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O peso dos estereótipos

Pesquisa feita em quinze países revela que a imagem dos papéis feminino e masculino ainda persiste em sua forma tradicional 

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 set 2017, 06h00 - Publicado em 29 set 2017, 06h00

“Eu sempre cruzava as pernas quando estava jantando. Então, meu pai sentou-se ao meu lado e disse que eu não deveria fazer isso fora de casa: não é a maneira como uma boa menina deveria se portar. Perguntei por que ele e o meu irmão mais velho podiam e eu não. Meu pai respondeu: ‘Porque você é uma menina’.”

O que está descrito acima lhe pareceu antiquado? Surpreenda-se: é um relato atual, feito por uma garota chinesa de 11 anos ao comentar por que acha que as meninas têm de agir com modos de princesa, enquanto os garotos devem exibir a virilidade de plebeus. Do contrário, elas correm o risco de envergonhar a família inteira.

O depoimento faz parte de um estudo com 450 meninas e meninos, de idade entre 10 e 14 anos, em quinze países de economia e cultura distintas (além da China, fizeram parte da pesquisa Estados Unidos e Bolívia, por exemplo; o Brasil ficou de fora). Conduzido pela Universidade Johns Hopkins e financiado pela Organização Mundial da Saúde, o trabalho concluiu que os rótulos tradicionais de gênero continuam de pé em pleno século XXI — e são fixados nas crianças independentemente de sua origem socioeconômica. O levantamento comprova que as garotas são vítimas do machismo, como era de esperar, mas também mostra que os meninos sofrem com essa pressão social.

De acordo com o pediatra americano Robert Blum, diretor do Instituto de Saúde Urbana da Johns Hopkins e responsável pelo estudo, a faixa etária escolhida para a pesquisa reflete o momento no qual as crianças entendem que estão crescendo, ao mesmo tempo que não é tarde para evitar problemas causados pela ideia da mulher como “bela, recatada e do lar” e do homem como forte e provedor. Disse Blum a VEJA: “Há o mito de que estereótipos não existem em países desenvolvidos, mas mostramos que isso não é verdade. Cada local tem suas características, porém é possível pensar numa abordagem global e adaptá-la a contextos específicos”.

Ao longo do trabalho, feito entre 2011 e 2016, os pesquisadores detectaram cinco discursos dominantes: 1) meninas são vulneráveis e meninos são fortes; 2) garotas na puberdade já estariam disponíveis sexualmente; 3) meninas devem cobrir o corpo e evitar sair de casa; 4) meninos significam “problema”; 5) elas e eles percebem quando seus colegas violam os clássicos estereótipos de gênero.

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Segundo Blum, a pesquisa, publicada na íntegra neste mês de outubro, aborda as consequências, até em termos de saúde pública, da recorrência dos estereótipos. A noção de submissão feminina diante do homem daria margem à violência contra a mulher, resultando, por exemplo, em índices maiores de gravidez precoce. No caso do universo masculino: em 2014, 86% das vítimas de homicídio nos EUA com idade entre 10 e 24 anos foram homens e, em 2015, 28% dos meninos de 9 a 12 anos haviam participado de algum tipo de confronto físico, tudo por aprenderem que precisam ser viris.

Em tempos de transexualidade fazendo parte da trama da novela das 9 e ocupando o palco do Rock in Rio, pode-se ter a impressão de que questões de gênero romperam padrões tradicionais, emancipando a mulher e aliviando a pressão sobre o homem, mas o trabalho da Johns Hopkins serve para desfazer essa falsa imagem. E não é fácil romper padrões tradicionais. Blum alerta para o fato de que, em todos os países estudados, crianças que tentam sair dos modelos preestabelecidos tendem a sofrer bullying. Diz ele: “Só com a aplicação de leis que inibam abusos físicos, sexuais e psicológicos, políticas educacionais e programas que incentivem a igualdade de gêneros será possível mudar os valores das próximas gerações”.

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550

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