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O último caubói dos ares

No irresistível 'Feito na América', Tom Cruise revive a trajetória alucinada de um piloto de avião pelas beiradas da história das décadas de 70 e 80

Por Isabela Boscov Atualizado em 15 set 2017, 06h00 - Publicado em 15 set 2017, 06h00

Sorrisão tão aberto quanto a gola da camisa, Barry Seal (Tom Cruise) joga verde para cima do seu contato na CIA: “Tenho mulher e filhos, vou precisar de dinheiro, certo?”. O agente Monty (Domhnall Gleeson), com a franjinha ruiva caindo na testa, faz cara de inocente e devolve: “Tenho certeza de que você vai dar um jeito, ora”. Seal dá um jeito, sim. Em pouco tempo, as notas de dólar já não cabem mais dentro das paredes da casa, no freezer da garagem, no forno e nos armários. Seal e sua mulher, Lucy (Sarah Wright), uma loira de dar na vista, têm de cavar buracos no quintal para esconder o butim que não para de entrar — como fazia também o traficante colombiano Pablo Escobar, um dos patrões de arrepiar os cabelos aos quais Barry Seal serviu durante sua alucinada trajetória pelas beiradas da história das décadas de 70 e 80. Piloto comercial por profissão e pândego por natureza, Seal é visto, nas primeiras cenas de Feito na América (American Made, Estados Unidos, 2017; já em cartaz no país), entediando-se na cabine de um jato de carreira. Como quem não quer nada, confere se o copiloto não está de olho nele e pressiona o manche, fazendo o avião chacoalhar e perder altura. “Caros passageiros, atravessamos um pouco de turbulência…”: paz não era o estado preferido do protagonista — no qual, a certa altura, o diretor Doug Liman descobriu uma curiosa intersecção com sua própria história.

Diretor também de Vamos Nessa!, A Identidade Bourne, Sr. & Sra. Smith e No Limite do Amanhã (este sua primeira parceria com Cruise), Liman tem queda por enredos em que a realidade avança pelo surreal, e o dom de imprimir efervescência, volatilidade e velocidade às suas narrativas. Além de sacudir seus passageiros, Seal aproveitava os voos para ganhar um extra contrabandeando charutos, bebidas e outros itens (por exemplo, explosivos, acusação que lhe custou o emprego na TWA). Seu jeito liso chamou a atenção de um jovem agente da CIA à procura de um aventureiro capaz de transportar armas para os Contras, os milicianos que combatiam a revolução de esquerda sandinista instaurada em 1979 na Nicarágua. Os voos doidos sobre a América Central, por sua vez, chamaram a atenção do cartel de Medellín, que fez a Seal uma daquelas ofertas irrecusáveis: no retorno aos EUA, ele deveria carregar drogas no compartimento que, na ida, estivera tomado por armamentos.

Filmando com energia irrefreável e um delicioso senso do absurdo, Liman segue Seal por pistas de terra na selva controladas por milicianos de comédia, por apartamentos luxuosos e cafonas em Bogotá e pelos reencontros tórridos com a mulher: o dinheiro corre solto, mas o que move Seal é seu temperamento de fora da lei e o seu gosto pelo vale-tudo do empreendedorismo. O piloto tinha fama de ser capaz de decolar de qualquer pista, por mais precária que fosse, e de nunca dizer não a uma sandice. Era também cheio de lábia e pensava rápido — atributos indispensáveis para lidar com os tipos instáveis da sua clientela. Tornou-se tão requisitado que teve de recrutar um esquadrão de outros pilotos, comprar várias aeronaves e instalar nos ermos sulistas um aeroporto secreto. Mas não delegava. O tempo todo queria voar, e enfiar-se em mais uma enrascada. “Esse é um tipo de vida, de liberdade e de aventura que não tem mais lugar nos Estados Unidos de hoje. Os anos 80 foram o último suspiro desse Oeste Selvagem”, disse Liman a VEJA.

Essas histórias não acabam bem, claro. Mas, enquanto duram, podem ser irresistíveis. Feito na América é diversão à larga — para a plateia e para Cruise, que passa o filme descabelado (algo inédito), suado (idem) e atarantado: com a guerra dos Estados Unidos ao narcotráfico de um lado e o estouro do escândalo Irã-Contras do outro, o piloto se viu sob fogo cruzado, simultaneamente na mira dos cartéis, da agência antidrogas, de um governo estadual e da rumorosíssima comissão senatorial que investigou a operação cruzada do governo Reagan para financiar os Contras nicaraguenses e fornecer armamentos ao Irã por baixo dos panos, com o intuito de libertar reféns em posse do regime islâmico. Arthur Liman, pai de Doug e uma das mais atiladas mentes jurídicas do período, atuou como advogado do Senado e conduziu os interrogatórios do coronel Oliver North, um dos principais arquitetos do plano. North tem papel crucial na vida de Seal, e é interpretado no filme por Robert Farrior; Liman só descobriu a ligação quando já estava “perdidamente apaixonado” pelo personagem. “Um piloto sul-­americano me contou que Seal pediu para testar o aviãozinho dele, que estava à venda, e deu no pé: foi-se embora para os Estados Unidos com avião e tudo. O piloto adora Seal até hoje, e eu o entendo. Como não ser fisgado por um sujeito desses?”

Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2017, edição nº 2548

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