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Verão da violência

'Detroit em Rebelião' recupera um episódio emblemático da tensão racial americana. Mas a diretora Kathryn Bigelow se arrisca a pregar só para convertidos

Por Isabela Boscov Atualizado em 13 out 2017, 06h00 - Publicado em 13 out 2017, 06h00

Foi quentíssimo o verão de 1967 nos Estados Unidos, com mais de 150 levantes raciais violentos em todo o país. Os picos de temperatura se deram em Detroit, no Estado de Michigan: durante cinco dias, de 23 a 27 de julho, o centro da cidade virou uma arena de conflitos abertos entre a população negra, de um lado, e a polícia, a Guarda Nacional e o Exército do outro, com um saldo devastador — 43 mortos, centenas de feridos, milhares de prisões e incontáveis edifícios, residências e casas de comércio destruídos. No balanço moral, Detroit se saiu pior ainda, ao absolver no tribunal um dos mais escabrosos casos de violência policial registrados no país na segunda metade do século XX: o de três rapazes negros assassinados pelas costas ou à queima-roupa, no Algiers Motel, para pressionar as pessoas reunidas ali a admitir a posse de uma arma. O “incidente” do Algiers, como costuma ser eufemisticamente chamado, é o pivô de Detroit em Rebelião (Detroit, Estados Unidos, 2017), o novo filme de Kathryn Bigelow, já em cartaz no país.

Se em seus dois filmes anteriores, Guerra ao Terror (que fez de Kathryn Bigelow a primeira mulher premiada com um Oscar de direção, em 2010) e A Hora Mais Escura (2012), a diretora se debruçara sobre o que era então a mais premente questão americana — o envolvimento no Oriente Médio —, agora ela se volta para um tópico do front doméstico que ganhou urgência súbita: a crise racial. Os casos de assassinatos de negros por policiais brancos fizeram recrudescer essa tensão sempre presente e serviram como impulso a Detroit em Rebelião. Mas desde sua estreia nos Estados Unidos, em agosto, a análise de Bigelow adquiriu um quê de presciência. A reação dúbia de Donald Trump à batalha campal iniciada por supremacistas brancos em 11 de agosto em Charlottesville, na Virgínia (onde uma ativista antirracismo foi atropelada e morta), ou ainda a guerra que o presidente abriu ao esporte favorito do país, o futebol americano, em razão dos jogadores negros que se ajoelham em sinal de protesto durante a execução do Hino Nacional, trazem para o primeiro plano o argumento da diretora: se já é gravíssimo que o preconceito seja tolerado nas fileiras dos agentes da lei, são incalculáveis suas consequências quando ele emana dos centros do poder.

No que toca à realização, porém, Detroit em Rebelião deixa muito a desejar. Bigelow adota a mesma câmera semidocumental dos filmes anteriores, mas aqui várias vezes a emprega em situações muito dramatizadas — como a cena do músico que canta para um auditório vazio, quando sua chance de se apresentar é frustrada pela evacuação do teatro. A combinação é incongruente, e também trai condescendência. Os fatores em jogo no incidente do Algiers são por si sós aterradoramente eloquentes. Mas, com seu tom artificioso, Bigelow reduz o alcance deles, em vez de ampliá-­lo: a superioridade que vem de contrabando no ato de acusar ou corrigir as falhas morais de outrem nada tem feito para reverter a deterioração das relações raciais. No limite, parece mesmo vir contribuindo para agravá-la.

Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552

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