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Um gás para a inovação

Criação de um fundo para a ciência de alto padrão no Brasil pode romper uma lógica surreal: as empresas querem investir nas universidades mas não conseguem

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 1 dez 2017, 06h00 - Publicado em 1 dez 2017, 06h00

O ano de 2017 trouxe cortes e congelamentos severos de verbas para a pesquisa científica no Brasil. Nos termos da lei, a alternativa mais saudável é colher o dinheiro que falta na iniciativa privada, pois as empresas de áreas sob as asas de agências reguladoras — como bioenergia, petróleo, telecomunicação e mineração — precisam empenhar 1% de sua receita líquida em pesquisas e desenvolvimento. É um volume de cerca de 2 bilhões de reais por ano. Só que essa dinheirama toda nunca chega à pesquisa científica.

Diante da cadeia de obstáculos burocráticos intransponíveis, de regras impossíveis de ser atendidas, acontece o inacreditável: as empresas tentam, tentam, mas não conseguem cruzar a ponte que separa setor privado e academia no Brasil, e assim deixam de firmar parcerias. No fim, os 2 bilhões retornam aos cofres da União sem irrigar a ciência, e desperdiça-se a chance de ajudar a pôr o país na rota da inovação.

Aula de gestão – Impa, uma ilha de excelência: a liberdade para aplicar recursos é vital para o sucesso acadêmico (Marcos Michael/VEJA)

Nesse contexto, é muito bem-vinda uma iniciativa da Capes, órgão financiador da pesquisa no Brasil, sob análise da Casa Civil. A ideia, que provavelmente seguirá como projeto de lei para apreciação do Congresso, é criar um fundo independente, administrado por entes privados, a ser abastecido com metade daquele 1% exigido das empresas, e não utilizado, no caso frequente de elas não terem projetos próprios nos quais investir. Se prosperar, o fundo funcionará como um facilitador do elo com as universidades, que se livrariam de amarras que atravancam a entrada de dinheiro privado em seus centros.

(Arte/VEJA)

Tantas são as exigências — às vezes um contrato leva dois anos para ser firmado — que ocorre de empresas até preferirem dar o dinheiro ao caixa federal sem ter feito nenhum uso dele no campo da pesquisa. “Dependendo dos obstáculos, as empresas até recorrem a consultorias para encontrar parceiros dentro da universidade, um gasto adicional que espanta o investimento”, diz Luiz Bizzi, pre­sidente da Rio Grande Mineração, que selou convênio com a Universidade Federal do Rio Grande.

O Programa de Excelência das Universidades e Institutos de Pesquisa, como foi batizado, mira centros de pujança científica capazes de trazer retorno financeiro e de se conectar com a academia mundial, importando e exportando talentos. O apoio à formação de clusters, áreas com abundância de cérebros e forte competi­tividade em um setor, será também uma das prioridades. “A tendência no Brasil sempre foi pulverizar esforços. A concentração de dinheiro em áreas estratégicas para o avanço tecnológico é certamente um salto”, avalia Claudio de Moura Castro, economista e colunista de VEJA.

Não é a primeira vez que se vê no país uma tentativa de valorizar quem se desprega da média de forma extraordinária. Os órgãos de fomento à pesquisa, entre eles a própria Capes, já instituíram programas de excelência com o objetivo de contemplar certos campos do conhecimento em que o Brasil vai bem e, portanto, poderia ter destaque internacional. Mas eles acabaram caindo na armadilha de abrir demais o escopo, e assim muitos projetos promissores foram se perdendo em meio ao bolo.

O atual programa pretende escapar a essa lógica ruim sustentado em uma peculiaridade que lhe confere alto potencial. “Sua condição básica é selecionar poucos projetos estabelecendo a tão necessária aliança entre universidade e mercado”, afirma o engenheiro Sandoval Carneiro Jr., ex-integrante da Capes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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O projeto não se propõe a reinventar a roda. Ele se inspirou em fórmula que já vem sendo aplicada há tempos fora do país. Quase todos os membros da OCDE (organização que reúne as nações mais desenvolvidas) têm políticas que canalizam verbas para centros de excelência. O que está em discussão no Brasil se assemelha mais aos modelos da França e da Alemanha, que traçaram planos a longo prazo para estimular seus centros de alta performance. Há uma década, a Alemanha apostou nos clusters, como o Brasil quer fazer agora, e decidiu turbinar dez universidades de prestígio para que ingressassem na lista das 100 melhores do mundo. Quatro delas emplacaram nesse rol, em que não há — nem nunca houve — nenhuma brasileira. Só para lembrar: a instituição nacional com a melhor posição atualmente é a Universidade de São Paulo (USP), situada em uma faixa não numerada entre o 251º e o 300º lugar.

Lá e cá – Universidade de Bonn: o Brasil se inspirou no modelo alemão para dar um empurrão à pesquisa (Ulrich Baumgarten/Getty Images)

Há exceções no Brasil: instituições que romperam o casulo acadêmico e conseguiram se projetar globalmente. Uma delas é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), baseada no Rio de Janeiro, pulsante centro de pesquisas na área da saúde que exporta vacinas para vários países. Outra é o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), também no Rio. O Impa chegou ao topo da matemática mundial empurrado pelo sistema de Organização Social (OS), que lhe dá liberdade para gerir o orçamento federal e a chance de fundar suas decisões sobre a meritocracia, podendo contratar ou demitir sem as restrições que pesam sobre as universidades públicas. O Brasil vem até avançando na pesquisa, mas ela ainda repercute quase 25% menos do que a média na OCDE e é essencialmente teórica, o que põe o país na incômoda 69ª posição no ranking da inovação. Sinal inequívoco de que o modelo em vigor precisará ser chacoalhado se o Brasil quiser mesmo entrar no jogo.

Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

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