Números divulgados pelo Ministério da Fazenda mostram que, de 2007 a 2016, o Brasil despendeu 723 bilhões de reais em subsídios diversos, incluindo as taxas módicas do BNDES. Longe de trazerem dinamismo à economia, os subsídios causaram uma espécie de dependência química. Inicialmente trouxeram euforia, mas logo em seguida debilitaram o organismo: os investimentos caíram, a infraestrutura permaneceu precária e a indústria minguou. Com o aumento do déficit público exigindo o controle de gastos, grupos empresariais organizados entraram em crise de abstinência. Agora se contorcem e fazem de tudo para ter de volta os estímulos. Dizem que os subsídios são necessários para combater uma doença crônica do Brasil: a falta de financiamento privado de longo prazo.
O diagnóstico é falho. O Brasil já teve um mercado de longo prazo com fontes privadas. Esqueçam o que aprendemos na maioria dos livros de história: a Primeira República não se resumia às fazendas de café em São Paulo e de leite em Minas. Especialmente entre os anos 1890 e 1915, floresceu um dinâmico mercado de debêntures, títulos de longo prazo emitidos por empresas. Investidores compram esses papéis e, assim, emprestam às empresas para que elas toquem os projetos. Em artigo com Aldo Musacchio e João Manoel Pinho de Mello, fizemos uma estimativa do tamanho do mercado de debêntures nos dias de hoje caso houvesse a mesma dinâmica encontrada na Primeira República, considerando o crescimento da economia de lá para cá. O resultado: quase duas vezes o que o BNDES empresta atualmente! Naquela época, o governo criou um ambiente favorável à garantia e ao retorno dos empréstimos, reduzindo os riscos percebidos por investidores privados dispostos a financiar empresas.
Anos de intervencionismo e má condução da economia fizeram os empresários exigir subsídios para compensar os riscos que o próprio governo criou. Resolver esse problema implica melhorar o ambiente de negócios, em vez de mascarar o sintoma com capital público paliativo. Considere o exemplo de um projeto de dragagem portuária em Santos. Investidores privados compraram debêntures que financiaram a ampliação de um canal marítimo. Para garantir que o empréstimo seria pago ao longo dos anos, foram dadas como garantias as tarifas cobradas para a passagem dos navios. Por se tratar de um terminal privado, os preços foram negociados entre as próprias companhias, eliminando de cara o risco de o governo intervir buscando “tarifas módicas”.
Os subsídios ao crédito fazem parte do problema, e não da solução. Causam um enorme custo ao Tesouro, impedindo uma queda mais generalizada dos juros, e inibem o desenvolvimento do crédito privado, mantendo os grupos empresariais em um ciclo de dependência do setor público. Em tempos de reforma, é hora de esses grupos mudarem seus hábitos e pensarem mais em como redesenhar a estratégia dos seus negócios em vez de circular por Brasília para saciar seu vício.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2017, edição nº 2542