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O novo esquema do PTB

Propina em cheque, contrato de fachada, lobistas e gravações revelam uma engrenagem de corrupção no Ministério do Trabalho, comandado pelo partido

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 mar 2018, 06h00 - Publicado em 2 mar 2018, 06h00

O diálogo a seguir é uma pérola da roubalheira que ocorre em Brasília com uma frequência que nem a Operação Lava-Jato conseguiu evitar até agora. A conversa foi gravada por um dos interlocutores, aconteceu no ano passado e mostra dois lobistas pedindo 4 milhões de reais a um empresário em troca de um serviço junto ao Ministério do Trabalho, que só será realizado porque, além da propina, quem manda no pedaço é o deputado Jovair Arantes, líder do PTB na Câmara e aliado do presidente Michel Temer.

(./VEJA)

Empresário: Como a gente vai fazer? (…) Como é que tem que ser isso?
Lobista 1: Veja bem, existem os honorários, né? Vai ter que cobrar em função do trabalho que nós vamos fazer para vocês.
Lobista 2: (…) A gente vai ter até que envolver o deputado Jovair…
Empresário: Não é o Jovair Arantes?
Lobista 2: É… O Jovair está junto com a gente, porque ele tem força e por ser do meu estado de Goiás. Eles tinham feito um cálculo. Eles tinham pedido 500 000 para pagar a parte técnica, para pagar as pessoas envolvidas lá e uma ponta para o Jovair. E 2,5 (milhões de reais) quando sair…
Empresário: No êxito?
Lobista 2: Isso.
Lobista 1: Teve uma alteração. Preciso falar… Nós precisamos de 1 milhão e 3 milhões no…
Empresário: …êxito.
Lobista 1: No êxito, quando você receber.

(./VEJA)

A conversa acima guarda uma estupenda semelhança com um diálogo ocorrido há treze anos e que por pouco não dizimou o governo do então presidente Lula. Em 2005, um funcionário dos Correios, Mauricio Marinho, sem saber que estava sendo filmado, confidenciou que chegara ao posto por indicação do PTB e que sua missão era arrecadar propinas para o partido. O esquema, descobriu-se depois, era replicado em dezenas de repartições e gabinetes, sempre azeitando os bolsos e os caixas de campanha de políticos aliados. O escândalo, que ficou conhecido como mensalão, levou o então deputado Roberto Jefferson, o atual presidente do PTB, a ser condenado a sete anos de cadeia. Agora, o mesmo PTB, do mesmo Roberto Jefferson, aparece operando o mesmo esquema.

No STF – O deputado Jovair Arantes, líder do PTB: lobistas dizem que ele ficaria com “uma ponta” do dinheiro (Ueslei Marcelino/Reuters)

A diferença substancial é que a base das operações ilegais do PTB se transferiu para o Ministério do Trabalho — aquela pasta que Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, ficou 47 dias querendo ocupar, mas acabou barrada pela Justiça. Por que a filha de Roberto Jefferson insistiu tanto em ser ministra do Trabalho? O diálogo que abre esta reportagem oferece uma pista sobre os bastidores do que acontece no ministério.

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Rateio – A lobista Verusca Peixoto: contrato de fachada e propina de 3,2 milhões de reais para dividir com funcionários e políticos (Cristiano Mariz/VEJA)

Trocando em miúdos. No diálogo, o empresário é o gaúcho Afonso Rodrigues de Carvalho, dono de uma pequena transportadora e presidente do Sintrave, um sindicato das microempresas de transporte rodoviário de veículos novos do Estado de Goiás. Desde 2012, Afonso Rodrigues tenta obter, sem sucesso, um registro sindical para oficializar a sua atividade. No ano passado, o empresário estava próximo de conseguir o documento. Mas, de repente, o seu processo travou — e não havia quem o fizesse andar. Foi quando ele soube, por meio de seu advogado, de alguém que poderia ajudá-­lo. Numa cafeteria em Brasília, ele conheceu Verusca Peixoto da Silva, a lobista 2 da conversa, que se apresentou como representante comercial e dizia ter boas “conexões políticas”. Ela levou o empresário Afonso para conhecer o seu parceiro de negócios, Silvio Assis, o lobista 1. Dono de uma consultoria financeira, Assis transita sem barreiras em diversos ministérios e órgãos públicos, usando elevadores privativos dos ministros e gabando-­se, sempre, de ser próximo de lideranças do PTB.

Desconfiado, o empresário resolveu gravar a reunião com os lobistas por meio do seu celular, guardado em um bolso. Ao longo de trinta minutos de conversa, Silvio Assis detalhou como funciona a estrutura do Ministério do Trabalho e informou que havia uma sociedade oculta entre o PTB e o Solidariedade, que controlavam — e achacavam — o setor de registro de sindicatos. Deram o custo: 4 milhões de reais, com 1 milhão de reais de adiantamento e 3 milhões depois de obtido o registro sindical. Por que tanto dinheiro? Porque, explicou o lobista, era preciso subornar o pessoal técnico do ministério e sobrar dinheiro para o pessoal político — entre eles o deputado Jovair Arantes, do PTB.

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Operação controlada – O empresário Afonso Rodrigues: encontros gravados, pagamento e negociações monitoradas pela Polícia Federal (Cristiano Mariz/VEJA)
(./VEJA)

O esquema funciona como um relógio, tanto que, quando o empresário quis saber o prazo para resolver a pendenga toda, o lobista Silvio Assis respondeu: “Por incrível que pareça, isso está pronto!”. E alertou: “Se dinheiro não resolver, é porque foi pouco”. Desconfiado, o empresário alegou que consultaria seus colegas de sindicato e recorreu à Polícia Federal, que o orientou a manter os contatos enquanto os agentes federais monitoravam tudo. Assim foi feito. O empresário voltou à lobista Verusca Peixoto, reclamou do preço e ganhou um abatimento. A conta total caiu para 3,2 milhões de reais — como demonstram os três cheques reproduzidos na abertura desta reportagem. Para fechar o negócio, combinaram a assinatura de um “contrato de consultoria”. O tal documento foi entregue ao empresário num posto de gasolina no interior de Goiás, encontro registrado num vídeo obtido por VEJA, que pode ser visto aqui . Pouco tempo depois, Rodrigues entregou à lobista três cheques, que só poderiam ser descontados caso o registro sindical fosse aprovado.

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Com isso, a Polícia Federal conseguiu prova da engrenagem criminosa — 3,2 milhões de reais para obter um registro que, pela lei, deve sair de graça. Mas faltavam, ainda, provas das conexões políticas. O empresário pediu uma nova reunião com esse objetivo, e a lobista Verusca Peixoto mordeu a isca. Em um hotel em Brasília, ela apresentou Rogério Arantes ao empresário. Rogério Arantes vem a ser sobrinho do deputado Jovair Arantes, é diretor do Incra indicado pelo PTB e, no encontro, prometeu ajudar o empresário. “Ele disse que me ajudaria junto ao Leonardo”, conta o empresário. Trata-se de Leonardo Arantes, outro sobrinho do deputado Jovair, que exerce o cargo de secretário executivo, o segundo posto mais importante do Ministério do Trabalho. Estava claro, na conversa devidamente monitorada pela Polícia Federal, que havia o que se poderia chamar de “conexão Arantes” na roubalheira do ministério. “O Rogério Arantes sabia que estava sendo pago para isso. Ele estava junto no esquema”, contou o empresário Afonso Rodrigues a VEJA.

Voluntarismo – Rogério Arantes, sobrinho do deputado Jovair Arantes, diz que sua participação no caso se deve ao fato de ser um “agente político” (Cristiano Mariz/VEJA)
(./VEJA)

Procurada pela revista, Verusca Peixoto surpreendeu e confirmou todo o negócio, afirmando inclusive que Rogério Arantes, sobrinho do deputado, ia levar uma parte do butim. “Se você não paga, não sai”, disse ela, candidamente. “Com certeza teria que dar alguma coisa para ele (Rogério Arantes).” Verusca estima em cerca de 1 milhão de reais a recompensa dada ao sobrinho do deputado. Rogério Arantes, por sua vez, confirmou que foi acionado pela lobista, reuniu-se com o empresário em um hotel em Brasília e chegou a entrar em contato com o seu primo, Leonardo Arantes, para viabilizar o negócio. Mas afirma que o seu primo, do Ministério do Trabalho, brecou tudo. E quanto Rogério Arantes recebeu? Nada, diz ele. “Sou um agente político. O pessoal sabe dessa minha ligação com o Jovair e acaba chegando até a gente.”

Leonardo Arantes não tem boa memória. Diz que não se lembra de ter recebido um pedido de ajuda do seu primo e classifica a bandalheira toda como “política”. “Mas ele pode ter pedido, porque, na verdade, a gente trabalha, fora do ministério, com política”, diz. Braço-direito de Jovair, Leonardo Arantes foi indicado pelo seu tio para o Ministério do Trabalho em junho de 2016, tão logo se iniciou o governo Temer. Em fevereiro, ele passou a acumular o segundo cargo da pasta, subordinado ao ministro interino, Helton Yomura, também ligado ao PTB. Com a exclusão de Cristiane Brasil, a filha de Roberto Jefferson, Jovair Arantes e o próprio Roberto Jefferson se reuniram com Temer para dizer que queriam manter Helton Yomura como titular — e, é claro, Leonardo Arantes. Questionado por VEJA sobre a engrenagem criminosa que canaliza propinas para o seu partido, Jefferson desdenha: “Esse tipo de denúncia ocorre o tempo inteiro”.

Déjà-Vu – Mauricio Marinho, em cena da antologia da corrupção: embolsando propina nos Correios para o PTB (//Reprodução)

Para os agentes da Polícia Federal, com base no conteúdo das conversas gravadas, a engrenagem no Ministério do Trabalho é uma sociedade entre o PTB e o Solidariedade, outro partido que pertence à base de apoio do governo de Michel Temer. Quem cuida de registros sindicais é a Secretaria de Relações do Trabalho, cujo titular vem a ser Carlos Cavalcante de Lacerda, indicado ao posto pelo deputado Paulinho da Força, presidente do Solidariedade. É uma turma da pesada. No ano passado, o secretário de Relações do Trabalho, junto com o coordenador-­geral e dois servidores do ministério, foi denunciado numa ação civil pública por improbidade administrativa. O quarteto foi acusado de fraudar processos de legalização de sindicatos.

O caso que envolve o PTB e o Solidariedade ainda não teve um desfecho, embora os movimentos dos lobistas sejam incessantes. A lobista Verusca Peixoto chegou até a levar o empresário Afonso Rodrigues para uma audiência com o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira — que nela se portou de modo republicano. À saída, Verusca comentou com o empresário que era tudo encenação, pois o ministro faria parte do esquema. Nogueira, antes de deixar o ministério, em dezembro do ano passado, depôs no inquérito da Polícia Federal, que continua fazendo operações monitoradas e já apresentou ao Supremo Tribunal Federal um pedido para investigar quem tem foro privilegiado na história. Como o pedido é sigiloso, não se sabe quem são os investigados, mas as únicas autoridades com foro privilegiado no caso são os deputados Jovair Arantes, do PTB, e Paulinho da Força, do Solidariedade. À exceção da lobista Verusca Peixoto, que confirmou a cobrança e o pagamento de propina, todos os demais envolvidos no caso negam a existência de qualquer irregularidade.

Publicado em VEJA de 7 de março de 2018, edição nº 2572

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