Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Pais e médicos querem chamar atenção para morte súbita de epiléticos

A SUDEP, sigla em inglês para morte súbita inexplicável em epilepsia, é responsável por até 18% de todas as mortes em pessoas epiléticas

Por The New York Times
5 ago 2010, 09h20

Muitos pacientes e suas famílias nunca ouvem falar na SUDEP até que alguém morre. Mesmo neurologistas especializados em epilepsia têm receio em mencioná-la aos pacientes que não estão sob alto risco

Em 9 de julho de 2009, Steve Wulchin foi acordar seu filho de 19 anos, Eric, em sua casa em Boulder, no Colorado. Eric havia sido diagnosticado com epilepsia três anos antes, mas, fora isso, segundo seu pai, “não havia nada fora do comum”. Seus ataques estavam sob controle: havia seis meses que ele não os tinha.

Naquela manhã, porém, Wulchin encontrou Eric deitado no chão. Os paramédicos chegaram tarde demais; Eric morreu por volta das 2h30 da madrugada.

A causa da morte foi finalmente listada como SUDEP, sigla em inglês para morte súbita inexplicável em epilepsia. A síndrome é responsável por até 18% de todas as mortes em pessoas epiléticas, segundo a maior parte das estimativas; aqueles com ataques mal controlados possuem uma chance em dez de morrer ao longo de uma década.

Mesmo assim, muitos pacientes e suas famílias nunca ouvem falar na SUDEP até que alguém morre. Wulchin disse que nenhum dos quatro neurologistas de Eric jamais mencionou o problema à família.

Continua após a publicidade

“A mensagem que recebíamos era: ‘Não há motivo para que ele não possa viver uma vida longa e normal'”, disse ele. “Nunca me ocorreu que isso fosse uma possibilidade”.

Hoje, médicos, pesquisadores, ativistas, parentes e pais como Wulchin, um executivo de tecnologia, estão tentando disseminar o conhecimento sobre a SUDEP. Um de seus objetivos é estabelecer registros de mortes e resultados de autópsias, construindo bancos de dados para apoiar futuras pesquisas.

A SUDEP afeta principalmente jovens adultos, geralmente com idades entre 20 e 40 anos, com históricos de ataques convulsivos antigamente conhecidos como o “grande mal”. Outros em risco incluem aqueles com ataques difíceis de controlar, ou ataques noturnos; pessoas que tomam grandes números de medicamentos anti-epiléticos, ou os tomam de forma irregular; afro-americanos com epilepsia; e pessoas com epilepsia cujo QI esteja abaixo de 70.

Muitas vítimas morrem enquanto dormem, e seus corpos muitas vezes são encontrados de bruços. Essa posição sugere que eles possam ter tido uma crise neurológica, respiratória ou cardíaca – ou uma combinação – que os deixou momentaneamente incapazes de impedir a própria asfixia, como bebês com síndrome de morte súbita infantil.

Continua após a publicidade

“Após um ataque, a pessoa fica num estado dramaticamente reduzido de consciência, e até mesmo seus reflexos ficam reduzidos”, afirmou o Dr. Orrin Devinsky, diretor do Comprehensive Epilepsy Center na Universidade de Nova York.

Para a maioria das pessoas, continuou ele, “quando suas vias aéreas estão obstruídas, você rola sobre si mesmo. Em pessoas com epilepsia, isso não acontece”.

Estigma – A epilepsia, envolta há séculos por sigilo e estigmas, ganhou ampla atenção nos últimos anos. O mesmo não ocorreu com a SUDEP; mesmo os neurologistas especializados em epilepsia sentem, algumas vezes, que mencioná-la aos pacientes que não estão sob alto risco poderia impor um fardo grande demais.

“Sempre que falo com um grupo de colegas sobre contar tudo aos pais, o assunto é controverso”, disse a Dra. Elizabeth Donner, neurologista no Hospital de Crianças Doentes em Toronto e co-fundadora do grupo de apoio SUDEP Aware. “Antes de contar a esse respeito, as pessoas se preocupam com o impacto negativo sobre a qualidade de vida daqueles com epilepsia”.

Continua após a publicidade

Wulchin e outros ativistas dizem que essa postura precisa de mudanças, mesmo na ausência de uma maneira concreta de prever ou evitar uma morte súbita.

“As pessoas têm bebês mesmo sabendo que a síndrome da morte súbita infantil pode atacar”, afirmou ele. “As pessoas realizam cirurgias e recebem o aviso padrão de que poderá haver reações adversas à anestesia, podendo levar à morte. Nós lidamos com esse tipo de ambiguidade o tempo todo”.

Donner concorda. “As pessoas com epilepsia têm o direito de saber da existência da SUDEP, assim como o direito de serem responsavelmente aconselhadas sobre como reduzir os riscos”, disse ela. “E, na verdade, essa não precisa ser uma conversa dolorosa”.

Devinsky, da NYU, diz encaminhar frequentemente pacientes à Inglaterra, que sempre esteve à frente em relação ao conhecimento sobre a SUDEP. Lá, dispositivos como alarmes nos colchões e travesseiros estruturados são vendidos para ajudar a evitar a morte no sono.

Continua após a publicidade

Porém, assim como a pesquisa sobre a epilepsia tem sido atrasada pelo estigma, especialistas dizem que o silêncio a respeito da SUDEP vem dificultando a exploração de causas e tratamentos.

“Acho que isso precisa fazer parte de nossas conversas”, disse Gardiner Lapham, de Washington, membro do comitê do grupo Cidadãos Unidos para a Pesquisa de Epilepsia. Seu filho, Henry, morreu em 2008, aos 4 anos. “Quanto mais as pessoas falarem sobre o assunto, mais elas se interessarão em chegar às causas do problema, e poderão acabar identificando maneiras de prevenção”.

Mutação genética – No ano passado, pesquisadores do Baylor Medical College, em Houston, conduzidos pelo Dr. Jeffrey Noebels, descobriram que uma mutação genética ligada a um tipo de ritmo cardíaco irregular, chamada de síndrome do QT longo, também poderia causar ataques – sugerindo que a SUDEP poderia resultar de distúrbios elétricos ocorrendo ao mesmo tempo no cérebro e no coração. Na primavera, a equipe isolou uma mutação num gene diferente, que pode causar atividade de ataques no cérebro para direcionar impulsos extras através do nervo vago para o coração, deixando-o lento e, em alguns casos, fazendo-o parar de bater.

“Esperamos que as descobertas façam os epileptologistas estimularem seus pacientes a obter um eletrocardiograma como parte de sua avaliação”, disse Noebels. “Se o exame estiver anormal, esperamos que mais informações genéticas sejam obtidas, e que possamos gradualmente criar um banco de dados que nos diga a real importância da incidência de mutações nesses dois genes”.

Continua após a publicidade

Steve Wulchin contou que costumava ter arritmias, e pensou se isso poderia estar ligado à condição de Eric.

“Se soubesse há um ano o que sei agora, eu teria dito, ‘Nós vamos a um cardiologista, você vai fazer um eletrocardiograma, uma ecocardiografia, possivelmente testes genéticos; nós vamos até o fundo disto'”, disse ele.

Porém, neurologistas dizem que as descobertas de Baylor estão longe de ser definitivas. “Tenho um profundo respeito por seu trabalho”, Donner disse de Noebels. “Não quero de forma alguma subestimar o que ele fez. Mas não é possível simplesmente voltar a coletar amostras de todas essas pessoas, e todas elas terão problemas com esse canal no coração e no cérebro”.

“Sei que às vezes o comentário é ‘Descoberto Gene para SUDEP'”, continuou ela. “Mas a SUDEP continuará sendo multifatorial – não há dúvidas”.

Sub-notificação – A falta de conhecimento a respeito da SUDEP se estende à ciência forense. “Eu instruí o médico-legista a como classificar a morte de Eric, o que, se você pensar a respeito, é meio chocante”, contou Wulchin. “Quando eu expliquei o que era, ele disse: ‘Bem, isso é interessante; tivemos cinco ou seis casos similares em Boulder County no ano passado’. Isso me leva a acreditar que o problema é amplamente sub-relatado”.

Donner, que está construindo o primeiro registro de mortes pediátricas por SUDEP no Canadá, concorda. “Acho que o nível de sub-relatos, ou sub-reconhecimento, dos casos de SUDEP é muito, muito alto”, disse ela, acrescentando, “Eu quero uma comunicação aberta, para que possamos aprender mais”.

E Wulchin diz que famílias como a dele precisam ser mais agressivas em elevar o reconhecimento geral a respeito da síndrome.

“Você tem de ser seu próprio ativista, e acho que os pacientes, seus pais e os grupos de apoio precisam começar a realmente forçar o assunto”, disse ele. “Não existe nenhuma resposta mágica que não o conhecimento. Nada irá acontecer sem isso”.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.