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Por Alberto Carlos Almeida
Opinião política baseada em fatos
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Como avaliar se as instituições estão funcionando (ou não)

É possível elencar critérios claros para se fazer um juízo acerca de seu funcionamento

Por Alberto Carlos Almeida 26 Maio 2020, 15h52

As Cassandras estão vibrando com a operação de busca e apreensão da Política Federal (PF) na residência oficial do Governador do Rio de Janeiro. Este episódio seria a prova cabal do mau funcionamento de nossas instituições políticas. Além de Witzel ser adversário de Bolsonaro, a ação da PF foi antecipada em uma entrevista da deputada Carla Zambelli, que goza de grande proximidade com o Presidente da República. Não bastasse isso, Bolsonaro veio a público dar parabéns à PF por essa operação.

Quem afirma que as instituições não estão funcionando provavelmente nunca pensou quais os critérios que utiliza para fazer esse julgamento. Toda medição tem uma régua. Há uma régua implícita no pensamento de quem avalia as instituições que a permite dizer se elas funcionam ou não.

É provável que não seja utilizado o critério tempo, isso mesmo, o tempo. O funcionamento das instituições não é o mesmo que o da bolsa de valores onde em um dia pode ocorrer enormes perdas e na semana seguinte ganhos de igual magnitude. As instituições são entes seculares, senão isso, existem há décadas. Tome-se como exemplo nosso tribunal constitucional, o presidencialismo, o sistema eleitoral proporcional e tantas outras instituições que regulam a distribuição de poder no Brasil.

Qualquer régua que ignore a natureza secular das instituições irá proporcionar uma medição equivocada de seu funcionamento. O correto julgamento de seu funcionamento exige que elas sejam avaliadas no médio e no longo prazos. É risível ver as pessoas chegando a conclusões definitivas sobre seu funcionamento tomando-se a média das decisões proferidas pelas instituições em um ano específico, às vezes em um mês ou, mais absurdo ainda, em um dia. Qualquer critério de julgamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF), da PF, da Presidência da República que desconsidere isso estará fadado a emitir juízos precários e frequentemente equivocados.

Outro critério inteiramente desconsiderado pelas Cassandras é a natureza agnóstica das instituições. Isso significa que elas tomam tanto decisões que vão lhe agradar, quanto decisões que serão muito contestadas por você. Vamos considerar o julgamento e a prisão de Lula. Neste caso, as pessoas de esquerda, os petistas e todos aqueles simpáticos a Lula afirmaram que aquilo foi a prova de que as instituições não funcionavam. O fato é que Lula foi o único líder nacional preso. Há também os que avaliaram o mesmo episódio de maneira oposta. As pessoas de direita e os adversários do PT disseram que a prisão de Lula mostrava que as instituições estavam funcionando, estavam finalmente combatendo a corrupção.

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Aproximadamente 18 meses mais tarde Lula foi libertado. Este acontecimento foi avaliado de maneira oposta pelos dois lados da política. A esquerda, os petistas e os simpatizantes de Lula puderam afirmar que as instituições tinham voltado a funcionar, ao passo que a direita, tucanos e bolsonaristas disseram que aquilo significou um retrocesso institucional. Ao fim e ao cabo as instituições foram agnósticas, elas tomaram decisões que contrariaram e que satisfizeram os dois lados do espectro político.

Este exemplo também ajuda a entender a necessidade de tempo para que as instituições sejam avaliadas. Tomando-se apenas o mês de abril de 2018 elas não funcionariam para a esquerda. Porém, se novembro de 2019 estivesse em análise a esquerda diria que elas estariam funcionando plenamente, e vice-versa para a direita.

Outro critério para a régua de avaliação das instituições pode ser a abrangência e a quantidade de suas decisões. Há muita gente dizendo que elas não funcionam com base em episódios únicos e decisões cuja a abrangência é micro em vez de macro. O xingamento proferido por Weintraub aos ministros do STF é algo único na história da República, e é um episódio micro, uma fala em uma reunião ministerial sem consequência prática alguma. Suponhamos que ele não seja legalmente punido pelo que fez. Isso é considerado prova de não funcionamento das instituições. Ora, ora, talvez fosse se isso se tornasse uma prática recorrente de ministros de estado, e nenhum deles fosse punido.

Muitas vezes punir episódios pontuais e irrelevantes em sua abrangência seria evidência do mau funcionamento das instituições. Em tais casos caberia perguntar qual o enquadramento legal que permitiria a investigação, o processo, o julgamento e a condenação. Se não houver enquadramento legal algum para o comportamento de Weintraub e outros eventos de pouca abrangência e pouco frequentes, então puni-los seria prova do fracasso institucional.

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As nossas instituições políticas têm como objetivo central permitir que o povo se expresse, é o cerne da democracia, e assegurar que ninguém possa exercer o poder de forma autoritária, aqui se aplica o controle de poder, os pesos e contrapesos. Cabe perguntar se isso vem sendo alcançado após a Constituição que estabeleceu tais instituições, a promulgada em 1988. Se a resposta for sim, elas estão funcionando.

É impossível responder sim a esta pergunta se não é reconhecido o controle da inflação no Governo Fernando Henrique, uma demanda da população desde a redemocratização, a queda do desemprego nos Governos Lula, outra demanda do eleitorado, e a ampliação dos programas de transferência de renda assim como o aumento dos gastos per capita em saúde e educação. Tudo isso é sustentado por dados abundantes. Não reconhecer os avanços pelos quais o Brasil passou em várias décadas é o primeiro passo para afirmar que as instituições não estão funcionando. Todos esses avanços só foram possíveis por causa delas, instituições, e porque elas forçam os decisores, políticos, juristas e burocratas de alto escalão, a escolher e implementar políticas públicas que desfrutem de um amplo consenso.

Apenas lamento que o debate sobre nossas instituições seja tão sofrível, seja mais enquadrado em uma moldura vira-latas, catastrofista e irrealista do que em critérios pertinentes que permitam de fato compreender seu bom funcionamento.

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