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Que venham os importados

Fim de barreira incentiva marcas estrangeiras sem fábrica no Brasil a trazer novos modelos para o país, mas governo estuda como ajudar indústria nacional

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 out 2017, 06h00 - Publicado em 13 out 2017, 06h00

Em agosto, o Brasil foi condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) por ter usado barreiras anticompetitivas no comércio de carros. A investigação nasceu de queixas apresentadas pela União Europeia e pelo Japão a respeito da política criada pelo governo brasileiro com o intuito de privilegiar a indústria nacional. O principal objeto da reclamação foi o Ino­var-Auto, plano de incentivo à indústria nacional aprovado em 2012 pela ex-presi­dente Dilma Rousseff. Pelo programa, foram concedidas condições tributárias favoráveis às empresas com fábrica no Brasil. Ao mesmo tempo, criou-se uma barreira adicional aos carros importados, que ficavam sujeitos a sobretaxas de até 30 pontos porcentuais no imposto sobre produtos industrializados (IPI). Era evidente que o plano concebido pela equipe de Dilma, em sintonia com os executivos da indústria nacional, sofreria uma reprimenda da OMC. O programa estabeleceu, na prática, dois sistemas: um válido para empresas com fábrica no país e o outro para as restantes, uma disparidade vetada pela entidade.

A OMC determinou a anulação do Inovar-Auto. O Brasil vai recorrer, o que deve arrastar a disputa para 2018. Mas, de qualquer maneira, até o desfecho do julgamento, o Inovar-Auto já terá caducado. Com vigência até 31 de dezembro deste ano, o programa deverá ser substituído por um novo plano, batizado de Rota 2030. Técnicos do governo e representantes das empresas vêm se reunindo em Brasília às quartas-feiras em busca de um consenso sobre as regras.

(Arte/VEJA)

Diante do tamanho dos interesses envolvidos e das divergências entre os objetivos de cada um dos negociadores, as conversas têm sido difíceis. A esta altura, o plano já deveria estar pronto, mas as negociações vão se prolongar por mais algum tempo. Parte das empresas e uma ala do governo buscam uma maneira de proteger a indústria nacional, enquanto outra ala do governo se esforça para manter o programa dentro das normas do comércio internacional.

Na verdade, os quatro anos de Inovar-Auto mudaram um pouco a paisagem brasileira. Para fugirem do tarifaço, algumas fabricantes decidiram abrir unidades no Brasil. A BMW, por exemplo, estabeleceu uma fábrica na cidade de Araquari, em Santa Catarina, com capacidade de produção para até 32 000 veículos por ano. Audi, Jeep e Land Rover seguiram o mesmo caminho. Por força do Inovar-Auto, as marcas instalaram unidades de produção no Brasil, mas os volumes totais de vendas acabaram sendo decepcionantes, e os investimentos feitos no país ficaram bem abaixo daqueles feitos na China, no México e em países do Leste Europeu. Enquanto isso, as marcas que não aderiram ao plano amargaram uma queda brutal nas vendas. A Kia, que traz seus carros principalmente da Coreia do Sul, chegou a vender no mercado brasileiro 80 000 veículos em 2011. Em 2017, o número não chegará a 7 000 unidades.

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A falta da concorrência dos importados representa uma notícia negativa. O tempo das “carroças”, na expressão usada pelo ex-presidente Fernando Collor, ficou para trás, mas sem competição a indústria nacional tende a produzir veículos mais defasados em relação aos vendidos nos mercados mais desenvolvidos. “Os carros trazidos do exterior não só acrescentam competitividade ao setor, dando mais opções para o consumidor, como também criam parâmetros para aumentar a qualidade e a segurança dos veículos nacionais”, diz José Luiz Gandini, presidente da Kia no Brasil. Ele diz que muitos itens que passaram a equipar parte da frota nacional, como a câmera de ré e o motor de três cilindros, chegaram ao Brasil primeiro em modelos importados.

Agora, com a perspectiva de fim da barreira aos importados, as marcas estrangeiras sem fábrica no Brasil já se preparam para aumentar seu volume de importação. A Kia deverá trazer ao menos três novos modelos no próximo ano. As chinesas Geely e Lifan e a coreana SsangYong sinalizaram igualmente que voltarão a comercializar seus veículos no Brasil. A também chinesa JAC, que chegou a anunciar a construção de uma fábrica na Bahia, continuou focada apenas na importação.

Incentivo condenado – O Inovar-Auto ajudou a trazer para o país fábricas como a da BMW (acima), mas feriu normas da Organização Mundial do Comércio (Pedro Danthas/Correio do Povo/)

Neste momento, o governo e a indústria quebram a cabeça para encontrar uma fórmula que incentive os investimentos no Brasil sem burlar as normas da OMC. Estuda-se a possibilidade de tributar os veículos de acordo com a cilindrada, como é feito atualmente, mas haveria uma sobrecarga tarifária para as empresas que não cumprissem metas como melhoras nos níveis de consumo e de poluição dos motores. “Por isso, não há razão para apostar em uma queda no preço dos carros”, diz Antonio Megale, presidente da Anfavea, entidade que representa as montadoras.

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Outro ponto seria, mais uma vez, privilegiar de alguma maneira aqueles que se dispuserem a investir no Brasil. Abre-se uma brecha para que o regime diferenciado entre montadoras nacionais e importadoras perdure. Pode parecer razoável, mas os carros vindos de fora já pagam tarifa de importação de até 35%. É uma barreira e tanto, suficiente para evitar a inundação de importados. O número de carros feitos no exterior vendidos no mercado brasileiro fica atualmente abaixo de 10% do total.

O Brasil tem se esforçado para aprimorar a sua imagem internacional e pleiteou ser aceito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para fazer parte desse grupo de países avançados, é preciso seguir certos parâmetros tributários e comerciais. Técnicos do Itamaraty, que responde pela missão brasileira na OMC, estão acompanhando as discussões, para assegurar que nenhuma regra seja infringida. O Ministério da Fazenda, enquanto isso, está preocupado com os possíveis benefícios tributários da proposta e o consequente impacto fiscal nas contas do governo. Para evitar que o programa crie renúncia de recursos, a proposta é que os benefícios sejam dados depois de as empresas de fato cumprirem os requisitos — no Inovar-Auto, as empresas eram contempladas antecipadamente. “O impacto fiscal surgiria somente a partir de 2021”, diz uma fonte do governo. O esforço dos negociadores do governo e da indústria é para que o Rota 2030 saia até o fim do mês. Mas uma parte bastante interessada no assunto está fora das conversas: o consumidor.

Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552

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