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Não passarão

Migração dos partidos de direita e de esquerda para o centro abriu espaço para os políticos radicais na Europa - mas eles estão longe de assumir o poder

Por Johanna Nublat Atualizado em 29 set 2017, 06h00 - Publicado em 29 set 2017, 06h00

As últimas eleições em países ocidentais deram um susto nas fileiras dos defensores da democracia e do capitalismo globalizado. Cada votação parecia a consagração de ideias nacionalistas radicais ou de políticos populistas de direita. Entre os países acometidos por essa patologia estão Inglaterra, Estados Unidos, Áustria, Hungria, Polônia, Holanda, França e, agora, Alemanha. O apoio às bandeiras extremistas, porém, tem se mostrado limitado, mais relacionado à frustração com os expoentes da política tradicional do que a um endosso real das propostas radicais.

A chanceler alemã Angela Merkel recebeu esse recado com clareza na eleição legislativa de 24 de setembro. Sua aliança de centro-direita, formada pela CDU (União Democrata Cristã) e pela CSU (União Social Cristã), conseguiu manter a maior bancada no Parlamento, mas amargou seu pior resultado desde 1949. A legenda de centro-­esquerda que hoje compõe o governo com Merkel, SPD (Partido Social Democrata), também foi punida como nunca pelos eleitores. O espaço perdido pelo centro foi ocupado pelos liberais do FDP (Partido Livre Democrático) e — de um modo que assustou o mundo democrático — pela extrema direita representada pela AfD (Alternativa para a Alemanha). A rejeição aos partidos tradicionais moderados vem como um déjà-vu. Em abril passado, os franceses barraram os candidatos das duas principais legendas do país ainda no primeiro turno, levando para o segundo turno o recém-formado partido centrista de Emmanuel Macron e a extrema direita de Marine Le Pen. Venceram Macron e o seu movimento político En Marche, em grande medida graças à aversão de boa parte do eleitorado em relação a Le Pen.

German Chancellor Angela Merkel and French President Emmanuel Macron wave to the crowds during a welcoming ceremony a day after the new French president took office on May 15, 2017 at the chancellery in Berlin. / AFP PHOTO / Tobias SCHWARZ
Moderação – O presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel: vitória contra o radicalismo (Tobias Schwarz/AFP)

A debandada sofrida pelos principais partidos reflete o desânimo dos eleitores com a elite política. No voto alemão, o sentimento ficou evidente com a ascensão da AfD, que superou com folga a cláusula de barreira para entrar no Parlamento e capturou 13% dos votos. É a primeira vez que um partido com discurso xenófobo e nacionalista chega ao Legislativo desde a II Guerra Mundial. É um exagero, porém, interpretar o bom resultado da AfD como um indício de uma nova ascensão nazista na Alemanha, ainda que parte dos integrantes do partido reverbere ideias neonazistas. Seis em cada dez eleitores da AfD disseram ter votado não por se identificar plenamente com os valores da sigla, mas para se posicionar contra as demais legendas. “Os partidos bem estabelecidos tendem a se definir segundo temas socioeconômicos, algo no mínimo secundário para muitos eleitores. Internamente, porém, eles estão divididos em relação a novos assuntos, como a integração europeia, o que faz com que acabem minimizando essas questões ou elaborando políticas sem muita convicção”, diz Cas Mudde, especialista em extremismo político da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos. Essa indecisão levou muitos eleitores a se afastar.

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A ascensão dos extremos também se explica pelo movimento das legendas tradicionais em direção ao centro do espectro político. “A divisão entre esquerda e direita, que dominou a política partidária europeia na maior parte do último século, tornou-se esponjosa”, diz Michael Bröning, da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao SPD alemão. “Partidos de centro-esquerda moveram-se para a direita ao abraçar posições pró-mercado e pró-negócios, alienando grande parte de sua base. O mesmo pode ser dito dos partidos conservadores europeus, que passaram por uma significativa abertura cultural em direção à esquerda.”

O resultado é uma lacuna na representação política, que tem sido preenchida pela extrema direita e, em menor grau, pela extrema esquerda. Isso se aplica ao caso de Merkel, que caminhou para a esquerda nos seus doze anos de governo, abrindo um flanco à direita de seu partido, ocupado nesta eleição pela AfD. (A legenda ganhou impulso sobretudo pela decisão da chanceler de abrir o país à leva de refugiados no fim de 2015.) Também se aplica ao socialista francês François Hollande, um presidente tão impopular que nem tentou disputar a reeleição no pleito deste ano.

(Arte/VEJA)

A desilusão do eleitorado fez aflorar o populismo, instrumento político que andava meio em baixa na região. Com variantes locais, o populismo reapareceu com força em sucessivas eleições recentes, em alguns casos aproximando-se do poder, ao captar a existência de um mal-estar profundo em relação à grave crise da União Europeia. Diz Erik Brattberg, diretor do programa europeu da Fundação Carnegie para a Paz Internacional: “A AfD da Alemanha baseia-se numa fórmula anti-imigração e de direita, similar ao movimento de Donald Trump, nos Estados Unidos, à Frente Nacional de Marine Le Pen e ao Brexit, assim chamado o voto pela saída da Inglaterra da União Europeia. Há ainda uma sobreposição no fato de as pessoas se sentirem ‘esquecidas’ e ‘pouco ouvidas’ pela ‘elite’, o que também é comum a Trump e à Frente Nacional”.

Apesar da ascensão de radicais e populistas em eleições recentes, é preciso ver o lado positivo da equação. Nos Estados Unidos, Trump foi eleito mais pelos erros e pela impopularidade da adversária, a democrata Hillary Clinton, do que por uma súbita guinada do eleitorado americano para a direita — e, nunca é demais lembrar, teve menos votos do que Hillary. Após o Brexit, a Inglaterra discute uma saída menos traumática e mais integrada ao bloco europeu. Na França, na Áustria, na Holanda e, agora, na Alemanha, radicais de direita mostraram os músculos, mas a verdade é que não chegaram nem perto do poder. Mais de 87% dos alemães, afinal, votaram em partidos democráticos, apesar dos repetidos ataques de terroristas islâmicos e da onda de refugiados. Mesmo entre os que se renderam à AfD há uma rejeição a propostas extremadas, o que ficou evidente com a decisão, anunciada em 25 de setembro, de Frauke Petry, ex-líder do partido, de abandonar a sigla por desavenças com sua ala mais radical.

Caberá aos políticos no comando, incluindo a chanceler Angela Merkel, que negocia com os liberais do FPD e os Verdes a formação de uma nova coalizão para engatar seu quarto mandato no governo, perceber a frustração dos eleitores e reconquistá-los. Agora que a mensagem aos partidos tradicionais está dada, trata-se de impedir que o namoro com populistas e extremistas se transforme em casamento. Uma coisa é certa: a Alemanha de 2017 não é a Alemanha de 1933, quando os nazistas chegaram ao poder via Parlamento. É muito melhor.

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Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550

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