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Internet para todos? Nada disso, o que Zuckerberg quer é Facebook para todos

A rede social divulga seu projeto Internet.org como forma de levar acesso gratuito à parcela mais pobre da população mundial. Seria lindo, se fosse verdade. O que a empresa faz é conceder apenas uma versão editada do mundo virtual

Por Filipe Vilicic e Jennifer Ann Thomas
10 Maio 2015, 10h10

A internet já parece intrínseca à civilização. Mas não é bem assim. Mesmo após o boom mundial da rede, dois terços da população mundial não têm acesso a ela. Abrir as portas do mundo online para essas pessoas traria benefícios inegáveis. Por exemplo: segundo um estudo do Banco Mundial, o efeito positivo da web na educação, no empreendedorismo e em fomentar o ambiente democrático faz com que um aumento de 10% no número de pessoas conectadas impulsione um crescimento de 1,3% no PIB de um país. Por isso, foi recebida com alvoroço a notícia de que o Facebook começaria a se empenhar para convencer empresas e governos a espalhar a internet por todos os cantos. “Há barreiras enormes em países em desenvolvimento para se conectar e assim fazer parte da economia mundial. Criaremos uma parceria global que superará esses desafios levando o acesso gratuito àqueles que não podem pagar”, afirmou Mark Zuckerberg, criador e CEO do Facebook, ao anunciar o projeto Internet.org em 21 de agosto de 2013. A intenção de espalhar a internet por recantos do planeta, como favelas na Índia e no Brasil, parecia cheia de bom-mocismo, e foi vendida assim. O problema é que a iniciativa se revelou sobretudo uma jogada de marketing e de negócios – nada disso de democratizar o acesso – quando começou a ser implementada.

A internet que o Facebook leva aos pobres não é aquela que conhecemos, aberta, livre de amarras, onde se pode navegar pelo app ou site de preferência, seja a rede social de Zuckerberg ou uma concorrente dela. A gigante do Vale do Silício escondeu que a rede gratuita que começou a instalar dá acesso apenas a programas e páginas do Facebook e de parceiros selecionados, a exemplo do Wikipedia. Para acessar o restante do mundo online (ou seja, quase tudo que há digitalizado na rede) é preciso pagar. Em outras palavras, o que era vendido como filantropia não passava de uma malandra jogada de negócios.

O projeto já está em seis países e atinge 800 milhões de pessoas. As críticas mais ferrenhas ao plano começaram em fevereiro deste ano, quando o Internet.org foi lançado na Índia, onde o grupo de empresas liderado pelo Facebook esperava alcançar 1 bilhão de pessoas. Houve uma forte reação popular ao projeto quando se descobriu que os pobres beneficiados pela iniciativa só teriam acesso à internet editada pelo time de Zuckerberg. Resumiu o indiano Times Group, um dos maiores conglomerados de mídia do planeta, em comunicado oficial contra o Internet.org: “Apoiamos a neutralidade da rede porque ela cria um campo de jogo justo e igual para as empresas, grandes ou pequenas.”

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Por um tempo, o Facebook deu de ombros frente às críticas e continuou com a estratégia. Em março deste ano, estabeleceu sua rede gratuita, em parceria com empresas de telecomunicação, na favela de Heliópolis, em São Paulo. No mês passado, durante a VII Cúpula das Américas, no Panamá, a lábia de Zuckerberg convenceu a presidente Dilma Rousseff (que, vergonhosamente, vestiu uma jaqueta com o símbolo do Facebook ao lado da bandeira brasileira) a começar articulações para que o Brasil se torne o primeiro país a estabelecer políticas públicas em favor do Internet.org. Ou seja, Dilma irá escancarar as portas da nação, com todas as facilidades possíveis, para um plano de expansão da rede social.

“O que eles querem é que tenhamos duas formas de internet no Brasil e no mundo, uma completa e aberta para quem puder pagar, e a parcial, que quebra direitos básicos, para os pobres”, destaca ao site de VEJA o estrategista de campanhas americano Josh Levy, diretor da ONG Access, que defende os direitos de usuários de serviços digitais. “O pior é ver um governo, como o brasileiro, entrando nessa. Fechar acordos para priorizar serviços de uma empresa que fornecem acesso desigual à rede é discriminatório, é falar que alguns cidadãos não têm o direito de ver uma ou outra informação”, completa.

A associação brasileira de direitos do consumidor Proteste entregou à presidente Dilma uma carta, assinada por 33 entidades do setor, na qual destaca que o Internet.org também é ilegal, por ferir o princípio de neutralidade defendido no Marco Civil brasileiro. Escreveu a Proteste: “o Facebook está na verdade limitando o acesso aos demais serviços existentes na rede. No longo prazo, pode gerar concentração dos serviços de infraestrutura, de acesso à internet e conteúdos, restringindo a liberdade de escolha das pessoas.” Ou seja, trata-se de uma afronta a um dos princípios mais básicos do mundo digital: o de ser um ambiente democrático, onde pessoas podem escolher o que querem ver, compartilhar, divulgar.

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Afirma o advogado Hélio Moraes, sócio do escritório de direito digital Pinhão e Koiffman: “Seria como pegar o Marco Civil e jogar fora. O Facebook tem interesses estritamente comerciais, enquanto o governo teria de defender o que é bom para a população. Aceitar o Internet.org como um projeto social da nação seria permitir que a experiência virtual de alguns cidadãos se tornasse vinculada apenas a uma rede social.”

O Internet.org é visto também com péssimos olhos no Vale do Silício. Há críticas pesadas vindas de funcionários do Google, do Twitter, da Apple ou mesmo de alguns (que falam sob anonimato) do Facebook.

Não é de agora, aliás, que as atitudes de Zuckerberg em nada condizem com a imagem de bom-moço que ele se esforça em passar. Em 2012, uma ex-funcionária da empresa, Katherine Losse, que trabalhou para Zuckerberg entre 2005 e 2010, publicou um livro no qual pintava o ex-chefe (a quem respondia diretamente) como machista, grosseiro e prepotente. Losse ainda revelou que ele teria um plano experimental nomeado de “Dark Profiles” no qual qualquer pessoa presente na internet ganharia um perfil secreto, onde seus dados seriam coletados, no Facebook. O projeto só não teria ido para frente porque conselheiros da empresa teriam dito o óbvio ao CEO. Tal iniciativa era ilegal e destruiria a companhia.

Frente à enxurrada de críticas, na semana passada Zuckerberg fez um mea-culpa em um post publicado em seu perfil na rede social. “Apoio a neutralidade da rede porque, em sua essência, ela evita a discriminação. A neutralidade significa que podemos usar os serviços que queremos e que os desenvolvedores podem criar os serviços que precisamos”, destacou. Em conjunto com as belas palavras, ele anunciou que abriria o Internet.org para todos os desenvolvedores criarem apps e sites que rodassem na rede gratuita. Novamente, porém, não é bem assim. Para entrar na onda é necessário ser previamente aprovado pelo Facebook. Ou seja, continua a ser uma rede editada. O Internet.org nada tem de internet.

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