A seca chegou às cidades. As águas do São Francisco continuam distantes do sertão
JÚLIA RODRIGUES No ano em que deveriam estar festejando a conclusão das obras de transposição do Rio São Francisco, os brasileiros constataram que o flagelo da seca, historicamente restrito aos sertões, já não poupa sequer as cidades. Nesta segunda-feira, a manchete da Folha de S. Paulo resumiu em nove palavras a extensão do drama: “Nordeste […]
JÚLIA RODRIGUES
No ano em que deveriam estar festejando a conclusão das obras de transposição do Rio São Francisco, os brasileiros constataram que o flagelo da seca, historicamente restrito aos sertões, já não poupa sequer as cidades. Nesta segunda-feira, a manchete da Folha de S. Paulo resumiu em nove palavras a extensão do drama: “Nordeste sofre com falta de água em área urbana”.
Segundo a reportagem, entre janeiro e maio o governo desembolsou R$103 milhões com a frota de caminhões-pipa mobilizada para abastecer cerca de 2,8 milhões vítimas da estiagem. Nos primeiros cinco meses de 2012, o Ministério da Integração Nacional já gastou mais da metade dos R$ 180 milhões investidos em 2011. Se não chover até outubro, as despesas com a distribuição de água passarão de R$ 130 milhões.
O racionamento de água castiga moradores de 158 cidades nordestinas. Em Pernambuco, 20% dos reservatórios entraram em colapso. Em Lajedo, a 196km do Recife, a população suporta 20 dias sem água antes do período de abastecimento limitado a 48 horas. Na Bahia, o estado mais afetado pela seca, mais de 50% dos municípios decretaram estado de emergência.
Se depender da transposição das águas do Rio São Francisco, esse quadro não mudará tão cedo. As obras estão paralisadas em três trechos, caminham lentamente nos outros e a gastança não para de crescer. Calcula-se que o maior empreendimento do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, acabe engolindo 71% acima do orçado inicialmente. Segundo o Ministério da Integração Nacional, o custo da transposição, agora prometida para 2015, vai saltar de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões.
O ministro Fernando Bezerra, responsável pela execução das obras, atribuiu a elevação estratosférica a “adaptações e detalhamentos” requeridos pelos projetos. Bezerra também culpa o aquecimento do setor da construção civil pelo rombo nos cofres públicos. Só inocenta o ministério que comanda e, naturalmente, seus superiores.
Oficialmente incumbida de supervisionar todas as obras do PAC, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, recorreu a uma nota redigida em dilmês arcaico para driblar o tema indigesto. “Os aditivos são explicados pelo avanço dos projetos executivos, que têm identificado, com maior grau de precisão, as intervenções necessárias para a completude (sic) do projeto de interligação (sic) do São Francisco”, desconversa um trecho do palavrório.
O uso de “completude” em vez de “conclusão” mostra que a ministra está longe da nota 10 em português. O uso de “interligação” em vez de “transposição” sugere que Miriam tem pouca intimidade com o projeto. Resta à população nordestina fazer o que faz desde o começo do século 19: rezar.