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Os jogos indies conquistam o mercado brasileiro

A produção independente de games no Brasil dá chance a aventuras com elementos regionais. Há cangaceiros como heróis e o sertão nordestino como cenário

Por Luiza Donatelli
Atualizado em 26 set 2016, 10h06 - Publicado em 26 set 2016, 10h06

Velho e fraco, Lampião vai em busca de um segredo do passado, guardado numa butija que havia enterrado. Ao encontrá-la, porém, uma maldição jogada no objeto o transporta para outro mundo, o chamado Sertão Profundo. Lá, a alma de todos os homens que assassinou aparecem diante dele. Ao longo de seu caminho, Lampião terá de enfrentar criaturas com o uso de uma inusitada arma: música folclórica, tocada por ele mesmo. O Sertão Profundo, portanto, se trata de um tipo de purgatório, pelo qual Lampião deve passar para se redimir das maldades que cometeu.

Parece história de revistinha de literatura de cordel, daquelas que vendem em praias do Nordeste. Contudo, a aventura se trata, na real, do cenário de um jogo eletrônico, o brasileiríssimo Lampião Verde: A Maldição da Butija. Há uma década, um jogo independente, ou indie (alcunha dada àqueles que não são desenvolvidos em uma grande produtora), de alto nível técnico, desenvolvido no Brasil e com cenário tipicamente tupiniquim, seria praticamente inviável. Isso porque, os gastos com a produção de um game de qualidade eram elevados o best-seller Call of Duty: Finest Hour (de 2004), por exemplo, custou 8,5 milhões de dólares e os softwares necessários para tal eram de difícil acesso. Passada mais de uma década, contudo, a situação mudou radicalmente, com o barateamento das tecnologias necessárias para produzir um game e o ampliamento do acesso às habilidades profissionais requisitadas para tal. Resultado: neste ano, os indies foram o grande destaque da última feira da Brasil Game Show (a BGS), maior do gênero na América Latina. Nela, 108 estandes apresentavam as produções independentes, na maioria, brasileiras. Número bem diferente do de 2014, quando só haviam sete indies no evento.

O que mudou em tão pouco tempo? Agora, os programadores dos jogos eletrônicos têm acesso a softwares gratuitos para criar suas aventuras. A exemplo do conhecido programa Unreal Development Kit, requisitado tanto por grandes estúdios do gênero, quanto pelos iniciantes. Outra transformação foi o advento dos sites de financiamento coletivo, pelos quais os independentes conseguem levantar dinheiro, por meio de doações ou pela compra antecipada feita por jogadores, para alavancar seus trabalhos. Foi  assim com Lampião Verde, que arrecadou pouco mais de 30 mil reais por um desse sites. Por fim, enquanto há uma década havia praticamente dois tipos de plataformas (usualmente, de preço elevado) para os games, os consoles de videogame e os computadores, hoje é possível jogar em diversos dispositivos, cotidianos e mais em conta. A exemplo dos populares smartphones e tablets. Até em redes sociais, como o Facebook, há uma proliferação de jogos indies.

Na BGS, algumas produções se destacavam pela qualidade, comparável à dos jogos de mercados mais tradicionais, como o americano e o japonês. Caso de Sonho de Jequi, game brasileiro que chegou a ganhar um prêmio da Microsoft neste ano. Na história, a produtora, Tower Up Studios, com sede em Belo Horizonte, procurou abordar uma problemática tipicamente brasileira: a seca. Na aventura, embalada por canções típicas da cultura nacional, o jogador tem como missão coletar água para sua família.

Já os paulistanos da Monster Burp, por sua vez, foram à BGS com o objetivo de lançar o título Marco Zero. Nele, exibe-se uma São Paulo dominada por zumbis. A meta da empresa é tentar vender o projeto para alguma grande empresa do ramo, a exemplo da Microsoft, dona dos consoles da linha Xbox, e a Sony, do Playstation.

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“A possibilidade de criar esses produtos aqui ainda abre portas para que possamos explorar a nossa cultura, inserindo aspectos regionais nos games e, assim, destacando a identidade brasileira”, pontuou o designer de jogos eletrônicos Breno Carvalho, coordenador do curso da área na Universidade Católica de Pernambuco. “Pouco a pouco perderemos nosso complexo de vira-lata, típico dos meus conterrâneos, e passaremos a valorizar o que fazemos, em vez de só a produção internacional”, concluiu.

Isso se reflete, diretamente, no conteúdo dos jogos. Deixam de existir tão-somente os títulos baseados em temáticas americanas, a exemplo dos de tiro como os da saga Call of Duty, ou asiáticas, como os da clássica linha Final Fantasy, de fantasia e RPG. Isso ocorria por um motivo simples: as maiores produtoras de videogame são sediadas nessas regiões. Com a chegada dos indies, entretanto, agora há espaço para aventuras como a de Lampião, que refletem a cultura regional.

Presidente da feira BGS, Marcelo Tavares acredita que o advento dos independentes ainda tem potencial para movimentar o mercado: “Como esses lançamentos se apoiam em temáticas locais, acabam por se aproximar mais da vida do jogador, atraindo um novo tipo de público, que busca alternativas à mesmice”. E os brasileiros compõem um público potencialmente grande, visto que mais de metade da população com acesso à internet é também consumidora de videogames. Em outras palavras, um contingente de 70 milhões de pessoas que, só em 2016, deve movimentar um mercado de 1,3 bilhão de dólares.

Aos novatos na área, os indies parecem representar uma grande mudança de paradigma para essa indústria, até então dominada por grandes players, a exemplo das gigantes Nintendo e Microsoft. Na verdade, porém, trata-se é de uma volta às raízes. Quando começaram a surgir os primeiros games comerciais, na década de 1970, eles eram todos de produção independente. A exemplo do clássico Pong, um dos primeiros do tipo, no qual os jogadores disputam partidas similares às de ping pong. O sucesso de Pong foi a base para a criação da empresa Atari, tida como a primeira grande representante desse mercado. A partir de meados dos anos 80, contudo, o negócio passou a ser conquistado por grandes companhias. A Nintendo, do Super Mario Bros., por exemplo, chegou a reter 90% do mercado.

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Chegados os anos de 2010, o cenário voltou a se inverter. Desta vez, é a Nintendo que passa por dificuldades financeiras, tentando se adaptar às novas plataformas, em especial aos smartphones e tablets. Enquanto isso, os indies retornam com força total.

Confira uma seleção de jogos independentes brasileiros, exibidos na feira BGS:

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