Curtindo adoidado
Em 'De Volta ao Lar', inspirado num clássico adolescente de 1986, Tom Holland é o mais jovem e o melhor dos atores a encarnar o Homem-Aranha no cinema
Peter Parker adorou a viagem para a Alemanha patrocinada pelo Homem de Ferro. Curtiu conhecer ídolos como o Capitão América (ainda que estivesse lutando contra ele), sentiu-se o máximo ao derrubar o gigante Homem-Formiga usando um truque aprendido em Star Wars — O Império Contra-Ataca, e assombrou-se com a destruição no aeroporto em que os Vingadores se enfrentaram. Agora, depois de tanta excitação, nada: Peter está de volta à escola, montando uma Estrela da Morte com o amigo Ned (Jacob Batalon), suspirando cada vez que Liz (Laura Harrier) passa pelo corredor e escondendo-se de sua tia May (Marisa Tomei) para ir lutar contra o crime depois do horário de aula. Batedores de carteira e ladrões de bicicleta, temei: do alto dos prédios, e dos seus 15 anos, o Homem-Aranha tudo vê. Mas aquele telefonema tão esperado para combater supervilões, esse não vem. Na sua ansiedade, Peter vai arrumar encrenca de verdade, porque é isso que adolescentes fazem: calculam mal seus poderes e também as consequências. E, interpretado pelo inglês Tom Holland em Homem-Aranha — De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, Estados Unidos, 2017), já em cartaz no país, o super-herói iniciante nunca foi tão adolescente quanto nesta sua terceira encarnação no cinema — um encantador emaranhado de empolgação e insegurança, impaciente com o mundo adulto mas sequioso por ingressar nele.
Apresentado à plateia em Capitão América — Guerra Civil, na cena em que os super-heróis da Marvel partem uns contra os outros num pátio de aeroporto na Alemanha, Tom Holland foi sucesso imediato entre os fãs. Elogiadíssimo no teatro em Billy Elliot — O Musical, e revelado no cinema em um desempenho estupendo em O Impossível, de 2012, Holland, de 21 anos, é um ator de grandes promessas. É também bem mais jovem que seus antecessores Tobey Maguire e Andrew Garfield, e conta com algo que é, nessa conjuntura, um bônus: a integração do Homem-Aranha, cujos direitos cinematográficos pertencem à Sony, à supervisão criativa dos estúdios Marvel. Nem todos os filmes da Marvel nascem iguais mas, no conjunto, suas irregularidades sobressaem menos que as qualidades comuns a eles — o timing cômico, a abordagem mais realista, a cativante imperfeição humana dos heróis. A Marvel é, ainda, uma motoniveladora na bilheteria. Holland, enfim, chegou ao papel certo na hora certa.
Dirigido por Jon Watts, egresso de programas satíricos como The Onion e autor do tenso A Viatura, De Volta ao Lar toma liberdades com os quadrinhos que talvez não caiam bem com leitores fiéis — por exemplo, o uniforme repleto de recursos que o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.) dá ao jovem pupilo. À parte do público que não se perturba com tais divergências, o filme oferece, primeiro, o excelente Abutre de Michael Keaton, um vilão que intimida justamente por serem tão mesquinhas as suas motivações. Traz ainda deliciosas participações do Capitão América (Chris Evans) e promete, na atriz Zendaya, uma ótima parceira para a próxima aventura. Mais do que tudo, porém, o diretor e os roteiristas acertam na inspiração que foram buscar: o mais espirituoso e inteligente de todos os filmes adolescentes, Curtindo a Vida Adoidado (1986), explicitamente homenageado em diversas ocasiões. Um jovem com aspirações necessita de um mentor, e Jon Watts e Peter Parker não poderiam ter escolhido melhor do que o diretor John Hughes e seu protagonista, o invencível Ferris Bueller.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2017, edição nº 2538