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#30 TOLERÂNCIA: Aceitar é progredir

O aumento do respeito às diferenças sociais não faz do mundo um lugar apenas mais pacífico — faz com que ele seja também mais próspero

Por Roberta Paduan
Atualizado em 21 set 2018, 07h00 - Publicado em 21 set 2018, 07h00
MARCO ZERO – Protestos após a invasão do bar gay Stonewall: o princípio da luta pelos direitos civis dos homossexuais (NY Daily News Archive/Getty Images)

O termo tolerância, em sua acepção social, foi registrado pela primeira vez durante o século XVII. Na época, filósofos como o inglês John Locke estavam preocupados com as labaredas dos conflitos entre católicos e protestantes, que atrasavam o desenvolvimento da Europa. Em sua Carta sobre a Tolerância, escrita em 1689, Locke afirmou: “Não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa o que deu origem à maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião”.

Pois no início deste mês a Suprema Corte da Índia decidiu que manter relações homossexuais não é mais crime no país. Antes disso, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais corriam o risco de amargar dez anos de prisão, devido a uma lei de 1861. Em junho passado, a Arábia Saudita começou a expedir as primeiras carteiras de motorista para mulheres, até então proibidas de dirigir. É inegável que a descriminalização da homossexualidade na Índia e a liberação de carteiras de motorista para as sauditas acontecem com atraso, muito atraso. Mas é igualmente inegável que são uma expressão de que a tolerância, aquela de que Locke já falava, está avançando no mundo.

Os homossexuais, que formam uma das minorias mais castigadas da história da humanidade, são também um dos grupos mais beneficiados pelo aumento da tolerância. Nos últimos doze anos, 21 países deixaram de tratar a homossexualidade como prática sujeita a sanção penal. Ainda que 71 dos 193 membros da ONU continuem a consi­derá-la crime, os números mostram que, para a maior parte dos habitantes do planeta, soa hoje inconcebível alguém ser preso por ser gay. É uma mudança recente, quando se lembra que foi apenas em junho de 1969 que a prisão de treze pessoas, no bar Stone­wall, em Nova York, resultou em seis dias de protestos violentos que deram origem à luta pelo reconhecimento dos direitos civis dos gays.

O avanço da tolerância no mundo não é um fenômeno fácil de ser medido. Mas não é difícil constatar que o grau de aceitação de práticas e costumes diferentes dos da maioria evolui melhor do que em relação à variedade de posições políticas. Uma pesquisa recente do instituto Ipsos mostrou que a diferença de pontos de vista políticos é a principal causa de tensão na maioria dos 27 países avaliados. O foco de tensão entre ricos e pobres foi o segundo maior problema apontado pelos entrevistados. A questão dos imigrantes ficou em terceiro lugar. As diferenças religiosas, entre grupos ou países, mereceram a quarta colocação. No Brasil, os principais focos de tensão são, por ordem, as diferenças políticas, de classe social e religiosas.

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“A valorização da tolerância é fruto do avanço civilizatório”, afirma o historiador Jaime Pinsky, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mas não é possível dizer que a humanidade caminha inexoravelmente nessa direção. Há na história fartos exemplos de retrocessos. A Grécia, por exemplo, que foi um farol do desenvolvimento da ciência e das artes na Antiguidade, chegou ao século XVIII como um conjunto de aldeias primitivas, fanáticas e analfabetas. E, no século XXI, a humanidade ainda produz grupos como o Estado Islâmico e a Al Qaeda.

O alento é que o exercício de tentar entender como e por que existem outras ideias e práticas diferentes das nossas constrói sociedades não apenas mais pacíficas, mas também mais criativas, inovadoras e ricas. O nível de tolerância entrou para o rol de indicadores-chave usados na medição da prosperidade dos países. O Martin Prosperity Institute, que faz o Índice de Criatividade Global, diz que a tolerância é, ao lado da tecnologia e do talento, um dos três elementos que formam o tripé gerador de prosperidade.

Isso talvez explique por que entre as nações tidas como as mais tolerantes do mundo por pesquisadores do tema estão Canadá, Nova Zelândia, Bélgica, Austrália e países nórdicos — todos ricos, inovadores e com poucos conflitos históricos. Se o caminho para a paz é a tolerância, o atalho mais seguro para ela é o progresso.

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601

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