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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Por que é imprudente (e ingênuo) o movimento #deletefacebook

A onda de deletar perfis no Facebook pode passar a errada impressão de que essa atitude realmente resolveria algum problema

Por Filipe Vilicic Atualizado em 28 mar 2018, 19h15 - Publicado em 28 mar 2018, 17h54

De início, deixo claro: não sou fã do método Facebook de fazer negócios. Já apelei pro clichê e comparei a rede ao Big Brother de 1984, de George Orwell. Também falei de como já manipularam dados para vender anúncios. Assim como dos diversos escândalos em que se meteram e de como a empresa está perdidinha em meio a eles – no fim, a rede tomou rumos não previstos por Zuckerberg e cia.; e a trupe não sabe bem como reagir a tudo isso. Critiquei, ainda, a reação do império de Facebook, via seu filhote WhatsApp, a quando VEJA revelou a forma como criminosos da pior estirpe utilizavam essas ferramentas para se esconder das autoridades. E analisei a forma como, num mundo cada vez mais virtual, todos temos nos tornado cobaias das redes sociais.

Faz anos que, sempre que perguntado sobre o Facebook, espinafro-o. Recomendei a conhecidos que não fossem trabalhar lá, justamente por estarem contribuindo com um sistema, em suma, antiético e imoral. E foram trabalhar lá mesmo assim. Eu mesmo já me pronunciei, em momentos que demandaram isso, que não me disporia a bater ponto numa companhia, uma máquina digital de manipulação e exploração, como o Facebook. Isso, claro, se o Facebook não mudar de rumo e tomar um caminho mais empolgante e limpo. Como fizeram muitas, tantas, outras das marcas icônicas da indústria da tecnologia.

Na última semana, li uma série de textos que minimizavam o caos causado após a descoberta de que dados pessoais fornecidos pelo Facebook à Cambridge Analytica eram utilizados para tentar manipular eleições, como a que elegeu Trump presidente nos EUA. Inclusive, vindos de escritores que acompanho e, em certa dose, admiro. Antonio Prata afirmou, por exemplo, na Folha de S. Paulo: “a se julgar pelas pessoas que o Facebook coloca na minha timeline e produtos que me oferece, os tais algoritmos sabem tanto sobre mim quanto o tio Augusto, que no meu aniversário de oito anos, em 1984, me deu de presente uma calculadora financeira.” Spoiler: tio Augusto nada sabia de Prata.

É um deslize reduzir o problema. Sim, o Facebook pode não ser tão efetivo em empurrar alguns anúncios para alguns tipos de usuários, como Prata, ou como é comigo. Mas isso é efetivo com uma enorme parcela dos perfis, mais, digamos assim, vulneráveis a esse tipo de manipulação. Tanto que a tática rendeu 40 bilhões de dólares ao Facebook no ano passado. No entanto, restringir o debate a isso acaba por ser insensato. Isso porque o que fazem empresas como a Cambridge Analytica – e há tantas iguais, inclusive no Brasil; só são menos eficientes e por isso não surgiu nenhum escândalo, ainda, a partir delas – vai muito além de cruzar gostos pessoais para empurrar anúncios.

Essas consultorias utilizam de técnicas típicas de pesquisas acadêmicas da área de psicologia – e que fariam inveja até a Milgram – para interpretar informações levantadas no Facebook e, aí sim, com base não só no que diz um algoritmo, mas também os séculos de estudos da mente humana, tentar mexer com a cabeça das pessoas. Por que isso dá medo?

Certa vez conversei com Tristan Harris, um ex-designer do Google que fundou a organização Time Well Spent, que visa educar profissionais da área e consumidores a utilizar de forma mais inteligente as inovações conectadas. Com explicações mais técnicas e convincentes do que a que vários de seus colegas haviam me passado outras vezes, Harris mostrou como um usuário comum das redes sociais navega por esses sites jamais da forma como ele quer. Mas, sim, sempre como o designer que o desenhou e, principalmente, a própria rede social intenciona.

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Em resumo, há uma série de formas para viciar pessoas não instruídas no babado (a maioria de nós) a não parar de rolar a timeline para baixo; a não se controlar e checar o app no celular a cada 30 minutos (quando não menos); a confundir o Facebook ou o Twitter com o que é a internet, como um todo (e achar que essas páginas resumem o que há na internet); a clicar nos vídeos que a rede quer que cliquem, nas notícias que a rede quer que cliquem, nos posts de amigos que a rede quer que cliquem. O Facebook já criou ferramentas para convencer pessoas a ir votar nos EUA, a doar para intuições específicas, a falar com conhecidos das antigas (achando que ainda são amigas dos mesmos), a… a lista é grande.

Então, dá medo quando se descobre que políticos e psicólogos têm usado métodos parecidos para influenciar nossa mente. E, pior, sem que percebamos e, muitas vezes, implantando a ideia de que as escolhas que fazemos são realmente próprias, não manipuladas por outrem – como se ovelhas pudessem dizer algo como “não, o pastor não manda em mim; só vou até aquele lugar lá porque quero”. Há quem saia ileso desse ataque mental? Claro. No entanto, julgar que essa é a maioria se trata de uma inocência comparável a acreditar que todos reagiriam como o protagonista Winston Smith frente ao tenebroso Ministério da Verdade de 1984.

Todavia, tenho sido muito colocado na parede: “Se pesa tanto as palavras contra o Facebook, saia dele”. Acho que deletar o perfil seria uma atitude ingênua e imprudente. Assim como é o movimento #deletefacebook.

O ponto principal é que todo esse embrulho digital não é só de responsabilidade do Facebook. O método de negócios da rede social é em muito similar ao de empresas como Google, Amazon, Twitter e tantas outras. É a forma mais contemporânea de se faturar (muito) na internet.

Mineram-se dados das pessoas para lucrar com isso. Como e de onde vem o dinheiro costuma não importar tanto. O Facebook, no entanto, é aquele que mais passou dos limites éticos. Porém, a mancha em sua imagem também tem feito com que ele seja obrigado a reagir. Mark Zuckerberg saiu das sombras e deu uma raríssima entrevista, justificando-se, para a CNN. A empresa já tem anunciado medidas de reação, mitigação e controle do problema; num resumo, tentando mostrar aos usuários que eles devem se preocupar com como usam, incluindo o próprio Facebook, as informações jogadas na rede (e como se proteger).

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A crise atual do Facebook tem servido para ascender um debate que tem de se expandir para além da sede do joinha de “curtir” em Menlo Park. Ocorre que, frente às maravilhas da internet, todos nós aceitamos escancarar nossas vidas em troca do acesso a sites e apps como Facebook, Twitter, Google, YouTube, MySpace, Orkut, Pinterest, Amazon, FarmVille, Candy Crush e vários, vários, vários outros. Achamos que valia a pena, que seria proveitoso… e ainda era tudo de graça! Agora, contudo, começamos a nos tocar que não há almoço grátis. E o que teve de ser pago por isso é realmente um escândalo.

Cabe, neste momento, não simplesmente espalhar a #deletefacebook. Mas usar o Facebook como um laboratório no qual poderemos discutir os limites dos negócios digitais, aprender a nos cuidar em ambientes como os de redes sociais, enfim, aprender a viver e conviver em um mundo cada vez mais feito de bytes. Isso, sim, pode mudar o jogo – e não só para o Facebook. E, assim, quem saiba o povo não pise mais tão facilmente nas armadilhas dos produtos.com que em nada são grátis.

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