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Uma ideia iluminada

A privatização da Eletrobras porá fim ao histórico uso político da estatal, permitindo que ela ganhe eficiência e beneficie a população

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 ago 2017, 06h00 - Publicado em 25 ago 2017, 06h00

Duas décadas atrás, o governo decidiu privatizar a Gerasul, uma empresa de geração de energia da Região Sul. Na ocasião, seus ativos equivaliam a 5% do valor de mercado da Eletrobras, da qual fazia parte. A Gerasul foi adquirida em 1998 pela francesa Tractebel, que a transformou ao longo dos anos, graças a uma gestão profissional e livre de interferência política, na mais valiosa empresa do país no setor elétrico. Hoje a Engie (o novo nome da companhia) vale quase uma Eletrobras e meia, ainda que sua capacidade de geração seja apenas 20% da que a estatal possui. O caso ilustra o monumental potencial de produção de riqueza quando as amarras e a corrupção são excluídas da equação. É por esse motivo que deve ser saudada com fogos de artifício a decisão do governo de Michel Temer de privatizar a Eletrobras. Ao longo de sua história, mas em particular nas duas últimas décadas, a holding foi vítima do loteamento de seus cargos e de decisões políticas que se sobrepuseram aos argumentos técnicos e aos interesses da população. A consequência é que, apesar de ter ações na bolsa, a Eletrobras raramente contou com o voto de confiança de investidores. No dia seguinte ao do anúncio da privatização, porém, seus papéis deram um salto de quase 50%: o valor da estatal subiu de 20 bilhões para 29 bilhões de reais, o que dá mostra da enorme promessa de crescimento que os investidores enxergam na companhia.

Espécie de Petrobras do setor elétrico, a Eletrobras produz um terço de toda a energia consumida no Brasil e administra metade das linhas de transmissão. A companhia é sócia das maiores usinas hidrelétricas do país, de Itaipu, construída nos anos 70, a Belo Monte, que entrou em operação no ano passado. E é dona de estatais estratégicas como Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul. Esse colosso, que é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, está nas mãos do governo, que tem 51% das ações com direito a voto. Embora positivo, o plano de venda anunciado na semana passada destoa do modelo tradicional de privatização, em que leva a empresa quem oferece o maior valor em um leilão. A Eletrobras vai vender novas ações na bolsa, sem a participação do governo. O efeito será de diluição da fatia do Estado, que deixará de ter o controle. Esse modelo foi definido em menos de duas semanas, com reuniões diárias de apenas cinco a seis membros do governo e a presença do alto escalão dos ministérios de Minas e Energia e da Fazenda. Na Eletrobras, só o presidente, Wilson Ferreira Júnior, estava a par. Mas, mesmo com essa opção pela diluição, a avaliação no mercado é que não faltarão interessados. Grupos chineses e europeus que já atuam no setor de energia no país e fundos de investimento americanos e brasileiros são os potenciais interessados. O governo diz que vai criar regras para pulverizar o capital da Eletrobras, impedindo que um grupo estrangeiro assuma sozinho o controle e, por exemplo, possa interferir nas tarifas de mercado. O arranjo escolhido vai gerar caixa para a Eletrobras, cuja dívida hoje é de 38 bilhões de reais. Além disso, privatizar a empresa por meio da bolsa agiliza o processo, dispensando o aval do Congresso.

Não que a batalha política esteja ganha. Membros do PSDB mineiro disseram que resistirão à privatização de Furnas, um reduto histórico de cargos do partido. Sob influência de José Sarney, o PMDB, na Região Norte, também é contra a venda da Eletronorte. No Nordeste, o privatista DEM lidera o movimento que pede a exclusão da Chesf do pacote. Quando privatizou a Gerasul, Fernando Henrique Cardoso tinha o plano de vender outras empresas da Eletrobras, mas esbarrou na mesma resistência política dos dias de hoje. Desta vez, o governo diz que será diferente. Só a Eletronuclear, com as usinas de Angra, e Itaipu continuarão em poder do governo, porque isso está previsto na Constituição.

(//VEJA)

A gritaria dos parlamentares revela, por si só, o histórico uso político da estatal. O governo de Dilma Rousseff foi um exemplo. Ela criou um rombo bilionário para as empresas do setor com a decisão de reduzir na “canetada” o preço da energia vendida pelas hidrelétricas. Grupos privados contestaram a decisão na Justiça, mas a Eletrobras foi obrigada a acatar as regras — ela teve um prejuízo recorde de 14,4 bilhões de reais em 2015. Junto com a privatização, o governo Temer também propôs que as usinas voltem a negociar a energia pelo preço de mercado. “São mudanças que vão atrair os investimentos privados, porque reduzem a interferência do Estado”, afirma João Carlos Mello, da consultoria Thymos.

Otimista, o governo diz que pretende concretizar a venda até o fim do primeiro semestre de 2018. Um dos objetivos é levantar recursos para equilibrar o Orçamento do próximo ano. A receita poderá ficar entre 20 bilhões e 30 bilhões de reais. Mas há dúvidas sobre esse potencial e o prazo. A privatização da Vale demorou mais de dois anos entre o anúncio e o leilão. A arrecadação é outro ponto a ser confirmado. Se decidisse desmembrar as companhias, o governo levantaria mais recursos com as vendas em separado. Com a pulverização das ações, fica à mercê do mercado. O anúncio pegou a Eletrobras em meio a uma reestruturação profunda iniciada há um ano, desde que Ferreira Júnior assumiu a presidência. Um dos projetos em andamento é a redução de 23 000 para 12 000 empregados, através da venda de distribuidoras e de programas de demissão voluntária. Há dois meses, Ferreira Júnior causou polêmica com o vazamento de um áudio em que negociava cortes com o sindicato. “São 40% da Eletrobras, 40% de cara que é inútil, não serve para nada, ganhando uma gratificação, um telefone, uma vaga de garagem, uma secretária. Vocês me perdoem. A sociedade não pode pagar por vagabundo”, disse ele.

O governo garante que a venda de ações da Eletrobras guardará semelhanças com a privatização da Vale e da Embraer, nos anos 90. O Estado abriu mão do controle, mas manteve o direito a veto em questões estratégicas — a chamada golden share (o mesmo está previsto para a Eletrobras). O tempo mostrou o acerto da decisão, porque as companhias só melhoraram. As experiências positivas não se restringem ao Brasil. Um estudo do jornalista Eduardo Oinegue analisou privatizações em 75 países e constatou que o saldo é amplamente positivo. No setor de energia argentino, por exemplo, a entrada do capital privado salvou o país do colapso. A capacidade de geração subiu 75%, enquanto o tempo de interrupção por cliente caiu 55%. No Brasil, a privatização da Telebras é o caso mais notório. Em 1998, o país possuía 24 milhões de telefones. Havia filas de espera para adquirir uma linha fixa. Hoje, possui mais de 250 milhões de linhas fixas e móveis. No mundo inteiro, da França de Emmanuel Macron à Rússia de Vladimir Putin, governos continuam a vender ativos. No Brasil de hoje, a energia tornou-se um serviço universal, mas a qualidade pode subir, e o custo, diminuir, com a volta do investimento privado e a supervisão do Estado. Por tudo isso, a proposta de privatizar a Eletrobras foi uma ideia iluminada.

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O GUARDIÃO DO LIBERALISMO

APELO – Aécio quer que o BNDES faça um empréstimo à Cemig (Cristiano Mariz/VEJA)

Aécio Neves deixou o cargo de governador há mais de sete anos, mas não deixa de exercer influência na Cemig, a estatal mineira de energia. Além de aprovar indicações a cargos de alto escalão, o senador tucano participa de reuniões com o presidente Michel Temer para tratar do leilão de quatro usinas que hoje são administradas pela Cemig. Em tempos de crise fiscal, o governo quer arrecadar 11 bilhões de reais com a concessão das quatro hidrelétricas — Jaguara, São Simão, Volta Grande e Miranda. Embora fosse um defensor da privatização na campanha de 2014, Aécio quer que o BNDES faça um empréstimo bilionário, com juros subsidiados, para que a própria Cemig compre as usinas, o que manteria a estatal gorda e poderosa. Temer agora avalia se cede à proposta e faz um agrado não só ao PSDB mineiro como à bancada de 53 deputados do estado. Em Minas, independentemente do partido, os políticos sempre batalham por uma Cemig forte e turbinada. Por que será?

Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2017, edição nº 2545

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