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O muro que falta transpor

Em Brasília, onde os políticos são investigados, dos mais de 250 suspeitos, apenas seis estão sendo processados e não houve uma única condenação até hoje

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 set 2017, 06h00 - Publicado em 22 set 2017, 06h00
(Arte/VEJA)

Lava-Jato só será considerada definitivamente a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção quando os mentores, os participantes e os beneficiários do esquema estiverem pagando pelos seus crimes, ou seja, condenados e presos. Em Curitiba, onde as investigações começaram há três anos e meio, tudo aponta nessa direção. Figurões como o ex-­presidente Lula, o ex-deputado Eduardo Cunha e outros 105 investigados, juntos, foram condenados a 1 634 anos de cadeia. Não são poucas as penas individuais que beiram os vinte anos de prisão. Esses processos estão em fase de recurso e, caso as sentenças sejam confirmadas em segunda instância, os condenados cumprirão duras penas atrás das grades. Uma outra parte da Lava-Jato, porém, não mostra a mesma eficiência. É em Brasília, onde são investigados cerca de 250 deputados, senadores, governadores e ministros, justamente os principais beneficiários do dinheiro desviado dos cofres públicos. Desses, apenas seis respondem a processo, e nenhum foi condenado até agora. Os números só não são mais desanimadores porque houve três prisões, todas elas preventivas — e uma, a do ex-senador Delcídio do Amaral, já revogada. A regra, por enquanto, é de impunidade para políticos com mandato.

Na segunda-feira passada, Raquel Dodge assumiu a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR) ladeada pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, e por três dos mais graduados investigados na Lava-Jato: o presidente Michel Temer e os comandantes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia. A solenidade transcorreu com pouca polêmica e muitas mesuras. Dodge prometeu manter o combate à corrupção, mas não citou nominalmente a Lava-Jato, marca do mandato de seu antecessor, Rodrigo Janot. Já Temer elogiou o discurso de Dodge, a quem caberá tomar eventuais medidas contra ele daqui para a frente, e aproveitou para criticar o que chama de abuso de autoridade. As disputas renhidas que impedem o avanço das apurações contra políticos com mandato só voltaram à tona na quarta-feira, quando o STF julgou um pedido da defesa de Temer para que a nova denúncia apresentada contra ele, ainda na gestão Janot, não fosse encaminhada à Câmara até que sejam afastadas as suspeitas de irregularidades no fechamento do acordo de colaboração da JBS.

Justiça – O juiz Sergio Moro e o ministro Edson Fachin: nas mãos de ambos, o desafio de impedir que a impunidade dos políticos comprometa o resultado da maior investigação de corrupção da história (Eduardo Knapp/Folhapress e Cristiano Mariz/VEJA)

O Supremo rejeitou o pedido da defesa e decidiu encaminhar à Câmara a denúncia, que acusa Temer de obstrução da Justiça e organização criminosa. Apesar da derrota, Temer e os lava-jatistas colheram pontos positivos no julgamento. O ministro Gilmar Mendes atacou duramente Janot, responsável pelo pedido de abertura dos inquéritos contra os políticos detentores de foro. No campo pessoal, tachou-o de “indivíduo sem nenhum caráter”. Na seara profissional, acusou-o de incompetência e de cometer erros grotescos. No caso da segunda denúncia contra Temer, Janot teria incluído fatos anteriores ao mandato, o que seria vedado conforme entendimento adotado pelo próprio Janot. Outros dois ministros reclamaram do vazamento de informações sigilosas de delações premiadas, o que atentaria contra a honra de suspeitos. Essas ponderações soaram como música aos ouvidos dos investigados, cuja principal estratégia é desqualificar o acusador. Na reta final de seu mandato, Janot aceitou jogar esse jogo de polarização com os políticos. Também comprou briga com a Polícia Federal e fomentou a rivalidade entre órgãos que deveriam atuar como parceiros. O bloco da impunidade, obviamente, agradeceu.

Um dos desafios de Raquel Dodge será aparar as arestas com a PF. Outro, azeitar a relação com o próprio STF. Reservadamente, ministros reclamam do trabalho da equipe de Janot. Citam como exemplo o fato de ele ter amparado denúncias basicamente em delações, sem recorrer a outros instrumentos de coleta de provas. Ou, ainda, ter apresentado dezenas de pedidos de inquérito contra políticos, mesmo com evidências frágeis. Quando vieram à tona as gravações feitas pelo delator Sérgio Machado, nas quais o senador Romero Jucá defendia um grande acordo nacional para estancar a sangria do petrolão, Janot pediu a abertura de inquérito contra o próprio Jucá, o senador Renan Calheiros e o ex-presidente José Sarney por tentativa de obstrução da Justiça. Para o então procurador, a gravação era tão grave que motivou um pedido de prisão dos três políticos. No último dia 8, Janot solicitou o arquivamento do caso por falta de provas. Diz o ministro do STF Gilmar Mendes: “Os inquéritos alongam-se indevidamente porque não se faz investigação, papel que é da polícia e do MP. Depois, isso fica na conta do STF”.

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Realidades distintas – Em Curitiba, Lula já foi condenado e está na iminência de ser preso. Em Brasília, Fernando Collor, um dos primeiros a cair no escândalo, continua flanando no Congresso (Geraldo Magela/Agência Senado e Ricardo Stuckert/)

O problema para o STF é que, mesmo nos casos nos quais há indícios e provas à farta, os políticos com mandato continuam leves e soltos. Que o diga o senador Fernando Collor de Mello, citado por um delator em 2014, ainda nos primórdios da Lava-Jato. Apesar de a investigação contra ele reunir até recibos de propina, conforme revelado por VEJA, Collor só se tornou réu há um mês.

A partir da chamada “primeira lista de Janot”, encaminhada ao Supremo em 2015, foram abertos mais de vinte inquéritos. Desse grupo de políticos, ex-políticos e operadores citados, apenas seis foram condenados (Eduardo Cunha, Pedro Corrêa, Luiz Argôlo, João Vaccari Neto, Antonio Palocci e Fernando Baiano), todos na primeira instância. Derrubado do mandato parlamentar pela ação de Janot, Cunha, por exemplo, acabou sentenciado à prisão pelo juiz Sergio Moro. Em Brasília, nada.

“A diferença de ritmo entre Brasília e Curitiba decorre primordialmente da lentidão característica de nossos tribunais. Não é um demérito dos ministros, e sim das engrenagens do sistema. O sistema, e não os julgadores, faz dos tribunais uma espécie de paraíso judicial para criminosos”, disse a VEJA o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol. Enquanto em Brasília expoentes do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça vira e mexe estão em pé de guerra, na capital paranaense impera a sinergia. Via de regra, Moro autoriza, com rapidez, a maior parte das diligências solicitadas pelos procuradores que possam rastrear o caminho do dinheiro desviado. Os resultados são eloquentes. Moro precisou apenas de seis meses para condenar o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada pelo recebimento de propina, depois de ser abastecido pelos investigadores de provas diversas, como recursos depositados no exterior em benefício do investigado. Como ensina a cartilha, o dinheiro foi devidamente seguido e rastreado.

“Se nada mudar, os políticos com foro ficarão impunes, mesmo que tenham sua corrupção provada pela Lava-Jato.” Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa (Heuler Andrey/AFP)

Foi de Moro também a primeira sentença condenatória contra o ex-­presidente Lula: nove anos e seis meses de cadeia. Hoje o petista é réu em outras seis ações. Moro deve sentenciá-lo em breve num processo que investiga o recebimento de favores milionários da Odebrecht. Dedicado exclusivamente à Lava-Jato, o juiz já proferiu 165 condenações e mais de 200 ordens de prisão. Ele gasta cerca de uma semana para aceitar uma denúncia, enquanto o prazo médio para o STF transformar um suspeito em réu é de 581 dias. Um processo do petrolão nas mãos de Moro é concluído em poucos meses. No Supremo, a média de tramitação de uma ação penal é de 1 377 dias. Historicamente, são raras as condenações na mais alta corte do país. A exceção mais conhecida foi o julgamento do mensalão. Foram sentenciados a 243 anos de prisão 24 mensaleiros, incluindo a antiga cúpula do PT. Muito desse resultado se deveu ao empenho pessoal do relator do mensalão, Joaquim Barbosa.

Hoje aposentado, Barbosa determinou que juízes de 47 varas federais em dezenove estados ouvissem mais de 600 testemunhas. Ainda assim, foram mais de sete anos para a conclusão do processo. Os ministros do Supremo reconhecem certo desconforto com os parcos resultados produzidos pelo tribunal na Lava-Jato. Além de terceirizarem responsabilidades para a PF e o Ministério Público, que pecariam na investigação, eles alegam que o STF não é afeito a questões penais. Argumentam ainda que a corte, por ser a última instância, tem de agir com precaução redobrada, já que suas decisões não podem ser reformadas. Diz o ex-­ministro Carlos Ayres Britto: “São onze pares de olhos sobre os fatos, onze experiências, onze vocações. A vontade colegiada se forma com mais dificuldade. O preço de tudo isso é a demora”. Demora que anda de mãos dadas com a impunidade.

Segundo o relator da Lava-Jato no Supremo, Edson Fachin, devem ser julgados neste ano só dois processos: contra a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, e o ex-líder do PP Nelson Meurer. Parece pouco, e é. Mas pode ser pior. Fachin luta para impedir que o plenário do tribunal reverta a decisão que autorizou a execução da pena de prisão depois de uma sentença de segunda instância. Esse entendimento deu fôlego às delações premiadas e à própria investigação. Se derrubado, pavimentará o caminho para que a cadeia desapareça do horizonte de corruptos consagrados. “A Lava-Jato é um conjunto de autos que representam um processo histórico e cultural de enfrentamento sistêmico da corrupção institucionalizada no Brasil. Por isso, é preciso firmeza, celeridade e um olhar voltado para a linha do tempo”, disse Fachin, por meio de nota, a VEJA. Bonito discurso. Falta agora acelerar a sua prática.

(Arte/VEJA)

Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549

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