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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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São Paulo não quer motoristas mulheres de Uber em 2018?

E outras confusões da nova legislação municipal que, a partir de janeiro, pretende impor várias regras locais aos apps de transporte

Por Filipe Vilicic Atualizado em 27 dez 2017, 16h57 - Publicado em 26 dez 2017, 17h15

Começo com a justificativa da pergunta do título deste texto: uma nova lei municipal irá impor regras de vestimentas que, em tese, privilegiariam homens como condutores de Uber; ou obrigariam mulheres a se trajar com roupas tipicamente associadas a homens (com as quais nem todas elas podem se sentir confortáveis, ou devidamente representadas). Já explicarei essa constatação. Antes, detalho o cenário maior.

Nesta coluna tratei de como regulamentações dificilmente expulsariam a Uber, a 99 ou a Cabify do Brasil. O interesse dessas empresas é grande, enorme, pela clientela brasileira. Agora, que a prefeitura de São Paulo abusou da paciência – e esqueceu do bom senso – na resolução 16, que começa a valer a partir do mês que vem… sim, abusou.

A Uber e suas rivais se queixam de qualquer regra, é verdade. E é preciso, sim, ter regras, para qual for o setor de negócios da sociedade. Por exemplo, a companhia reclamou da idade mínima agora exigida para os veículos circularem em São Paulo. Só criticou pois sabe que assim terá de garantir uma elevação na qualidade do serviço, que anda cada vez mais capenga; a ponto de um funcionário da Uber uma vez ter dito, em off, “Esperavam que o negócio ia ser ampliado, com versões mais baratas, sem que o atendimento fosse prejudicado? Impossível”. E, sim, há razão nessa conclusão. Mas também é inviável entrar em um carro Uber sem acessórios de segurança em dia, com o pneu sem ser trocado desde 2009 etc.

A nova lei também exigirá um curso de qualificação para se tornar motorista de aplicativos como o Uber, o 99 e o Cabify. Medida positiva, que no mínimo garantirá a segurança da experiência da clientela, em modelo implantado em cidades como Nova York e Londres. Mesmo assim, a Uber se queixou.

Só que, tirando pouquíssimos acertos, o restante da resolução da prefeitura de SP é uma presepada, mesmo.

O exemplo maior é o da exigência de vestimentas específicas para os motoristas. Às regras:
“Estar permanente e adequadamente trajado durante a execução da atividade, respeitando os dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro e utilizando vestimenta apropriada como camisa, calça e sapato social, ou esporte fino como camisa ou camisa polo, calça jeans”. Ficariam proibidas roupas como calças esportivas, moletom, outras calças semelhantes (quais seriam?), jaquetas de times e ainda tem um “etc.” na resolução. Sim, colocaram um “etc.” na lei, para que cada um entenda como quiser as especificações.

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“E daí? Eu quero meus motoristas de Uber vestidos como coxinhas.” Algum leitor poderia argumentar. Ok, então, para começo de conversa, quer dizer que todos os paulistanos devem se vestir, no trabalho, como o Doria. Isso? Só imitações fajutas do prefeito podem virar motoristas de Uber?

Roupas expressam opiniões, personalidade. Qualquer ser minimamente alfabetizado em moda, ou com o mínimo de noção cultural, sabe disso. Por exemplo, no Vale do Silício o regular é trabalhar de tênis, calça jeans gasta e camiseta lisa para imitar ídolos como Steve Jobs e Mark Zuckerberg. No ramo publicitário é dificílimo achar algum profissional de terno, pois o jeitão descolado exibe, em teoria, o pensamento criativo, fora da caixinha – claro, evidencia-se um estereótipo e não quer dizer que gente de terno não é criativa.

Um motorista de Uber pode querer se vestir como os caras do Vale do Silício, por sonhar em abrir a própria start-up. Ou como um rapper, por isso representar a cultura na qual se está inserido. Exigir que todos andem como seguranças do shopping Iguatemi, vestindo-se como típicos admiradores do Doria, representa reprimir a liberdade individual. Assim como se fazia, antigamente, ao se dizer que uma roupa seria de “branco” e, outra, de “negro”. Puro racismo. Já na história da prefeitura de SP seria o que? Elitismo? Machismo? Uma, digamos, coxinhetização da população?

Além disso, mais uma conclusão perigosa se tira da regulamentação paulistana que começa a valer a partir de janeiro: parece que a prefeitura quer apenas homens como motoristas desses apps. Uma funcionária da Uber me atentou à questão. Depois, compartilhei a preocupação com colegas, para às quais ficou claro o mesmo. Por quê?

Na resolução não se especificou nenhuma roupa tipicamente feminina, como saias e salto alto. Claro, mulheres têm a opção de se vestir de terno ou de polo. Assim como homens podem preferir as saias – inclusive se forem motoristas de Uber. Tenho um amigo que colecionava saias.

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No entanto, tipificar tão-somente vestes usualmente masculinas como as permitidas a um(a) motorista de Uber exibe um erro que só pode ter duas razões. A primeira: quem redigiu a resolução tem uma mente tão machista que não consegue imaginar um ser humano trabalhando de vestido. Segunda: o preconceito seria da instituição, da prefeitura, não do redator.

O incontornável: a regra se tornou misógina. E coxinha paca, também. Pois, no fim do dia, ela quer dizer algo como “bons motoristas só são aqueles que usam calça social, camisa, gravata e sapato lustrado”. Até o Pateta (vide a imagem que abre este post) já provou que não é bem assim.

Tirando isso, a resolução, em si, apresenta várias outras confusões. Tornará o processo extremamente custoso para os candidatos a motoristas – muitos dos quais, desempregados em busca de uma renda –, além de demorado. Por efeito, clientes talvez vejam uma temporária escassez de carros de aplicativos nas ruas paulistanas; já que parte da frota terá de se adaptar, e condutores serão obrigados a se adequar, com o citado curso e com uma série de documentações a serem apresentadas.  Em outras palavras, tudo consequência do usual pensamento burocrático e retrógrado dos (típicos) legisladores deste país.

Mas nada incomodou mais do que a exigência de que na próxima vez que eu chamar um Uber terá de vir, sem outra alternativa, um motorista de terno para me atender.

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