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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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O YouTube construiu a atual extrema direita brasileira?

É o que alega o jornal estadunidense The New York Times, que se equivocou e acabou caindo em uma armadilha de radicais como Nando Moura e Olavo de Carvalho

Por Filipe Vilicic Atualizado em 13 ago 2019, 18h48 - Publicado em 13 ago 2019, 14h07

Tem repercutido, entre youtubers e fora desse universo, uma reportagem do estadunidense The New York Times sobre como o YouTube teria sido a arma usada pela extrema direita brasileira para chegar ao poder. O tom do texto é apocalíptico. Fica parecendo que o YouTube no Brasil é feito apenas de terraplanistas, bolsonaristas dos mais cegos, Olavo de Carvalho, Nando Moura, Bernardo Küster e afins. É aí que o jornal caiu na armadilha da própria extrema direita.

Não, o YouTube não é só isso. Em especial, no Brasil. Pelo contrário, obscurantistas, anti-intelectuais, radicais, racistas, xenófobos se tratam de um nicho. Um escandaloso, nojento, perigoso. Mas um nicho. O YouTube fez também aqui em nosso país artistas como a Liniker, formadores de opinião de jovens como Henry Bugalho, divulgadores da ciência, a exemplo do Pirulla. E também faces hoje associadas à oposição a Bolsonaro, a exemplo de Gregório Duvivier, ou mesmo Felipe Neto ou Felipe Castanhari.

Sugiro um trabalho meu como exemplo de quão variado é o YouTube no Brasil: o livro “O Clube dos Youtubers”, que lancei recentemente pela Editora Gutenberg. Fruto de 4 anos de trabalho, com entrevistas com mais de uma centena de youtubers, ele mostra que, sim, o YouTube é feito de machistas, homofóbicos, extremistas; mas também de progressistas, de representantes da comunidade LGBTQ+, de feministas, ou mesmo de Turma da Mônica e de Galinha Pintadinha. Ele reflete a sociedade em que vivemos.

O algoritmo que organiza o site, contudo, acaba por criar mundos particulares. Uma característica que era ainda mais forte em 2016, na época das eleições que levaram Trump à presidência nos EUA, e antes disso. Ou seja, caso visse um vídeo sobre Terra plana, a inteligência artificial acabava por te indicar Olavo de Carvalho ou Nando Moura, pois o regular é que um crente do terraplanismo também seja fã dessas figuras. Caso pesquisasse sobre armamentos, teorias da conspiração ou nazismo, era comum que ocorresse o mesmo. Sim, no fim do dia, o tal indivíduo se veria cercado de lunáticos no YouTube.

Por outro lado, se a mesma pessoa consumisse Porta dos Fundos, o usual é que ela fosse levava a outros vídeos de comédia. Como ao Choque de Cultura. Ou então a alguns de opinião. Mas aí mais para o estilo de um Greg News, de Gregório Duvivier. Para essa plateia, o YouTube se transforma, portanto, em um ambiente de outra linha.

Como escrevo no capítulo inicial de “O Clube dos Youtubers”, isso deu voz, sim, aos seres mais obtusos. Como aquelas já citadas caretas da extrema direita. Por outro lado, também deu poder à bandeira LGBTQ+, ao feminismo, aos vídeos informativos do Nostalgia e por aí vai.

É certo dizer que os radicais de direita ganharam mais com isso, como defende o The New York Times? Não. De forma alguma. Vamos a comparações objetivas.

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O maior youtuber gay do Brasil, o Luba, tem assombrosos 6,8 milhões de fãs no YouTube. Felipe Neto, 33 milhões. Nando Moura, a maior faceta dessa direita, digamos, exagerada no YouTube (digo: o maior dentre os fora do Planalto): 3,3 milhões. É muita gente, sim. Mas pense que ele é o líder (ressalto: em número de inscritos, tão-somente; e dentro do contexto aqui apresentado) do bando. Bernardo Küster chega a quase 800 mil, e Olavo de Carvalho a 758 mil. No geral, vídeos dessa extrema direita não alcançam tão facilmente mais de 1 milhão de views. É muito, evidentemente. Mas bem pouco diante do patamar de nomes como Castanhari, Felipe Neto ou Gregório Duvivier.

É verdade que Olavo, Moura e afins cresceram com o YouTube? Sim. Eles usaram a plataforma como arma publicitária? Sim. Eles levam fãs a ameaçarem de morte seus rivais na guerra cultural que toma a internet (ocorreu isso com Henry Bugalho, como exemplo; assim como com Pirulla)? Sim. Eles são perigosos? Sim.

No entanto, o The New York Times erra em diversos aspectos. Primeiro, ao mostrar esse problema como exclusivamente brasileiro. Isso quando fenômenos tristemente similares se replicaram em vários países. Nos Estados Unidos, onde essa onda raivosa começou. Assim como na Índia, na Nigéria, na Inglaterra, em toda a parcela do mundo na qual o YouTube ganhou popularidade.

Segundo, ao dar tamanho cartaz à extrema direita. São muitos os aspectos (na maioria, estão fora do mundo virtual) que a levaram a ter tanta força. Mas assim como a internet é usada por essa tropa, serve bem mais para exibir bandeiras progressistas.

Por fim, há o equívoco de culpar o algoritmo do site. Antes de tudo, vale culpar o indivíduo. Aquele que busca se encantar com Nando Moura ou com Olavo de Carvalho como desculpa para não estudar, não apurar fatos direto das fontes, e tomar atitudes preconceituosas e ofensivas.

Além disso, a análise feita do algoritmo parece ter estacionado em 2016, na época das eleições nos EUA. Desde então, há um esforço colossal do YouTube – assim como do Facebook e de outras das gigantes estadunidenses do ramo – de diminuir a relevância (e o dinheiro dado por anunciantes) de vídeos que defendem que a Terra é plana, que não se deve tomar vacinas, que cigarro não faz mal, que promovem ideias fascistas, ou que afirmam que refrigerantes são adoçados com células de fetos humanos abortados.

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Noutras palavras, o algoritmo tem sido recalibrado a todo momento para tentar abafar os extremistas. Enquanto, em paralelo, procura privilegiar conteúdos sensatos, frutos de estudo, baseados em fatos, não em achismos, conspirações ou em táticas das mais obscuras.

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Por que então o The New York Times deu tanto cartaz à extrema direita? Pois caiu numa armadilha.

Isso é o que Nando Moura e os seus parceiros mais querem: parecerem sempre maiores e mais nocivos do que são. É um bando que grita, grita, grita e grita mais para tentar abafar quem fala de forma assertiva, com calma, com base. Tática antiga que remete à maneira como era usada a publicidade, e o cinema, pela antiga URSS, pelos fascistas e pelos nazistas. O The New York Times ouviu o grito, deu holofote, e assim corre o risco de tirar um pouco da luz das vozes mais sensatas do YouTube.

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