Biblioteca essencial
Uma seleção de cinco obras fundamentais, clássicas no sentido mais pleno do termo, que percorrem temas variados da história dos negros no Brasil
A literatura sobre a situação dos afrodescendentes brasileiros é vasta. Os cinco livros selecionados aqui representam essa variedade — da campanha pelo fim da escravidão à crítica do mito da democracia racial.
O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco (BestBolso; 224 páginas; 22,90 reais)
Herdeiro de tradicional família de proprietários pernambucanos, Joaquim Nabuco (1849-1910) tornou-se uma das vozes mais eloquentes do movimento que pedia o fim da escravidão. Panfleto publicado em 1883, quando o autor servia como diplomata em Londres, O Abolicionismo transcende o fim político imediato que pretendia alcançar: o ensaio, a um só tempo lúcido e apaixonado, já previa que a abolição não seria o passo final no caminho para fazer dos negros cidadãos plenos. Junto com a denúncia sistemática da escravidão, o autor exalta a contribuição dos afrodescendentes para o país: “A raça negra nos deu um povo”.
Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (Global; 768 páginas; 140 reais)
O ensaio de “interpretação do Brasil” foi quase um gênero literário autônomo na primeira metade do século XX. Esta obra do pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) talvez seja seu clássico maior. Tem sido criticada, com alguma razão, por idealizar a colonização portuguesa e escamotear a violência na relação entre o senhor de engenho e seus escravos (e, sobretudo, escravas). Mas este livro representou o rompimento definitivo com o racismo pseudocientífico do século XIX e tornou-se um capítulo fundamental da valorização da mestiçagem no Brasil. “Em tudo que é expressão sincera da vida, trazemos quase todos a marca da influência negra”, diz Freyre.
O Negro no Futebol Brasileiro, de Mário Filho (Mauad; 344 páginas; 66 reais)
Publicado em 1947, o livro do jornalista Mário Filho (1908-1966) relata como um esporte praticado no início do século XX por ingleses e filhos de ingleses começou a ser disputado também por negros, conquistando popularidade nacional. “Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco”, escreveu Mário Filho. Passou a servir como instrumento de ascensão dos negros. Como disse o jogador Robson, do Fluminense, ao ouvir um colega gritar imprecações contra um casal afrodescendente: “Não faz assim, eu já fui preto e sei o que é isso”.
Brancos e Negros em São Paulo, de Roger Bastide e Florestan Fernandes (Global; 304 páginas; 49 reais)
Nos anos 50, o brasileiro Florestan Fernandes (1920-1995) e o francês Roger Bastide (1898-1974), sociólogos da USP, lançaram-se, com o apoio da Unesco, a uma pesquisa pioneira sobre preconceito racial na maior metrópole brasileira. Em capítulos escritos ora por um, ora por outro autor, o livro colige seus achados. Os mecanismos pelos quais se fez a brusca transição do escravismo para o trabalho assalariado são analisados, devassando uma sociedade na qual, segundo Bastide, “o preconceito de cor identifica-se com o de classe”.
O Genocídio do Negro Brasileiro, de Abdias Nascimento (Perspectiva; 232 páginas; 45 reais)
Nelson Rodrigues o chamava de “único negro do Brasil” — o único, pelo menos, a ter “plena e trágica consciência racial”. Ator, dramaturgo, ativista, Abdias Nascimento (1914-2011), neste ensaio de 1978, volta-se contra o mito da democracia racial. Gilberto Freyre é acidamente definido como um “fértil criador de miragens”, e o processo de marginalização social dos afrodescendentes é descrito como um genocídio.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2017, edição nº 2557