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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que os radicais do Facebook não vão às ruas…

... como parece querer o PT, os de extrema direita, todos aqueles que adorariam ver o circo pegar fogo (mas não o virtual, o real)

Por Filipe Vilicic Atualizado em 3 fev 2018, 18h05 - Publicado em 3 fev 2018, 17h46

Já dispensa apresentação o fenômeno da polarização e radicalização de discursos (muitos dos quais, da categoria “de ódio”) na internet. Em especial, em redes sociais, a exemplo do Facebook, do Twitter, do Instagram. No cenário “condenação de Lula”, foi igual. Dentre os que estão do lado do ex-presidente, ou ainda do lado dos que o condenam, há muito berro, disseminação de notícias falsas (como dito neste link), ameaças de sortes variadas etc. Frente aos ânimos on-line exaltados de alguns fiéis a Lula, petistas alimentavam a esperança de que o que eles julgam como revolta pudesse sair do Facebook e ganhar as ruas. Lula foi condenado, logo mais pode acabar na prisão, e, por enquanto, as ruas continuam praticamente vazias.

Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, expôs o desejo de ver o pau comer:

Lula tem 40% nas pesquisas e querem impedir que as pessoas manifestem o seu voto. Estamos num processo de ruptura constitucional. Temos que ter um enfrentamento.”

“A eles, tudo é permitido. A nós, nada. Então a gente não tem o direito nem de levantar a voz para protestar? Mas nós vamos levantar. E vamos fazer muito protesto.”

Antes disso, Gleisi já tinha anunciado: “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar.”

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Felizmente, no mundo real, ninguém morreu, ao menos ainda. Esperemos que continue assim. No virtual, por outro lado, aí, sim, o debate se inflamou, amizades foram desfeitas e aposto que muitos perfis também foram mortos, deletados por um motivo qualquer – talvez, pela disseminação do discurso de ódio, o que por vezes fere diretrizes desses sites e aplicativos.

Por que o povo enfezado do Facebook não xinga todo mundo, em igual teor, fora do Facebook? Dou duas explicações – dentre outras que existem –, ambas calcadas em elementos que compõem a essência da internet. Numa delas, evidencio o lado mais covarde, e também cruel, do ser humano. Noutra, alimento um pouco de respeito pela índole das pessoas.

O primeiro motivo: o anonimato.

Segundo um estudo da consultoria inglesa YouGov, 77% dos usuários de redes sociais acreditam que o elemento da invisibilidade, de poder se proteger por trás de imagens e de nomes falsos, é o que instiga a agressividade na internet. O psicólogo americano John Suler, da Universidade Rider (EUA), criou um termo para explicar isso: “desinibição on-line”. A expressão dá sentido ao anonimato na web, o que motiva alguns a falar contra ditaduras, a ser mais generoso, mas também incentiva muitos a se portarem como bêbados enraivecidos que não conseguem controlar a própria mente, nem o próprio corpo, e por isso saem por aí batendo no que veem pela frente – na grande maioria das situações, naqueles que se mostram mais fracos que eles.

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Os haters são costumeiramente covardes no ambiente virtual. Ameaçam – por vezes, de morte –, xingam, extravasam. Mas, sempre, no Facebook, muitas vezes acobertados atrás de nomes falsos e posts mentirosos, e tendo como alvo pessoas que eles sabem que 1. Sofrerão com os ataques 2. Não irão revidar 3. Podem até ter medo de se defender.

Já se tornou manjada a frase de Umberto Eco (1932-2016) para definir o povo doido das redes sociais: uma “legião de imbecis” que antes falavam “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Digo mais. Diferentemente de como é num boteco, contudo, os imbecis não podem ser punidos imediatamente por suas agressões. Por isso, na internet eles se sentem mais livres, leves e soltos. A punição está distante deles. Assim, expressam-se sem medo.

Mas esses “imbecis” são covardes. Assim como bêbados de bar, podem voltar para casa e acabar agredindo – em ato covarde, repito – um familiar. No entanto, mesmo após entornar uma garrafa de cachaça, não vão arranjar briga com o Anderson Silva.

Na internet, gritam ainda mais à vontade. Não só pela proteção do anonimato, mas também pelos algoritmos de um Facebook aproximarem seus posts, suas opiniões, majoritariamente de um público que concorda com os mesmos posts, as mesmas opiniões. Assim, os haters formam uma bolha, cheia deles, cheia de ódio, e cheia de covardia.

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Por que, então, esses berrantes não vão arranjar encrenca diretamente com seus opositores, num ringue urbano? Provavelmente você, caro leitor, já chegou à resposta por si só. Se não, serei direto: na vida real, esse povo é covarde. A valentia toda se apresenta tão-somente no Facebook.

E isso vale para todos os lados onde há haters. E em qual não há hoje em dia, né? Vale para a extrema esquerda. Para a extrema direita. Para supremacistas brancos. Para movimentos anti-islã. Tanto faz.

Certa vez, tive uma conversa com Dick Costolo, executivo que à época do papo era CEO do Twitter. Debatemos acerca da questão dos radicais da rede social e porque os mesmos não tomavam as ruas com tamanho ódio. Ele simplificou: “Se tirar a cortina que os protege, eles ficam quietos”.

O segundo motivo: a empatia.

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Agora, apelarei a um aspecto mais, digamos, benéfico de ser um humano – e de lidar com outros iguais a nós. Quando olhamos alguém similar – esqueça o pensamento de outrem; falo de pernas, mãos, olhos, cabelos e tal –, tendemos a sentir compaixão. O primatólogo Frans de Waal dedicou um de seus livros (incrível, por sinal!) ao tema: A Era da Empatia.

Em resumo, nossa mente se configura, por vezes, como um espelho. Um no qual a dor do outro, assim como sua felicidade, pode se refletir. Motivo que explica olharmos um bebê e o acharmos “fofo”. Ou nos colocarmos em perigo, nos jogando mesmo em frente a um carro, para salvar uma criança. Ou por que realizamos doações, compartilhamos alimentos em situações difíceis e por aí vai.

São raras as pessoas – elas existem, porém, como se prova em outro bom livro, The Science of Evil (A Ciência do Mal), do psicólogo Simon Baron Cohen – que não apresentam algum nível de empatia pelo próximo. Por isso mesmo, até para soldados (destreinados) fica difícil ferir um inimigo numa guerra.

Em um experimento clássico – que já foi colocado em dúvida, by the way; mas aqui serve ao propósito –, o general americano Lyman Atwood Marshall (1900-1977), um dos militares mais famosos da história, constatou que, em um esquadrão de dez homens, somente três chegavam a disparar suas armas numa guerra (no caso, a II Guerra Mundial). O motivo? A empatia deles para com os inimigos – pessoas, mortais, assim como eles – os impedia de matar. Os dados foram contestados por várias razões; a principal delas seria que militares realmente treinados, diferentemente dos garotos convocados às pressas para a II Guerra, não teriam igual receio. Mesmo assim, a conclusão, de que o sentimento de empatia não nos deixa agredir a todos por aí, ainda serve.

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No âmbito da internet, contudo, não há empatia. Não se tem de encarar o agredido nos olhos. Não é preciso arcar com as consequências imediatas de um xingamento ou um tapa. No Facebook, assim como se fala por trás do manto do anonimato, usualmente se ataca alguém invisível. O alvo raramente será um familiar próximo, um amigo, qualquer um que se tenha de cruzar depois, pelos corredores do mundo real. O inimigo on-line costumeiramente é ninguém e todo mundo, ao mesmo tempo. Como ele não tem uma cara de fato – observação: celebridades, políticos, por exemplo, não podem ser tidos como conhecidos, no âmbito pessoal; eles também são “invisíveis” para os agressores –, torna-se “Ok” bater nele.

Por isso é tão fácil virar um hater na internet. Na vida pra valer, por outro lado, a expressão do ódio por vezes é contida por um dos mais belos sentimentos humanos, o da empatia.

Se você já se pagou disseminando raiva, gratuita, pelo o que for, no Facebook ou no Twitter, tente notar se você se encaixa numa das situações acima. Seria um covarde, acobertado pela própria bolha de amigos das redes sociais e pelos ares de anonimato? Ou alguém felizmente empático, que simplesmente não agiria assim com um indivíduo que pensa diferente de você, mas aí no meio da Avenida Paulista, ou num bloquinho de Carnaval, pois lá no fundo não se quer ver o outro sofrer?

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