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Tragédia no mar

O afundamento de um barco na Baía de Todos-os-Santos ceifou vidas e enlutou famílias que esperam uma resposta sobre as causas do acidente

Por Thiago Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 ago 2017, 15h28 - Publicado em 25 ago 2017, 06h00

O inverno, no Nordeste, é estação de chuva forte. E chovia muito no início da manhã de quinta-feira 24, quando as pessoas aglomeradas no terminal de Mar Grande, na Ilha de Itaparica, embarcaram na lancha das 6h30, a Cavalo Marinho I, para fazer a travessia de quarenta minutos até Salvador, a capital da Bahia. Boa parte entrou na embarcação como quem toma um ônibus em outras cidades: era o meio de transporte diário para o trabalho. Com 129 passageiros e quatro tripulantes, a Cavalo Marinho I iniciou a travessia da Baía de Todos-os-Santos chacoalhando no mar revolto. Aos vinte minutos de viagem, uma onda mais forte bateu no casco. Houve correria para o lado oposto. Veio a segunda onda forte e a lancha virou. Em questão de segundos, diz um relato, “as madeiras começaram a quebrar e o barco começou a se desmanchar”. Homens, mulheres e crianças ao mar, em pânico, tentavam se agarrar a qualquer coisa ou achar lugar em alguns botes que se soltaram das laterais. Os coletes salva-vidas boiando eram de pouca ajuda, amarrados uns aos outros em nós apertados. O socorro demorou. No fim da quinta-feira trágica, dezoito pessoas estavam mortas, entre elas um menininho de 1 ano.

Mal viveu – Um bebê é resgatado ainda com vida: apesar de várias tentativas para reanimá-lo, ele não resistiu (Xando Pereira/Agência A Tarde/Estadão Conteúdo)

“A embarcação virou em cima da gente”, diz a faxineira Morenita Santana, 34 anos, que faz a travessia cotidianamente. Mesmo no desespero, Eduardo Aguadê conseguiu ajudar um idoso, que se equilibrava numa mochila — os dois ficaram duas horas à deriva até ser resgatados. “Fui atingido no ombro esquerdo. Quando emergi, dei de cara com uma lona me cobrindo. Tive de rasgá-la para poder respirar”, conta Matheus Ramos, 23 anos. A administradora Meire Reis, 53, afirma que se salvou graças ao outro naufrágio da semana, na ter­ça-feira, no Pará. “Estava vendo a notícia na TV e perguntei ao meu marido o que eu devia fazer em uma situação dessas. Ele ensinou como me salvar: respirar calmamente, me afastar, porque o que mata é o povo que fica em cima. Foi o que eu fiz.”

Um dia antes – O barco que virou no Pará: acidente fatal expôs o problema das embarcações irregulares na Amazônia (Paulo Vieira/Arquivo pessoal)

Meire, que embarca diariamente numa das nove lanchas da CL Transporte Marítimo para chegar ao trabalho, não sabe explicar o que aconteceu. “Eu já atravessei este mar com vento muito mais forte”, relata. Mas aponta um problema: a embarcação. “É a pior que existe na linha. Mesmo quando está encostada no cais, fica toda torta. Eu quase desisti da viagem quando vi que era na Cavalo Marinho. Umas oito ou nove pessoas resolveram esperar a seguinte”, diz. Os primeiros resgates foram feitos por barcos de pescadores próximos ao naufrágio. A Marinha informa que a Capitania dos Portos recebeu pedido de socorro quase uma hora depois, às 7h45. “Um barco passou no local do acidente e nos avisou”, afirmou a VEJA o comandante Flavio Almeida. Cerca de 130 homens foram enviados ao local para ajudar os sobreviventes e retirar os corpos. O bebê de 1 ano ainda chegou ao cais de Salvador com vida. Uma equipe de resgate tentou por duas horas reanimá-lo, em uma ambulância. Não conseguiu.

(Arte/VEJA)

Parte dos passageiros nadou de volta à Ilha de Itaparica. Horas depois do acidente, muitas famílias viviam a aflição de não saber do paradeiro de amigos e parentes: eles não constavam da lista de mortos, mas também não haviam sido encontrados. Outros tiveram mais sorte. Um rapaz em frente ao terminal da capital repetia: “Meu pai está aí dentro. Foi às 6 e meia da manhã que aconteceu o acidente, já vai dar 9 horas e, até agora, nada”. Momentos depois, o pai apareceu. “A partir de hoje vou agradecer todos os dias a Deus pela vida dele”, dizia o filho. O estudante de engenharia da computação Felipe Marques da Silva, 22 anos, deixou os pais apavorados. Eles sabiam que Felipe fazia aquele trajeto pela manhã. Estavam viajando e voltaram correndo para casa. Ao chegarem, encontraram o filho aos prantos: “Ele estava lá, sozinho, chorando muito. Foi um alívio vê­-lo vivo”, desabafa a mãe, Ana Dantas, 37 anos. A Marinha abriu inquérito para apurar as causas do acidente.

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Numa semana de tragédias nas águas, outra investigação em curso busca os motivos do naufrágio que deixou 21 mortos no Rio Xingu, no Pará — o sétimo do ano no estado. O barco Capitão Ribeiro virou ao fazer a travessia entre Porto de Moz e Senador José Porfírio. Estima-se que cerca de setenta passageiros estavam a bordo. A principal suspeita é de superlotação, comum na região. Além disso, a embarcação não tinha registro e já havia sido notificada pela irregularidade. Testemunhas relatam na hora do acidente uma trom­ba-d’água, fenômeno típico da estação. Também chovia muito na noite dramática no Pará. E também lá um garotinho de 1 ano perdeu a vida. São, os dois bebês, o da Baía de Todos-os-Santos e o do Xingu, o saldo mais pungente de acidentes que, provavelmente, medidas de segurança mais rigorosas e socorro mais rápido poderiam ter evitado.

Colaborou Maria Clara Vieira

Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2017, edição nº 2545

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