Guerra de palavras
Trump e Kim Jong-un, da Coreia do Norte, abusam das declarações explosivas, mas ambos têm ótimas razões para evitar um confronto nuclear
A julgar pela virulência dos petardos verbais trocados entre o presidente americano Donald Trump e o ditador norte-coreano Kim Jong-un, o planeta está a poucos minutos de uma guerra nuclear. “É melhor a Coreia do Norte não fazer mais ameaças aos Estados Unidos. Ela terá pela frente fogo e fúria como o mundo jamais viu”, esbravejou Trump na terça-feira 8. Um dia depois, os norte-coreanos emitiram um comunicado: “O Exército está analisando seriamente um plano para atacar (a ilha americana) Guam com o uso simultâneo de quatro foguetes Hwasong-12 para interditar as forças do inimigo nas bases militares e enviar um alerta crucial aos Estados Unidos”. A declaração desce a detalhes como o trajeto que seria percorrido pelos quatro artefatos: eles voariam 3 356 quilômetros em menos de dezoito minutos e cruzariam os céus sobre as “províncias japonesas de Shimane, Hiroshima e Kochi” (no oeste do arquipélago). O plano para executar a agressão estaria concluído em meados deste mês, quando seria entregue ao “comandante em chefe da força nuclear”, o Grande Sol do Século XXI — um dos epítetos de Kim Jong-un. Até o momento, nada indica que algum dos dois esteja falando sério.
O jornal francês Libération fez uma montagem espirituosa com o cabelo de Trump e o rosto de Kim para simbolizar como os líderes estão intrincados e se parecem, sobretudo, no que diz respeito ao interesse imediato: ameaçar, mas sem dar passos concretos na direção do confronto. Trump não enviou mais soldados para a região nem corrigiu o rumo de seus navios de guerra. Em abril, quando ele afirmou estar mandando uma poderosa armada na direção da Coreia do Norte, a reação de Kim veio no costumeiro tom tonitruante — prometeu “devastar impiedosamente” os Estados Unidos em caso de ataque de Washington. Trump, no entanto, foi flagrado dias depois na mentira — a tal armada estava bem longe, em exercícios militares na Austrália.
Trump e Kim Jong-un sabem que, na hipótese de uma guerra, ambos teriam muito a perder. Para o ditador, o principal temor diz respeito à própria sobrevivência e à de seu regime. Seu arsenal nuclear é seu escudo. Na semana passada, o jornal The Washington Post revelou que os norte-coreanos conseguiram miniaturizar uma ogiva nuclear capaz de ser transportada por um de seus mísseis. Até então, a maior parte dos analistas acreditava que só dentro de alguns anos o país teria sucesso em projetar uma ogiva compacta o suficiente para ser acoplada a um míssil intercontinental. A reportagem do Post baseou-se em documentos secretos do governo americano. Diz Brian Finlay, do centro de pesquisas em segurança Stimson, de Washington: “Já não se trata de saber se o mundo pode conviver com uma Coreia do Norte montada em armas nucleares, o que parece ser uma evidência, mas como aprenderemos a lidar com essa condição”.
Com popularidade em baixa, Trump poderia se sentir tentado a fazer o que já fizeram outros presidentes americanos para melhorar a sua imagem — criar um fato novo, preferencialmente bélico. A dissuadi-lo da ideia está, entre outras coisas, a imprevisibilidade da reação norte-coreana, cujo arsenal se encontra montado em plataformas móveis, algumas de localização desconhecida. “A hipótese de a disputa se alongar e provocar muitas vítimas americanas teria um custo alto para Trump”, diz Benjamin Valentino, professor de relações internacionais na Universidade Dartmouth. Até o momento, esse cenário está mais distante do que fazem supor os insultos hiperbólicos vindos dos dois lados. A guerra, por enquanto, é para ver quem grita mais alto.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543