que ela a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música.

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O segundo momento é a eleição de 2010, à qual farei apenas uma referência sucinta. Lula tinha uma certeza e um objetivo. A certeza era a de que, com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, o município onde residia. Mas ele, Lula, com mais de 80% de popularidade, dinheiro jorrando da cornucópia da Petrobras e João Santana a tiracolo, a conduziria ao Planalto com um pé nas costas. Seu plano só falharia se ele tivesse escrúpulos, pois ofensa à lei não haveria nenhuma, e o candidato adversário não poderia resistir à ação combinada dos três fatores que venho de mencionar. Docemente constrangida, Dilma, com seu quê de farsante, aquiesceu em participar da farsa.

E, claro, havia um objetivo: evitar o surgimento de um rival de peso dentro do PT (ou do “campo popular”), como seria o caso de José Dirceu, por exemplo. Não, Lula precisava de alguém que combinasse as virtudes de um poste com as de um cão: a passividade do primeiro e a fidelidade do segundo. Dilma era a escolha perfeita. O plano só não funcionou como Lula esperava porque, ao chegar ao governo, Dilma quis mesmo acreditar que possuía conhecimentos econômicos.

O terceiro momento, é escusado lembrar, foi a eleição de 2014. Àquela altura, a catástrofe econômica já começava a comer solta. A questão central era (como continua a ser) a deterioração das contas públicas. Em qualquer país onde a democracia e processo eleitoral sejam levados um pouco mais a sério, Dilma teria que admitir na campanha a inexorabilidade de algum ajuste. Se optasse por fazê-lo, certamente iria “tergiversar” um pouco, isso é de sua natureza e em certa medida inevitável em campanhas eleitorais.

Mas não, no leme estavam Dilma, Lula e João Santana, um trio adepto não somente da malícia, mas também da prepotência como base do agir político. Eis porque a presidente, a celebrada gestora pública, a nunca assaz louvada economista, teve o desplante de se apresentar na TV como fiadora da normalidade econômica, da desnecessidade de sacrifícios, responsabilizando de antemão o seu adversário pela “descabida” proposta de ajustar as contas públicas, vale dizer, de perversamente suprimir direitos dos trabalhadores e do povo.

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Esse o epílogo, que se encerrará, assim o queira Deus, no próximo domingo. E queira Deus que seja o fim dessa época de farsas e farsantes que o nosso país, organizado segundo as regras da democracia representativa, se viu obrigado a tolerar.

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