Viciados em heroína compartilham sangue contaminado na África
Especialistas alertam que a prática representa risco de nova onda de Aids no continente
“Injetar a si mesmo com sangue fresco é uma prática maluca – é a maneira mais efetiva de se contaminar com o HIV”, diz pesquisadora
Uma prática tão perigosa quanto impensável começa a preocupar especialistas em drogas na África. Usuários de heroína, desesperados, deliberadamente se injetam com sangue de outro viciado, em um esforço para compartilhar a viagem ou suportar as dores da abstinência.
A prática, chamada flashblood ou flushblood, não é comum, mas foi observada em Dar es Salamm, na Tanzânia, ou na ilha de Zanzibar e em Mombaça, no Quênia.
Ela coloca os usuários ao maior risco possível de contrair aids e hepatite. A transmissão da aids na África ocorre principalmente por contato sexual heterossexual, mas o uso de heroína está crescendo em algumas cidades e os especialistas advertem que o flashblood – com compartilhamento de seringas e outros hábitos perigosos – pode alimentar uma nova onde de infecção da doença.
“Injetar a si mesmo com sangue fresco é uma prática maluca – é a maneira mais efetiva de se contaminar com o HIV”, disse Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, patrocinador da pesquisa que descobriu a prática. “Mesmo que o número de praticantes seja relativamente pequeno, eles são vetores do HIV, porque se mantêm com o trabalho sexual.”
A professora de saúde pública da Universidade do Texas Sheryl McCurdy descreveu a prática cinco anos atrás em um pequeno artigo para o British Medical Journal e recentemente publicou um estudo na publicação Addiction.
“Não sei como com isso se espalhou”, disse McCurdy, que contatou outros pesquisadores sobre viciados para fazer uma pesquisa sobre o tema. “Há um movimento circular na África oriental, então não ficaria surpresa se a prática ocorresse em outras cidades.” O aumento do uso de heroína em partes do continente tem o potencial de ampliar a epidemia de aids.
Em muitos países do leste da África como Tanzânia e Quênia, de 3% a 8% dos adultos estão infectados com o vírus da aids, menos que o sul do continente, onde as taxas variam de 15% a 25%. Mas entre viciados em heroína as taxas são bem mais altas. Na Tanzânia, 42% dos viciados estão infectados. E a porcentagem sobe ainda mais , para 64%, entre as mulheres que se drogam. Como a maioria se prostitui, as mulheres viciadas fazem parte de dois grupos de alto risco.
A maioria dos viciados que pratica o flashblood entrevistados por McCurdy é de mulheres. Para elas, dividir o sangue é mais um ato de benevolência do que a tentativa de se manter ligada. Uma mulher que ganhou dinheiro suficiente para comprar um pouco de heroína divide o sangue para ajudar uma amiga a suportar a abstinência. A amiga é muitas vezes uma prostituta que ficou muito velha ou doente para encontrar clientes.
Jornais africanos publicaram notícias de venda de flashblood, assim como relatos que a prática existe em outros países com grande número de viciados em heroína, como o Paquistão, mas os pesquisadores não confirmam essas informações.
A heroína vendida no leste da África é mais forte e pura do que a encontrada na Europa. Até pouco tempo, o uso da droga era incomum no continente por causa da pobreza da população. Na última década, traficantes usam portos em cidades como Dar es Salaam e Mombaça e aeroportos em Nairóbi e Johannesburgo com passagem da droga para a Europa.