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Futuro em risco

Após período de expansão, os regimes democráticos começam a definhar em vários países. Para evitar o retrocesso, é preciso estar atento aos sinais de alerta

Por Daniel Ziblatt
Atualizado em 4 jun 2024, 17h08 - Publicado em 21 set 2018, 07h00
Futuro em risco
“SEM TÍTULO” - Acrílica sobre tela, 1990, 100 cm x 150 cm (Instituto Rubens Gerchman/VEJA)

Hoje, muito se comenta que o futuro da democracia em todo o mundo não é brilhante. Novas democracias regridem, e as antigas enfrentam desafios sem precedentes. A onda global de democracia que parecia ter chegado ao clímax nos anos 1990, com o colapso dramático do comunismo, perdeu força. É essa a visão predominante. Contudo, para refletirmos de maneira útil sobre o futuro da democracia, devemos começar a pensar sobre o seu passado.

Muitas vezes na história ocorreram momentos em que a democracia apareceu triunfante. Mas esses períodos de entusiasmo foram sempre de curta duração. Considere a primeira onda democrática do século XX. Em 1918, o quase simultâneo colapso dos impérios Otomano, Russo, Austro­-Húngaro e Alemão parecia significar que a democracia estava em ascensão. Antes de 1918, existiam apenas três repúblicas na Europa. Depois dessa data, havia treze. O astuto observador britânico James Bryce escreveu, em 1921, que o mundo estava testemunhando “a aceitação universal da democracia como forma normal e natural de governo”. A alegria durou pouco. A ascensão de Benito Mussolini na Itália, em 1922, desencadeou uma onda de autoritarismo que varreu Portugal, Espanha, Alemanha e França.

A história raramente se move em uma direção. Expansões democráticas são sempre acompanhadas por contrações. Como aconteceu depois de 1918, estamos hoje passando por um momento de recessão democrática que se seguiu à grande explosão de transições pós-Guerra Fria. De acordo com uma análise feita em 178 países, conduzida pelo The Varieties of Democracy Project, um terço da população mundial vive em democracias que estão regredindo. Por um lado, está claro que o número de democracias se expandiu dramaticamente desde os anos 1990. No fim de 2017, a maioria das pessoas no planeta ainda vivia em democracias. Em meados dos anos 2000, porém, dobramos uma esquina. O crescimento de novas democracias perdeu velocidade. Em países que pareciam ser novas democracias promissoras, como Turquia, Polônia, Venezuela e Hungria, as coisas começaram a definhar. A partir de 2017, pela primeira vez desde 1979, a quantidade de países que vêm retrocedendo é a mesma de nações que estão avançando.

No entanto, ainda que existam semelhanças com o passado, a história não se repete. Para confrontarmos os desafios de nossa era, não devemos apenas aprender com a história. Devemos reconhecer que os desafios atuais são novos. Primeiro, o modo como as democracias morrem hoje é diferente. Durante a maior parte do século XX, as democracias geralmente terminavam de forma espetacular, por meio de golpes militares, revoluções ou revoltas violentas, em que líderes revolucionários confrontavam os contrarrevolucionários. Um exemplo foi o bombardeio do palácio presidencial La Moneda, no Chile, em 1973, que levou o general Augusto Pinochet ao poder naquela que parecia ser a democracia mais estável — e antiga — da América Latina.

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“A maioria das democracias morre nas urnas. Elas não caem pelas mãos de generais, e sim de presidentes e primeiros-ministros”

O mundo mudou depois de 1990. Desde o colapso do comunismo, a maioria das democracias morre nas urnas. Elas não caem pelas mãos de generais, e sim pelas mãos de presidentes e primeiros-ministros, que são eleitos. Isso lhes dá alguma aparência de legitimidade democrática. Entretanto, no poder, eles atacam as instituições mediante decisões parlamentares, judiciais e referendos.

Como as eleições se tornaram a maneira pela qual quase todos os países organizam suas políticas, eles adotam as armadilhas formais da democracia, sem necessariamente adotar sua essência. Essa nova realidade significa que as democracias hoje morrem de maneira muito mais sutil do que no passado. Como resultado, os cidadãos e analistas frequentemente não percebem quando isso está acontecendo, até ser tarde demais. Os cidadãos debatem calorosamente se estão exagerando ou não. Enquanto isso, os políticos atacam os tribunais, a burocracia e as instituições coercitivas, alegando falar em nome do “povo” que os elegeu. Vestidos com uma retórica democrática, marginalizam os rivais e tentam garantir suas vantagens a longo prazo, alterando o equilíbrio no campo da competição política. Eles mudam as regras eleitorais para dividir a oposição e reescrever as constituições para dar mais poder aos presidentes. Na Hungria, na Venezuela e na Turquia, líderes autoritários de esquerda ou de direita seguem a mesma cartilha.

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Uma vez que as democracias terminam de modo mais discreto, é especialmente importante que analistas e cidadãos reconheçam os sinais de alerta quando uma crise se instala. A boa notícia é que existem vários alarmes claros. O primeiro deles é a polarização partidária extrema, que torna qualquer sistema político vulnerável a crises. Certamente, alguma polarização e lutas políticas duras entre partidos são positivas e ajudam a fazer a prestação de contas funcionar. Os políticos precisam representar os grupos que os elegem, e o desacordo é fundamental para ajudar as sociedades a resolver problemas reais. Contudo, quando a polarização é extrema, partidos e políticos começam a considerar seus rivais não simplesmente como rivais, mas como “ameaças existenciais”. São chamados de criminosos, bandidos ou agentes de potências estrangeiras. Por isso não podem ter direito algum de governar. Quando os políticos usam essa retórica extrema que parece questionar o próprio conceito de “oposição legítima”, a democracia pode começar a se corroer.

Um segundo sinal de alerta é quando candidatos atacam as regras básicas do jogo democrático questionando a Constituição ou a legitimidade das eleições. Acusam rivais de ser criminosos ou subversivos, criticam as liberdades civis básicas, como a imprensa livre, e encorajam a violência.

Em uma época em que as democracias morrem nas urnas, é fundamental que os cidadãos estejam alerta a esses sinais. Os políticos nos dizem frequentemente o que planejam fazer. Então, os cidadãos devem levar a retórica a sério e tratar esses sinais como “linhas vermelhas”, que não podem ser ultrapassadas. Se um candidato violar qualquer dessas linhas, deveremos esperar que, assim que estiver no cargo, aja de acordo com o que disse.

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No mundo atual do autoritarismo eleitoral, para que a democracia sobreviva, acima de tudo, não devemos considerar que ela já está garantida. Os cidadãos não podem agir de forma imprudente. Devem exigir que seus eleitos atuem com responsabilidade. A democracia está em nossas mãos, e sua sobrevivência corre risco.

* Daniel Ziblatt, cientista político, professor da Universidade Harvard, é coautor de Como as Democracias Morrem (Zahar, 2018), escrito com Steven Levitsky

Leia mais: A DEMOCRACIA

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601 

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