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Um robô no meu lugar?

As máquinas e a inteligência artificial contribuem para o aumento da produtividade, mas tirar proveito de seus benefícios exigirá uma nova atitude

Por Nicola Calicchio
Atualizado em 6 jul 2017, 19h25 - Publicado em 6 jul 2017, 13h49

Os avanços em robótica, inteligência artificial e machine learning (máquinas que aprendem) põem o mundo diante de uma nova era: as máquinas vão se equiparar — e até superar — ao desempenho humano em diversas atividades muito antes do que se pensava. O cenário traz para o debate político e econômico uma questão que até então se restringia a romances de ficção científica: é preciso temer os robôs? A resposta é não. Mas fazer uso dos benefícios da automação sem grandes prejuízos à sociedade é um desafio que exigirá de governos, empresas e trabalhadores uma nova atitude para os novos tempos.

Um dos maiores benefícios da automação é o aumento da produtividade. Não à toa, a Revolução Industrial é um marco histórico tão relevante. Praticamente todo o crescimento global desde os primeiros sapiens que habitaram este planeta ocorreu nos últimos 200 anos e se deu graças aos avanços tecnológicos que propiciaram um grande aumento da produtividade nos mais variados setores. Os países hoje considerados desenvolvidos são aqueles que aumentaram sua produtividade ao longo dos anos, o que não é nosso caso: apenas 20% do crescimento do PIB da América Latina nos últimos cinquenta anos veio do aumento de produtividade, enquanto os 80% restantes são fruto do crescimento da população.

Como o impacto da baixa produtividade foi contrabalanceado em parte pelo aumento de pessoas na força de trabalho, conseguimos ter algum crescimento econômico mesmo sendo pouco produtivos. Contudo, essa não é mais a nossa realidade: o Brasil está rapidamente se tornando um país velho. Enquanto a França e a Suécia demoram entre oitenta e 100 anos para dobrar sua população acima de 60 anos, o Brasil fará isso em pouco mais de vinte anos. Contar só com o crescimento demográfico para impulsionar o PIB não é mais uma opção. Precisamos nos tornar um país produtivo, e para isso precisamos de tecnologia.

Para colher os frutos do aumento de produtividade que a automação pode trazer, é necessário preparar a população. Afinal, a automação tornará certas funções dispensáveis. As máquinas podem ser muito mais eficientes que os humanos em diversas atividades, mas a tecnologia e o já mencionado envelhecimento da população resultarão na criação de ocupações, como ocorreu várias vezes na história da humanidade. Por exemplo, no setor agrícola tratores e máquinas diminuíram dramaticamente a parcela de trabalhadores nas lavouras. Ao contrário do que diz o senso comum, a história nos mostrou que a inovação tecnológica criou muito mais empregos do que destruiu, e esse processo é parte natural do desenvolvimento de uma economia: nos Estados Unidos, nos últimos 25 anos, um terço de todos os empregos gerados resulta de ocupações que não existiam nos 25 anos anteriores.

Nesse contexto, a questão fundamental a ser debatida não é a quantidade de vagas que serão eliminadas, mas sim se teremos capacidade de continuar criando empregos de alta produtividade a taxas que mantenham todos ocupados — e, mais importante, garantindo que os trabalhadores estejam preparados para as demandas dos novos cargos.

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É provável que haja grandes mudanças na natureza das ocupações necessárias, o que torna imperativo uma revolução de igual magnitude na oferta de mão de obra capacitada: o desenvolvimento de habilidades para criar, entender e interagir intimamente com as máquinas, compreendendo profundamente seu funcionamento, deverá se tornar um ponto-chave do currículo educacional. Dessa forma, disciplinas ligadas a tecnologia, computação, engenharia e matemática serão cada vez mais importantes, mesmo para atividades básicas, nas quais a presença das máquinas será maciça. É no campo das relações humanas que permanecemos em vantagem ante os robôs e no qual provavelmente continuaremos dominantes. São nossas aptidões humanas, relacionais e criativas que, pelo menos pelas próximas décadas, vão nos diferenciar das máquinas e que devemos, portanto, encorajar e desenvolver.

Essas habilidades são naturais, em certo grau, a praticamente todos os seres humanos. Estamos falando aqui de características como empatia, escuta, gestão de stress e mesmo emoções. O aumento da automação fará com que o mercado valorize cada vez mais profissionais que sobressaiam nessas áreas. O tipo de trabalho desenvolvido por um psicólogo envolve uma série de habilidades difíceis de ser codificada dada a imprevisibilidade das ações e reações necessárias durante o engajamento com o paciente. O mesmo ocorre para fisioterapeutas, atores, e demais tarefas que exploram o nosso “lado mais humano”.

Ao automatizarem as atividades rotineiras, as máquinas vão nos forçar a nos tornarmos mais humanos

Essa priorização de habilidades será comum mesmo dentro do espectro corporativo: diversos processos e atividades rotineiras são automatizáveis, mas liderança, criatividade, sensibilidade e entusiasmo não são. Uma máquina em breve poderá escrever softwares que rapidamente consigam avaliar, com base em uma série de critérios objetivos, se um potencial cliente é adequado ou não para receber um empréstimo, mas esse software não será capaz de analisar, de maneira satisfatória, dimensões sociais e mesmo psicológicas que cercam o ato de contrair uma dívida. No entanto, é precisamente esse entendimento que se faz necessário para oferecer aos clientes uma experiência agradável, criando um relacionamento duradouro e diminuindo a probabilidade de inadimplência.

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Isso aumenta a importância da inclusão de competências sociais e emocionais nos sistemas educativos, de forma que as crianças não só desenvolvam habilidades lógico-matemáticas e científicas, mas também construam ferramentas para lidar com desafios complexos em um ambiente em constante mudança, como criatividade, pensamento crítico, adaptabilidade, liderança e consciência sociocultural. Em suma, as máquinas vão nos forçar a nos tornarmos mais humanos.

Além de alterações na formação dos trabalhadores, é preciso elaborar um plano de atuação específico para a parcela da população que terá de lidar com essa transição já dentro do mercado de trabalho, uma vez que esta é a que mais sofrerá com os efeitos da automação. Um recente estudo do McKinsey Global Institute (MGI) mostra que, na América Latina, 50% das horas totais trabalhadas são compostas de atividades automatizáveis somente com a tecnologia que já existe.

Em um país como o Brasil, com alarmantes taxas de desemprego, o desconforto diante desses números é grande, e por isso é importante pensar a questão de como iremos recapacitar e realocar esses trabalhadores à medida que suas ocupações forem substituídas, garantindo o comprometimento de governos e da iniciativa privada com programas de reconversão profissional e capacitação. Capturar a oportunidade trazida por essa onda de inovação será um desafio. Diversos fatores técnicos, econômicos e sociais determinarão a velocidade com que a automação se dará — e qual a extensão da substituição da força de trabalho atual. O alto grau de informalidade na economia, a dificuldade no acesso a investimentos e o baixo índice de inovação podem desacelerar o processo. O fator mais crítico será, certamente, a readequação da força de trabalho. Desenvolver trabalhadores ágeis e flexíveis é fundamental em um momento no qual praticamente todas as ocupações vão sofrer alguma alteração. O avanço tecnológico, contudo, é um caminho sem volta. A história ensina que a adaptação é o melhor caminho. Afinal, dominamos o planeta não por sermos os animais mais fortes, nem os mais rápidos ou os mais altos, e sim por termos sido os que mais bem se adaptaram. 

* Nicola Calicchio é presidente da consultoria McKinsey para a América Latina

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Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537

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