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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Quando jornalistas compartilham notícias falsas

Um ato vergonhoso que se provou ainda mais recorrente após a condenação de Lula

Por Filipe Vilicic Atualizado em 30 jan 2018, 20h37 - Publicado em 30 jan 2018, 20h31

Já falei algumas vezes, como aqui e aqui, do tema das notícias falsas, as fake news. Trata-se de um assunto urgente, pois as mentiras que têm se espalhado pela internet se mostraram não só terríveis, como potencialmente desastrosas. Como já se notou, as fake news influenciaram eleições, como as americanas de 2016 e as brasileiras de 2014 (e será o mesmo com a deste ano, anote aí), destruíram reputações de anônimos e famosos, e acabaram com a imagem de marcas. Indo além, poluíram o ambiente de redes sociais, passaram a ameaçar o saudável cenário democrático da web (e, por vezes, de discussões off-line das mais variadas) e, se nada for feito de efetivo para contê-las, podem, em breve, apagar o resto de credibilidade que se credita ao Facebook ou ao Twitter e, com isso, transformar em palavras fictícias as missões redigidas por essas mesmas empresas (a do Facebook, fora “dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado”).

Não me delongarei acerca do que já foi debatido neste espaço – e em um TEDx feito por mim, no ano passado. Quer mergulhar no tema? Acesse os links indicados ao longo deste texto. No entanto, há uma atualização vergonhosa para o debate.

Sempre reparei que colegas jornalistas também caíam, por vezes, nas arapucas das fake news, compartilhando-as. Porém, essa constatação – motivo certo de vergonha para a profissão – se provou ainda mais recorrente, e persistente, na última semana, após a confirmação da condenação do ex-presidente Lula.

Ao acessar meu perfil pessoal (distinto de meu profissional) no Facebook, que é repleto de colegas jornalistas na rede de contatos, notei mais de uma dezena de repórteres, editores e afins espalhando, por exemplo, o falso texto de Marieta Severo acerca do caso de Lula. Em teoria, qualquer jornalista treinado logo notaria que se tratava de uma falácia (o texto, de escrita péssima, não combinaria com o histórico da consagrada atriz), ou ao menos checaria, com fontes primárias, se a mensagem seria verdadeira. Em último caso, na dúvida, a decisão mais acertada para um profissional do campo seria simplesmente não reverberar o fato, antes de saber se ele se configurava como falso, ou verdadeiro. Infelizmente, não foi o que ocorreu.

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Minha timeline no Facebook se encheu de colegas passando vergonha, espalhando a “notícia” (note as aspas, por favor). Um deles, ao ser avisado de que se tratava de uma falácia, chegou a responder ao interlocutor algo na linha: “Mas podia ser verdade, né? Por isso, vale a mensagem”. Oi? Não há algo como “podia ser verdade” no jornalismo. Isso só é aplicável à ficção, em especial à ficção científica. Na minha área de trabalho, ou algo é fato, ou não é.

No que pode não se tratar de uma coincidência, todos os que flagrei cometendo o ato falho – na maioria das vezes, depois devidamente deletado de seus perfis nas redes sociais – possuíam acima de 45 anos e se declaravam como ex-petistas. O que isso tem a ver?

As gerações que nasceram no mundo conectado parecem demonstrar maior habilidade para não pisar nessas armadilhas online. Afinal, quando eram bebês tocando em iPhones e iPads, já tinham de, indiretamente, lidar com hackers, fake news, revenge porn etc. Tudo isso passou a fazer parte do vocabulário de (quase) todos os jovens. Portanto, hoje se nasce em um mundo no qual se prova necessário desenvolver habilidades para lidar com os problemas virtuais (e cada vez mais reais).

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Do outro lado, muitos das gerações antigas (claro, há exceções) nunca ouviram falar de termos como fake news ou revenge porn. Ou, se ouviram, podem não ter captado corretamente do que esses se tratam. Por essa falta de ciência, talvez não estejam tão preparados para logo desconfiar, de cara, de um algo qualquer postado por um amigo ou familiar qualquer.

Também é comum que os mais envolvidos emocionalmente com um tema também sejam os mais suscetíveis à enganação. Logo, é de se esperar que aqueles antigos petistas, decepcionados com o antigo líder hoje condenado, não controlem os ânimos, o nervosismo, não respirem fundo, antes de compartilhar um post – mesmo que mentiroso – que confirme suas decepções.

Aqui, configura-se ainda o conceito da bolha das redes sociais. Em resumo: por estar dentro de uma bolha, constituída pelos amigos que costumam concordar com as mesmíssimas opiniões e compartilhar os mesmíssimos posts (mentirosos ou não), acredita-se que tudo que circula à frente dos olhos (ou do mouse; ou do dedo na tela do iPhone) é verdadeiro.

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Só que não era de se esperar que jornalistas caíssem nessa cilada moderna. Isso porque somos treinados para sempre checarmos informações com fontes primárias, antes de publicarmos algo. A mesma regra deveria valer para quando fôssemos jogar alguma informação em nossos Facebook, Instagram, Twitter etc. Como, então, tantos profissionais experientes se viram no meio dessa emboscada?

Além das justificativas já dadas, há outra provável. A internet facilitou, em muitas formas, o trabalho de apuração. Hoje, há o Google, o Facebook, a Wikipedia, para facilitar a procura por algum dado, alguma informação, alguma citação de algum famoso. Tende-se a confiar no que se vê na internet. Frente a isso, há repórteres que parecem que, ao menos em seus perfis pessoais nas redes sociais, preferem recorrer ao caminho fácil, do que se empenhar no trabalho, digamos, mais difícil de checagem. Talvez por isso compartilhem tantas fake news.

Há antídoto? Claro. A primeira, e principal, medida é voltar a apostar no bom e velho jornalismo. Aquele que se apoia em entrevistados críveis, dados confiáveis e, principalmente, na apuração diretamente com as fontes primárias de uma informação. Usualmente, isso exige que se saia da frente do computador, do smartphone, e se observe o mundo real. Dá trabalho, né? Mas é isso que garante a existência de entendidos desse métier. E, mais que isso, que o público continuará a confiar no trabalho jornalístico. Uma relação de confiança essencial para que, inclusive, se contenha (ou se tente conter) a onda de falácias que se espalhou pelo universo online.

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***

Aproveito ainda para levantar um segundo debate. Sempre achei um tiro no pé essa de chamar mentiras de fake news. “Notícia” e “falso” não podiam estar numa mesma expressão. “Notícia” é só aquilo que é baseado em fatos, na verdade. O resto… é mentira, fofoca, mesmo.

Mesclar as duas palavras numa só causou um novo problema. Alguns espertinhos, malandros (exemplo maior: Donald Trump), além de muitos desinformados, começaram a chamar de fake news tudo aquilo com o qual não se concorda. Assim, se um político é condenado por um crime, ele logo grita “fake news!”. Se a imprensa revela que empresas russas, provavelmente ligadas ao governo do mesmo país, usaram das redes sociais para influenciar nos resultados da última eleição presidencial dos EUA, segundos depois o Trump grita “fake news!”. Assim, manobra-se para obscurecer o fato, em si, tachando de notícia falsa, por exemplo, uma opinião com a qual não se concorda.

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Infelizmente, “fake news” foi a expressão que pegou, mesmo. E, de forma didática, é preciso recorrer a ela. Na próxima vez que vê-la, no entanto, indague-se: “Fulano tá mesmo apontando uma mentira, ou ele só tenta desacreditar uma notícia verdadeira que ‘pegou mal’ para ele?”.

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