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A reação às manifestações de rua escancara o abismo existente entre um estadista francês, uma comandante sem rumo e um Lincoln que tem medo de crise

PUBLICADO EM 12 DE JULHO Durante a crise de maio de 1968, Charles de Gaulle mostrou que o presidente da República, aos 78 anos, continuava tão lúcido, destemido e coerente quanto o general que comandara a luta pela libertação da França na Segunda Guerra Mundial. Confrontado com o que começou como rebelião estudantil e se […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 04h43 - Publicado em 3 jan 2014, 09h00

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PUBLICADO EM 12 DE JULHO

Durante a crise de maio de 1968, Charles de Gaulle mostrou que o presidente da República, aos 78 anos, continuava tão lúcido, destemido e coerente quanto o general que comandara a luta pela libertação da França na Segunda Guerra Mundial. Confrontado com o que começou como rebelião estudantil e se transformou em insurreição de dimensões nacionais depois da adesão dos sindicatos, entendeu a mensagem remetida das barricadas em Paris. Se os jovens combatentes exigiam mudanças radicais no país e num regime político moldados por De Gaulle, estava claro que o inimigo principal e imediato era ele.

O chefe de Estado poderia ter tentado vencer os rebeldes pelo cansaço. Também poderia ter dividido responsabilidades com o primeiro-ministro George Pompidou, chefe de governo. Em vez disso, preferiu apanhar sozinho a luta atirada pelos líderes do movimento e amparar-se na arrogância formidável. “A França sou eu, a República sou eu”, reiterou em 30 de maio, quando anunciou a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições gerais. No dia seguinte, cantando a Marselhesa, 1 milhão de partidários do presidente se juntaram à passeata que parou Paris, liderada pelo escritor André Malraux, herói da resistência à ocupação nazista e ministro da Cultura.

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Vitorioso na eleição de 23 de junho, De Gaulle encerrou democraticamente a rebelião de 1968. Mais uma vez, mostrou que, sobretudo quando o horizonte está nublado, estadistas devem pensar nos interesses do país e nas próximas gerações. Passados 45 anos, os pais-da-pátria que infestam a República brasileira confirmam a lição fazendo o contrário do que fez Charles de Gaulle. Governantes de quinta categoria só conseguem pensar nos próprios interesses e na próxima eleição, reitera a reação dos sacerdotes do lulopetismo à onda de manifestações de protesto que começaram em 6 de junho.

A revolta da rua escancarou o abismo que separa o Brasil Maravilha inventado por Lula e aperfeiçoado por Dilma do Brasil real onde vive a gente comum. Lá, tudo anda tão bem que, se melhorar, estraga. Aqui, o que se vê é a corrupção impune, a Copa da Ladroagem, a educação e a saúde em frangalhos, a litania das promessas jamais cumpridas, o cinismo exasperante dos políticos ─ a procissão de afrontas parece fila em posto de saúde. O país que presta perdeu a paciência de vez. Cansou-se de ser tratado como um viveiro de imbecis resignados. E reduziu a farrapos a fantasia tecida desde janeiro de 2003.

Tanto o ex-presidente que não desencarna quanto a sucessora que nunca exerceu de fato a chefia do governo já entenderam que estão muito mal no retrato redesenhado pelas multidões inconformadas com a duração da farsa. Em queda livre nas pesquisas de popularidade, Dilma foi vaiada na abertura da Copa das Confederações e não apareceu na final no Maracanã para escapar da reprise constrangedora. No encontro de prefeitos em Brasília, a plateia vaiou a convidada ausente na sessão de abertura e vaiou a governante que resolveu dar as caras no dia seguinte. Lula emudeceu e saiu de circulação no primeiro minuto da primeira passeata. Só recuperou a voz para contar lorotas na África. Ambos sabem que estão na origem das manifestações. Mas fingem que não.

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As imagens da revolta em curso neste inverno brasileiro são mais perturbadoras, muito mais agressivas e menos românticas que as produzidas na primavera europeia de 1968. Tal constatação ganha contornos sombrios quando se compara os atores em cena. A França tinha De Gaulle na presidência e George Pompidou na chefia de um governo que incluía homens como Malraux. O Brasil tem no Palácio da Alvorada uma inquilina sem juízo e sem rumo. E o Planalto continua assombrado por um Lincoln de galinheiro que vive de bravatas e morre de medo na hora do perigo. Nesta terça-feira, Lula e Dilma se encontraram secretamente em Brasília “para trocar ideias”. Como se tivessem alguma para trocar. Ele tem soluções para tudo, menos para problemas que o afetam. Ela não consegue formular sequer uma frase com começo, meio e fim.

Também parece ter sumido da paisagem a tribo dos políticos que, armados apenas de sensatez, ajudaram a debelar tantos incêndios semelhantes. Em contrapartida, nunca se viu tamanho ajuntamento de ineptos, vigaristas e farsantes fantasiados de conselheiros do reino. Sozinha, Dilma já admitiu que é capaz de fazer o diabo. Com Lula soprando ordens e mercadantes sussurrando palpites, tem provado que é uma incapaz capaz de tudo, menos de fazer o que precisa ser feito. Multidões exigem em coro, por exemplo, o fim das bandalheiras. Dilma oferece uma Constituinte natimorta e um plebiscito de múltipla escolha, com questões aparentemente extraídas de uma assembleia no hospício.

A redescoberta da rua avisa que milhões de brasileiros enfim passaram a enxergar as coisas como as coisas são. O palavrório triunfalista virou coisa de senador do Império. A Praça dos Três Poderes ficou mais antiga que as pirâmides do Egito. O monarca e a rainha estão nus no trono em ruínas. A farsa acabou, mas os canastrões seguem recitando o script que pareceu funcionar direito até maio. Aliviada com a pausa enganosa, a turma acampada no coração do poder está cochilando. Como nenhum dos motivos da revolta foi removido, pode ter o sono interrompido pelo brado retumbante.

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