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Iceberg colossal na Antártica indica impacto do aquecimento global

Com cerca de 170 quilômetros de comprimento e 25 quilômetros de largura, o bloco de gelo equivale a três vezes o tamanho da cidade de São Paulo

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 jul 2021, 17h23 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

Capazes de esquadrinhar cantos praticamente esquecidos do globo, as imagens colhidas do espaço costumam revelar momentos grandiosos mesmo nos cantos mais inóspitos de um continente caracterizado pelo isolamento, um feito impossível sem os recursos da tecnologia. Em meados de maio, o satélite Sentinel-1, do programa de observação da Agência Espacial Europeia (ESA), registrou um evento de proporções épicas: o nascimento do iceberg A-76, imediatamente alçado à condição de maior iceberg já identificado no mundo. Com cerca de 170 quilômetros de comprimento e 25 quilômetros de largura, o A-76 equivale a três vezes o tamanho da cidade de São Paulo. O enorme bloco de gelo se desprendeu da plataforma Filchner-­Ronne, a segunda maior do continente, e agora flutua nas águas congelantes do Mar de Weddell, no Atlântico Sul. Impressionante e pouco usual, o desprendimento da massa de gelo, em si, não teve uma causa específica. Mas acabou trazendo à tona importantes pontos de preocupação com as consequências do processo de aquecimento global atualmente em curso no planeta.

A formação de icebergs é um processo natural. No caso da Antártica, a neve se acumula constantemente no interior do continente e, com o passar do tempo, se transforma em gelo, que flui em direção à costa. Ao chegar perto da costa, o gelo flutua compondo plataformas — enormes áreas de gelo quase plano e com espessura entre 300 e 1 600 metros. De tempos em tempos, por influência das marés e do gelo que flui do interior para a costa, segmentos dessas plataformas se quebram e formam os icebergs. Assim como diversos ciclos da natureza que sofreram alterações por causa das mudanças climáticas — como o intervalo entre períodos de chuva e de estiagem —, a formação de icebergs pode ser vulnerável aos impactos causados no meio ambiente. “A grande questão para os cientistas que trabalham com glaciologia é compreender se há maior frequência nos desprendimentos, o que pode levar à diminuição do manto de gelo da Antártica”, diz o glaciologista Jefferson Simões Cardia, coordenador-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera), que monitora e faz estudos sobre o manto de gelo da Antártica no Brasil.

Ao contrário do que o senso comum leva a crer, os grandes icebergs têm pouco impacto no aumento do nível do mar ou representam um risco à navegação moderna, como acontecia nos tempos do naufrágio do Titanic. Mas o ritmo em que os desprendimentos ocorrem começa a ser percebido como parte de um processo mais amplo de mudanças que atingem o continente austral. Especialistas afirmam que a variação de temperatura decorrente do aquecimento global pode levar à diminuição da espessura da plataforma de gelo da região costeira, o que aumenta as chances de fissuras e de desprendimento de grandes blocos de gelo. Outra possibilidade estudada pelos pesquisadores é o descongelamento da água sobre as plataformas, formando bolsões líquidos que podem colaborar com a ocorrência de fissuras.

Nos últimos setenta anos, a Península Antártica foi uma das regiões que mais se aqueceram no planeta, com um aumento de 3 graus na temperatura. Em comparação com outras partes do mundo, a variação equivale a cinco vezes a média global. O clima cada vez mais quente impacta na retração de geleiras, esse sim um fenômeno altamente preocupante diretamente ligado ao aumento do nível do mar. Desde 1950 houve perda de 25 000 quilômetros quadrados das plataformas de gelo. “Vimos sinais claros das mudanças do clima na Antártica. Na Península, cerca de 90% das geleiras diminuíram de tamanho e colaboram com o aumento do nível do mar”, explica Cardia. Além de alterar a configuração física e geográfica, a mudança de temperatura afeta o ecossistema e a biodiversidade que dependem do equilíbrio ambiental. “A mudança do hábitat contribui para a falta de alimentos, de refúgios e pode mudar toda a dinâmica de espécies migratórias, como as baleias. A perda é inestimável”, disse Janaína Bumbeer, bióloga marinha e especialista em Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário.

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Ao mesmo tempo que a Península Antártica é um dos locais que mais sofreram com ações antrópicas, o continente mantém suas características de região mais remota e fria do planeta. Não há povos originários da Antártica e as ocupações fixas são bases científicas para o desenvolvimento de pesquisas. Em 1959, o Tratado da Antártica estabeleceu que o continente é uma “Reserva Natural Internacional dedicada à Ciência e à Paz” — o que significa que as ações humanas que ali ocorrem devem contribuir com o conhecimento científico, a preservação ambiental e a cooperação internacional. O fato de ser praticamente blindada da poluição e da devastação ambiental pela geografia, entretanto, não significa que está imune aos efeitos nocivos da civilização. Nesse sentido, o surgimento de gigantes como o A-76 é um sinal de alerta para a degradação de áreas vistas como santuários imunes à destruição.

Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740

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