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Que bela aposentadoria

O juiz Sergio Moro manda bloquear os bens de Lula — e o país descobre que o ex-presidente tinha reservado 9 milhões de reais para a hora de vestir o pijama

Por Ana Clara Costa
Atualizado em 22 jul 2017, 06h01 - Publicado em 22 jul 2017, 06h00

Um dia depois de o juiz Sergio Moro determinar o bloqueio de bens e contas bancárias do ex-presidente Lula, o PT divulgou uma nota em que classificou essa decisão de “violência inominável” e “uma pena de asfixia econômica” que o deixaria sem “meios para subsistir”. Até então, o valor bloqueado era de 606 000 reais, total encontrado em quatro contas bancárias do petista. Na quinta, a soma foi acrescida de 9 milhões de reais, quantia que, sabe-se agora, o ex-presidente reservou para sua aposentadoria. O dinheiro estava alocado em dois fundos da Brasilprev — um em nome de Lula, com 1,8 milhão de reais, e o outro em nome de sua empresa de palestras, com 7,2 milhões de reais.

O juiz Moro estabeleceu o teto de 10 milhões de reais para o bloqueio das contas. Como, segundo Marcelo Odebrecht declarou em sua delação premiada, só a sua empreiteira repassou ao petista 13 milhões de reais em propina, e como os bancos com os quais Lula transaciona têm mais alguns dias para se manifestar, é bastante possível que os 400 000 restantes ainda apareçam. Certo é que Lula já guardou dinheiro suficiente para não morrer de fome — e, quanto a isso, o PT definitivamente não precisa se preocupar.

O bloqueio de contas e bens foi o segundo revés jurídico do petista em sete dias. Há duas semanas, ele se tornou o primeiro presidente da República do Brasil condenado na Justiça por corrupção. Dentro de mais ou menos um ano, seu processo será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), responsável por examinar as decisões de Curitiba. Se o TRF4 confirmar a condenação, Lula será preso. Até lá, ficará impedido de movimentar suas contas e de vender dois carros e três apartamentos também bloqueados pelo juiz.

A última decisão de Moro acirrou a guerra jurídica que vem sendo travada entre ele e a defesa de Lula. Depois da condenação do ex-presidente a nove anos e meio de prisão, seus advogados protocolaram uma fieira de queixas contra a sentença de Moro na forma de embargos de declaração. A maior parte das reclamações reproduz a mesma linha de argumentos proferida ao longo da tramitação do processo: as testemunhas de defesa não tiveram o mesmo peso que as de acusação; o tríplex do Guarujá — protagonista da ação penal — não pertence a Lula; e o depoimento de um candidato a delator com interesse no caso, Léo Pinheiro, foi usado como prova oral de peso exagerado. Em despacho, Moro rebateu as argumentações dos advogados. Disse ter examinado os depoimentos de todas as testemunhas, mas usado apenas aqueles que considerou consistentes com as provas coletadas. Reconheceu ter dado valor de prova oral às declarações de Léo Pinheiro, mas disse tê-lo feito devido à posição do empreiteiro na hierarquia do esquema, às mensagens encontradas em seu celular (que faziam referência ao tríplex) e ao fato de ele ter chefiado o “cofre” da propina, a empresa OAS.

(Arte/VEJA)

A maior parte das alegações da defesa de Lula não encontra eco no meio jurídico. Um ponto, porém, suscita, sim, divergências. Trata-se da argumentação segundo a qual não há provas documentais de que o dinheiro proveniente da propina sobre contratos da OAS com a Petrobras tenha sido usado na compra ou reforma do tríplex. Moro afirma que “nem a corrupção nem a lavagem, tendo por crime antecedente a corrupção, exigem ou exigiriam que os valores pagos ou ocultados fossem originários especificamente dos contratos da Petrobras”. O magistrado entende que, para que haja corrupção, não é necessário que o dinheiro do tríplex tenha vindo da propina paga sobre um contrato específico. Para isso, faz referência a uma decisão do ministro Gurgel de Faria, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre a troca de vantagem feita por um ocupante de cargo público dar-se de modo difuso, sendo “incabível” individualizá-la. Moro diz que basta como argumento o fato de o dinheiro ter vindo da conta-propina que o PT mantinha com a OAS. Ocorre que não há prova documental da existência de tal conta. Há prova oral: o depoimento do empreiteiro Léo Pinheiro. Tal ponto também causa divergência porque colide com a denúncia do Ministério Público, que embasa seu pedido justamente na premissa de que a propina estava relacionada aos contratos. “A sentença deve seguir o que diz a denúncia, pois o réu se defende dos fatos dos quais é acusado. Não seguir a denúncia fere o princípio da correlação”, diz o advogado Carlos Eduardo Scheid, especialista em direito penal pela Universidade de Coimbra.

Caberá ao TRF4 decidir se o que diz Léo Pinheiro sobre a conta-propina é ou não suficiente. Até agora, nenhum caso da Lava-Jato analisado pelo tribunal teve características semelhantes. Nas únicas cinco condenações de Moro anuladas pelo TRF4, os desembargadores consideraram que depoimentos prestados por colaboradores não eram suficientes para subsidiar uma condenação. Era preciso haver provas materiais. Léo Pinheiro não é um delator, ainda que tente sê-­lo, e assim Moro creditou ao seu testemunho valor de prova oral. A questão central é saber se a segunda instância seguirá o mesmo caminho.

Com reportagem de Pieter Zalis e Renato Onofre

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2017, edição nº 2540

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