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Refém da própria conquista

Mercadejando cargos, verbas e promessas, o governo tranca o andamento do processo de corrupção contra Temer e amarra seu futuro à banda podre do Congresso

Por Daniel Pereira, Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Robson Bonin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 ago 2017, 06h00 - Publicado em 5 ago 2017, 06h00

A primeira impressão é que tudo o que o Brasil testemunhou nos últimos tempos não serviu de lição. O plenário da Câmara dos Deputados arquivou a denúncia apresentada pela Procuradoria-G­eral da República contra Michel Temer, o primeiro presidente acusado de corrupção passiva no exercício do mandato. Foi uma cabal demonstração de força de Temer, mas a vitória representou a consagração do fisiologismo, do balcão de negócios e da má política como instrumentos para garantir a chamada “governabilidade”. Temer continua presidente porque liberou emendas parlamentares, distribuiu cargos e acolheu lobbies de bancadas poderosas, como a ruralista. Ficou claro que ele só terminará o mandato, em dezembro de 2018, se continuar a mover mundos e, principalmente, fundos para comprar apoio político. Temer passou a habitar um cativeiro político, no qual é refém do Congresso, especialmente de sua banda podre.

Na tarde da quarta-feira passada, enquanto os deputados debatiam o teor da denúncia, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, incluiu Temer no inquérito que apura o pagamento de propina a caciques do PMDB por contratos firmados na Petrobras e na Caixa Econômica Federal. Com a iniciativa, Janot pavimentou o caminho para apresentar uma nova denúncia contra o presidente, em que ele será acusado de chefiar a organização criminosa do PMDB da Câmara, da qual também são suspeitos de participar os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). A denúncia do “quadrilhão” do PMDB da Câmara trará material colhido nas delações da Odebrecht e da JBS. É provável que contenha também informações dos acordos de colaboração do ex-­deputado Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, ambos em fase final de negociação. A Procuradoria promete mais uma denúncia devastadora. As forças que salvaram o presidente torcem por isso. Afinal, quanto mais grave a denúncia contra Temer, maior o preço a ser cobrado para blindá-lo.

A fatura da primeira denúncia ainda não está fechada, mas a parte conhecida revela muito sobre o que ainda está por vir: trancar o processo contra Temer custou pelo menos 15 bilhões de reais. Nos meses de junho e julho, o governo assumiu o compromisso de desembolsar 4 bilhões de reais em emendas parlamentares, contra apenas 100 milhões de reais ao longo dos cinco primeiros meses do ano. O dinheiro, usado para custear obras nos redutos eleitorais dos parlamentares, seria liberado de qualquer maneira até o fim do ano, mas não é nenhuma coincidência inocente que a torneira tenha sido aberta com tamanho vigor logo depois da homologação da delação premiada dos donos e executivos da JBS, que acusaram o presidente de ser beneficiário de propinas pagas pela empresa. A estratégia se mostrou eficaz, incluindo suas cenas de pastelão, como a do deputado Wladimir Costa, do Solidariedade do Pará, que tatuou no ombro o nome “Temer” e se declara um adversário da corrupção. É uma manifestação de patriotismo e ética, digamos, epidérmica. Costa é acusado de embolsar parte do salário dos funcionários do próprio gabinete parlamentar.

SIM – Na votação, Imbassahy, com lista na mão: contabilidade fisiológica (Lais Alegretti/Folhapress)

O ministro da articulação política, o tucano Antonio Imbassahy, perambulou pelo plenário da Câmara, durante a votação da denúncia contra Temer, com a lista de emendas empenhadas. A cada deputado, lembrava o benefício concedido e a contrapartida esperada. Imbassahy e outros nove ministros foram exonerados para reassumir o mandato de deputado e votar a favor do presidente. Com a missão cumprida, voltaram à Esplanada dos Ministérios. Houve outra sangria, ainda maior, dos combalidos cofres públicos. Na terça-feira, véspera da votação da denúncia, Temer almoçou com a Frente Parlamentar da Agropecuária, formada por 209 deputados, e anunciou a edição de uma medida provisória que permite o parcelamento, em condições camaradas, de 10 bilhões de reais de dívidas de produtores com o Funrural. Um dos participantes do convescote foi o deputado Jaime Martins (PSD-MG). Até então, Martins se declarava a favor da investigação. Depois do afago presidencial, mudou de lado: “Sou pelo combate implacável à corrupção, mas acho que colocar um governo interino dentro de um governo provisório não é bom para o Brasil neste momento. Por isso, voto sim”. É espantoso que lógica tão complexa só lhe tenha ocorrido depois do almoço.

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SEM COBRANÇA – As ruas silenciaram sobre as denúncias de corrupção contra o presidente Temer (Ailton Freitas/Agência O Globo)

Acossado pela possibilidade de ser afastado do cargo, Temer atuou nas últimas semanas mais como presidente da Câmara, cargo que ocupou três vezes, do que como presidente da República. Segundo sua agenda oficial, recebeu mais de 100 deputados desde a divulgação da delação da JBS. Dedicou-se a uma intensa rotina de cafés, almoços e jantares para conquistar apoios, seja com gestos de deferência, seja com benesses da caneta presidencial. Seu empenho rendeu frutos. O deputado Alexandre Baldy, de Goiás, faz parte de um partido que tem relação de independência com o governo, o Podemos. A legenda orientou seus deputados a não pedir votos para o presidente. Baldy, no entanto, não só pediu como votou a favor. Perdeu o posto de líder do Podemos na Câmara, mas conseguiu o principal: manter um afilhado político no comando da Funasa, órgão do Ministério da Saúde com orçamento de 3,6 bilhões de reais. Dos catorze deputados do Podemos que votaram na sessão, nove, incluindo Baldy, defenderam o arquivamento pró-Temer. O presidente também obteve sucesso na conversão dos chamados “indecisos”. Danilo Forte (PSB-CE) era um deles. Depois de uma conversa reservada com Temer, decidiu-se. O Diário Oficial da União trouxe a razão da mudança: a nomeação de um afilhado do deputado para a superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Ceará. Além disso, conseguiu a promessa de liberação de 800 milhões de reais para obras de revitalização da orla de Fortaleza.

(//VEJA)

Primeiro item da pauta da Câmara depois do recesso parlamentar, a denúncia contra o presidente foi arquivada por decisão da maioria absoluta do plenário. Foram 263 votos pelo encerramento do caso contra 227 a favor da autorização para que o STF investigasse Temer, suspeito de ser o beneficiário final dos 500 000 reais encontrados na mala do seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures. Houve ainda duas abstenções e dezenove ausências. Para que o caso fosse encaminhado ao Supremo, eram necessários os votos de 342 deputados a favor do prosseguimento da denúncia, 115 a mais do que o registrado. O combate à corrupção praticamente sumiu dos discursos dos deputados, que, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, se mostraram a encarnação de Savonarola em versão tropical (confira alguns exemplos na página 45). A mudança tem explicação. Apesar de olimpicamente impopular, Temer não enfrentou manifestações populares nem panelaços que pedissem sua saída. O mercado, de olho numa recuperação econômica breve, fez vista grossa às suspeitas de corrupção e não acionou suas forças telúricas para influenciar o resultado. Temer também se beneficiou do espírito de corpo da classe política, que ele fez questão de cultivar. Ao ser denunciado, o presidente passou a atacar o procurador Janot, autor dos pedidos de inquérito contra dezenas de deputados e senadores, acusando-o de produzir “peça de ficção”. Ao falar a língua dos acusados, o presidente assumiu a linha de frente do coro suprapartidário, que vai do petista Lula ao tucano Aécio Neves, segundo o qual a Lava-Jato tem o objetivo de “criminalizar a política”. Nas conversas com deputados, Temer fazia questão de repetir o seguinte mantra: se afastam um presidente da República, imagina o que farão com um mero parlamentar. Capturou a imaginação dos que só pensam em fugir da polícia e evitar o xilindró.

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Quando estava muito perto da beira do abismo, Temer chegou a dizer ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que ele próprio, se virasse presidente, seria derrubado pelo Ministério Público. Temer desconfiava que Maia estivesse sendo o Temer de Dilma, ou seja: que atuasse nos bastidores para derrubar o titular do cargo. Maia não chegou a tanto, mas saiu magoado da conversa com o presidente. Citado como destinatário de propina da Odebrecht, Maia considera inaceitável ter sido colocado na mesma lama dos peemedebistas. Vencida a primeira batalha na Câmara, Temer anunciou a intenção de reorganizar sua base para tocar a reforma da Previdência — e, nisso, precisará da ajuda de Maia. São necessários 308 votos para que a proposta seja aprovada. O presidente alega que conseguirá atingir esse número se recuperar o apoio de aliados que lhe viraram as costas na análise da denúncia. Foram 89 as defecções a sua aliança, com destaque para 21 tucanos. Se recapturar esses desgarrados, o Planalto alega que terá cerca de 350 votos para destravar a agenda econômica.

SUCESSOR – Maia, presidente da Câmara: lealdade ao governo, apesar das pressões de arrepiar os cabelos (Paulo Lopes/Futura Press/Estadão Conteúdo)

A matemática parece fácil, mas a costura política não é. Os partidos que apoiaram o presidente querem mais espaço no governo em troca da lealdade demonstrada. Pressionam por uma reforma ministerial para expurgar os infiéis. Os sinais mostram que essa será a dinâmica de agora em diante. Diz o deputado Miro Teixeira, decano da Câmara: “Os cofres públicos serão mais solicitados, e o custo do apoio vai dobrar. Essa é a linguagem que Temer escolheu para governar. Ele preferiu fazer um governo de cooptação a um governo de coalizão por ideias”. Ou, dito de outro modo: quem se rende à chantagem vira escravo do chantagista.

Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2017, edição nº 2542

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