Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Agro Global Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Marcos Jank
Análises exclusivas sobre agronegócio, comércio e sustentabilidade pelo professor Marcos Jank e equipe do centro "Insper Agro Global" e convidados.
Continua após publicidade

China substitui EUA na liderança de grandes acordos comerciais

RCEP e Acordo China-UE mostram os desafios de política comercial dos EUA na era Biden

Por Renata Amaral (*)
Atualizado em 13 jan 2021, 13h41 - Publicado em 12 jan 2021, 23h43

As imagens dessa última semana em Washington colocaram em risco a democracia norte-americana e escancararam a sua vulnerabilidade para o mundo. Caíram no colo no presidente eleito dos Estados Unidos (EUA) mais problemas domésticos sérios para lidar: o risco de escalada da violência doméstica e a imagem estilhaçada do país para o mundo em 6 de janeiro.

Biden precisará de muita habilidade para reorganizar o país rachado que herda dos últimos quatro anos de governo Trump. Dentre as trapalhadas que ele precisará reorganizar, está a relação política e comercial com a China, e com o mundo.

Trump diminuiu o tamanho e a presença dos EUA em organismos internacionais e negociações multilaterais, mas o comércio global se reorganizou sem os americanos. Três acordos bastante robustos chamam a atenção:

– A Parceria Transpacífica (CPTPP – Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership, na sigla em inglês) – um acordo que envolve 11 países da Ásia, Pacífico e Américas, do qual Trump retirou os EUA no primeiro dia do seu mandato em 2017;

– A Parceria Regional Econômica Abrangente (RCEP – Regional Comprehensive Economic Partnership, na sigla em inglês);

– O Acordo Abrangente de Investimentos entre União Europeia e China, assinado às vesperas virada para 2021.

Continua após a publicidade

Iniciado pelo governo Bush e concluído pelo governo Obama, o antigo TPP (hoje CPTPP) foi uma robusta e inteligente tentativa de isolar a China no mercado asiático. Trump não entendeu isso, retirou os EUA do acordo. Acabou dando um tiro no pé, pois o acordo aconteceu sem a presença dos EUA.

Outro megamovimento na Ásia foi concluído recentemente e deu origem ao maior acordo de comércio do mundo, o RCEP. De forma inédita, o RCEP juntou as maiores potências asiáticas no mesmo acordo de livre comércio: China, Japão e Coreia do Sul, ao lado de 10 países do Sudeste Asiático (ASEAN), Austrália e Nova Zelândia.

E a cereja do bolo veio antes do Réveillon, para desgosto da nova administração americana: a assinatura do acordo de investimentos entre União Europeia e China, beneficiando os investimentos internacionais de empresas dos dois lados. Este acordo, que passou despercebido por muita gente, ainda que modesto em temos de compromissos bilaterais, contém compromissos de acesso a mercados e redução de barreiras aos investimentos entre China e UE, regras de regulamentação da competição, desenvolvimento sustentável e resolução de disputas. Biden considera os europeus aliados importantes no enfrentamento dos chineses, e Bruxelas sabe disso. Talvez esse tenha sido um sinal claro de que, sabendo das pretensões do novo presidente dos EUA, a Europa não vai se comportar passivamente e confrontará Pequim olhando para os seus próprios interesses.

Enquanto o mundo levou política comercial, acordos e comércio a sério nestes anos, o que Trump fez foi assinar um acordo de comércio irregular, incompleto e frágil com os chineses em janeiro de 2020, que contraria as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). O acordo foi um endosso das duas maiores economias do planeta a um sistema de “comércio administrado” e um acordo explícito de facilitação de comércio em favor dos EUA, com compromissos de compras vultosos de compras por parte dos chineses e foco especial em produtos do agronegócio. Segundo o texto do acordo assinado em 15 de janeiro do último ano, na agricultura as importações da China oriundas dos EUA teriam de saltar de US$ 16 bilhões do ano de 2019 para US$ 36,5 bilhões em 2020 e US$ 44,5 bilhões em 2021.

E o que aconteceu? Segundo estimativas do Peterson Institute for International Economics (PIIE), as compras chinesas relativas ao primeiro ano do acordo (2020) não chegaram a 2/3 do negociado. Com efeito, até novembro de 2020, as importações da China de produtos agrícolas cobertos pelo acordo foram de US$ 19,4 bilhões, em comparação com a meta acumulada no ano de US$ 31,4 bilhões. No mesmo período, as exportações dos EUA de produtos agrícolas cobertos pelo acordo foram de US$ 22,5 bilhões, em comparação com a meta acumulada no ano de US$ 29,6 bilhões. De acordo com o PIIE, os primeiros onze meses de 2020, as compras da China foram, portanto, apenas 76% (exportações dos EUA) ou 62% (importações chinesas) de suas metas acumuladas no ano.

Continua após a publicidade

A China não está cumprindo o que prometeu, mas isso não é surpresa, pois o acordo é frágil e não ataca os reais problemas dos americanos com os chineses – a exemplo dos altos subsídios e da estrutura da economia chinesa com forte presença do Estado. Ademais, as tarifas a produtos chineses e americanos no comércio bilateral continuam elevadas: antes da guerra comercial (janeiro/2018) as tarifas aplicadas pelos EUA estavam na média de 3,1% contra 19,3% em novembro/2020; as tarifas chinesas no mesmo período subiram de 8% para 20,3%.

O novo presidente americano herda problemas sérios em relação as escolhas infelizes feito pelo seu antecessor. Comércio administrado, sanções, restrições as exportações e os EUA muito diminuídos no mundo. Talvez Biden queira manter algumas dessas medidas para ter poder de barganha (leverage) nas suas próprias negociações, mas a verdade é que o mundo não deve facilitar. E mesmo que Biden afirme constantemente que seu foco serão os problemas domésticos, comércio internacional será uma pauta com a qual ele terá que lidar, sendo ou não prioridade de acordo com a sua agenda.

Para o Brasil fica, então, o sinal de alerta para as escolhas em termos de política e comércio internacional, nos últimos dois anos muitas vezes pautadas pelas escolhas do presidente Trump. Jogar sozinho é muito mais difícil do que jogar em grupo. Talvez seja hora de repensar a estratégia, antes que seja tarde.

(*) Renata Amaral é Doutora em Direito do Comércio Internacional e Professora Adjunta da American University em Washington DC.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.