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Aqui, uma proposta

Como a roubalheira a que assistimos não é uma questão cultural, chegou a hora de discutir um plano organizado e amplo para enfrentar a corrupção 

Por Caio Magri* e Jorge Hage**
Atualizado em 29 set 2017, 06h00 - Publicado em 29 set 2017, 06h00

Como o Brasil deve enfrentar a corrupção? Essa é a pergunta que todo cidadão faz ao abrir o jornal ou ligar a TV. A resposta simplista é que se trata de uma questão cultural, diante da qual nada pode ser feito, pois nós, brasileiros, estamos fadados a essa condição. Isso não é verdade. A corrupção é um problema que acompanha a humanidade desde seus primórdios. Apesar de condenada por todas as filosofias, ela não era combatida pelos governos até a segunda metade do século XX, e, nos países industrializados da Europa, o pagamento de propina, por suas empresas, nas nações menos desenvolvidas, era até estimulado, permitindo-se sua dedução no imposto de renda. É na década de 70 que os Estados Unidos aprovam uma lei para punir tais condutas e passam a pressionar os demais países a fazer o mesmo, de modo a não deixar suas empresas em desvantagem. Acabam tendo êxito, já no fim do século, com a celebração da Convenção da OCDE contra o Suborno. Posto o tema, pela primeira vez, como global, seguem-se novos tratados, culminando, em 2003, com a Convenção da ONU com recomendações anticorrupção para todos os países.

Isso indica clara mudança de perspectiva sobre o fenômeno, que deixa de ser visto como questão apenas cultural para ser entendido como problema de muitas faces, entre elas uma institucional — dependendo seu controle da existência de instituições que as nações podem criar. Por isso mesmo, a corrupção se alastra nos países que disso não cuidam e é mantida em patamares bem mais baixos nos que tratam de fazê-lo.

Entre nós, esse enfrentamento é recente. Foi a partir da Constituição de 1988 e com a Lei da Improbidade Administrativa que começamos a construir esse marco legal — embora limitado ao plano repressivo. No campo da prevenção, só na virada do século vieram as primeiras medidas de relevo, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Lavagem de Dinheiro e a instituição do Coaf, órgão encarregado de fiscalizar movimentações financeiras. Seguiram-se a criação da Controladoria-Geral da União (CGU), com seus sistemas de fiscalização, correição e ouvidorias, o fortalecimento da Polícia Federal, com as operações contra a corrupção, a autonomia do Ministério Público e a especialização de varas do Judiciário. Depois, vieram o Portal da Transparência e as leis de Acesso à Informação, de Conflito de Interesses e da Ficha Limpa. Da parceria entre a CGU e o Instituto Ethos nasce o Programa Pró-­Ética, que, a cada ano, vê duplicar o número de empresas com bons programas de integridade corporativa.

Mais recentemente, a Lei Anticorrupção e a Lei das Organizações Criminosas trouxeram novos avanços. A primeira, pelo estímulo aos programas de compliance das empresas, que passam a ser as maiores interessadas na prevenção, porque responderão, com seu patrimônio, por qualquer infração praticada em seu interesse. A segunda, pela ampliação da capacidade investigativa do Estado, com os modernos meios de obtenção de provas. (Os equívocos iniciais devem ser superados com a experiência.)

Daí resultou o êxito sem precedentes da Operação Lava-Jato, que revela, a cada dia, novos fatos a revoltar a nação.

Temos, então, um paradoxo? A construção desses instrumentos fez aumentar a corrupção?

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Pelo contrário: o espetáculo repugnante que ora se descortina aos olhos de todos é a revelação de práticas que sempre vigoraram na relação público-privada em nosso país. Só que tudo permanecia nas sombras. Suspeitava-se que elas ocorressem, mas não havia evidências concretas. Agora, graças aos instrumentos e instituições que o Brasil vem construindo — com o apoio de uma sociedade civil ativa e uma imprensa vigilante —, foi possível trazer à tona aquilo que se mantinha oculto, “embaixo do tapete”.

O momento pode parecer desalentador, mas constitui etapa pela qual o país teria de passar, até para generalizar-se a consciência da gravidade do problema, que agora sobe ao topo das preocupações nacionais. É hora, portanto, de redobrar esforços na luta contra a corrupção, até porque ainda há muito que fazer, a começar pela esfera da política. Contando-se com a exacerbação da consciência nacional sobre a questão ética, é razoável esperar uma melhor escolha dos eleitos.

Para tanto, muito contribuiria uma reforma política profunda, que, não podendo ocorrer neste momento, exigirá a mobilização da sociedade, tal como aconteceu com a Lei da Ficha Limpa. E mais: impõe-se construir uma estratégia que reúna todos os segmentos da sociedade em torno de um conjunto de propostas. A isso vem o Instituto Ethos dedicando esforço que pretende compartilhar com todas essas forças.

O espetáculo repugnante da corrupção pode parecer desalentador, mas o país tinha de passar por essa fase

Para formulá-lo, como ponto de partida para o debate, optou-se pela metodologia da Transparência Internacional, que possibilita analisar as condições dos países de forma sistêmica, de modo a avaliar sua capacidade de prevenir, investigar e combater a corrupção. Assim, analisou-se a evolução do esforço do Brasil e constatou-se o quadro de importantes conquistas acima descrito. Dessa maneira, foi possível identificar as lacunas ainda existentes, a ser preenchidas, no Sistema de Integridade Nacional.
As medidas para isso voltadas comporão o Plano Nacional de Integridade, Transparência e Combate à Corrupção. Elas são de três espécies: medidas de reforma institucional, de repressão ao ilícito e de prevenção da corrupção.

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No primeiro bloco, incluem-se propostas de reforma política, alterações das normas de foro privilegiado, escolha de membros de tribunais de contas, requisitos de probidade para a nomeação de ministros de Estado e redução dos cargos de livre escolha. Entre as do segundo grupo estão alterações no processo penal e tipificação dos crimes de caixa dois e de enriquecimento ilícito. E, no terceiro, a ampliação da transparência em todos os poderes, a revisão das normas de licitação, a regulamentação do lobby, a ampliação dos estímulos à integridade empresarial e a melhoria da regulação e do ambiente de negócios. Merece destaque, ainda, a ênfase na implementação da Lei das Estatais, que regula área até então não alcançada pelas medidas já em uso nos demais setores da administração e na qual se verificaram os principais problemas de corrupção. Completam o plano iniciativas de mobilização e educação da cidadania e ampliação do controle social.
O mecanismo de construção de um plano dessa importância requer o envolvimento de distintos segmentos da sociedade em discussões públicas sobre tais temas. Uma dessas oportunidades ocorreu no último dia 27 de setembro, quando da realização da Conferência Ethos 360°, em São Paulo. Ali foram apresentadas propostas, abertas à contribuição de todos, que resultarão em projetos de lei, emendas, posicionamentos públicos ou campanhas de mobilização.

Muitas outras oportunidades como essa devem seguir-se. O período eleitoral que se avizinha, longe de ser empecilho, constitui oportunidade para a mobilização em busca de compromissos por parte dos candidatos. Parece certo que a luta contra a corrupção haverá de ser um dos principais temas nas eleições de 2018. E esta é a hora de preparar-se a sociedade para esse embate. O desafio é construir uma iniciativa única, abrangente, que mobilize a todos na luta pela integridade e contra a corrupção.

Os avanços já obtidos no campo da punição dos ilícitos, por mais importantes que sejam, não nos devem iludir como garantia contra novas ocorrências. Os fatos têm demonstrado que não é assim que funciona. É preciso investir também em medidas preventivas. E essa é a aposta do Plano Nacional de Integridade aqui esboçado para o debate público.

* Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU
** Jorge Hage, ex-ministro da CGU e sócio-fundador da Hage, Navarro, Fonseca, Suzart & Prudêncio Consultoria em Compliance

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº2550

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