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Anatomia de um gênio

Uma nova biografia de Leonardo da Vinci faz um exame da construção de seu múltiplo talento

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 out 2017, 06h00 - Publicado em 20 out 2017, 06h00

Ao dobrar a casa dos 30 anos, Leonardo da Vinci (1452-1519) vivia acossado por tormentos existenciais. “Não nos faltam recursos para contar estes dias miseráveis”, desabafou o mestre da pintura em seus célebres cadernos. Razões para se exasperar fartas. Aproximando-se da metade de sua vida, Da Vinci parecia fadado a ser um daqueles talentos esmagados entre a promessa e o sucesso. Exibia no currículo um par de Madonas que não se distinguiam daquelas pintadas por outros artistas, algumas colaborações brilhantes mas periféricas em trabalhos de terceiros, além de dois projetos com potencial de se tornar obras-primas — só que irrealizados. Enquanto lutava, em vão, para conquistar as graças dos patronos florentinos, rivais bajuladores como Sandro Botticelli ganhavam regalias. “Me diga se algum dia alguma coisa já foi feita. Me diga. Me diga”, lamentava repetidamente o futuro criador da Mona Lisa, quadro que sintetiza a ideia de perfeição na arte. Sim, Leonardo da Vinci foi um gênio. Ainda assim, revelava-se falho, inseguro e altamente dispersivo. Ou seja: no fundo, era profundamente humano. Como então, apesar desses traços mortais, ele acabou passando à história na condição de uma das mentes mais excepcionais da humanidade?

É essa pergunta que o americano Walter Isaacson faz — e responde com brilho — na mais nova, completa e elucidativa biografia do personagem. Leonardo da Vinci, que foi lançada mundialmente no dia 17 e está saindo no Brasil pela editora Intrínseca, apresenta em suas mais de 600 páginas mais do que uma radiografia do homem que se tornou o símbolo da inquietude renascentista, ao se devotar com igual ímpeto à arte, à ciência, à engenharia e à criação de armas de guerra, entre mil outras áreas de interesse. Sua trajetória ensina, sobretudo, como as pessoas podem extrair pílulas inspiradoras de seu modo de encarar a vida. “Todos nós podemos fazer o mesmo copiando as atitudes de Da Vinci, em qualquer idade”, disse Isaacson em entrevista exclusiva a VEJA.

ilusionismo visual Duas faces de Da Vinci: na Mona Lisa, o cientista capaz de usar a óptica para criar um sorriso que só se vê por certos ângulos; em São João Batista (à dir.), a audácia de usar o namorado como modelo de um santo andrógino (Gianni Dagli Orti/CORBIS e Luisa Ricciarini/Leemage/Getty Images)

Isaacson é o guia ideal na tarefa de examinar como se dá a construção de um gênio. São do veterano jornalista da Time e da CNN as melhores biografias de Steve Jobs (1955-2011), fundador da Apple e criador do revolucionário iPhone, e também do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), que estabeleceu os princípios da teoria da relatividade e da física quântica. Ao se debruçar sobre a vida e os feitos dessas figuras, encontram-se boas pistas sobre a questão essencial: o que é, afinal, um gênio? Diante de um Einstein ou de seu predecessor entre os grandes formuladores das teorias que regem o universo, o inglês Isaac Newton (1643-1727), ninguém tem dúvida de que o epíteto faz jus à mente dessas pessoas extraordinárias. Mas genialidade é um conceito relativamente recente, e de definição difícil. Não à toa, as tentativas de mensurá-la podem se revelar frustrantes. O teste de Q.I., a ferramenta mais consagrada para identificar as grandes inteligências, já mostrou que professores medianos alcançavam pontuações mais altas que as de um Nobel de Física como o americano Richard Feynman (1918-1988). O pioneiro da eletrodinâmica quântica tinha um Q.I. de 127 — desempenho respeitável, mas nada além disso. Exames no cérebro do próprio Einstein — retirado e guardado sem autorização da família pelo patologista americano que fez sua autópsia — igualmente geraram muita especulação, mas nenhuma descoberta conclusiva sobre a genética da genialidade.

 

No caso de Da Vinci, fala-se de um tipo de genialidade que não poderia ser aferido em medições convencionais. Até o surgimento de talentos como ele, nem sequer havia a noção de artista tal e qual se conhece hoje — os pintores de seu tempo, incluindo ele próprio, não assinavam suas obras. Foi só no embalo da visão de mundo idealizada dos artistas e pensadores românticos, no século XIX, que se cristalizou a acepção de gênio consagrada até hoje: alguém com inteligência e talento sobre-humanos, e portanto mais próximo do divino que das pessoas comuns. Na nova biografia, Isaacson esclarece que aplicar essa lógica a Da Vinci é um retumbante equívoco. Que um Newton ou um Einstein tinham uma capacidade de raciocínio muito superior à das pessoas em geral é fato. Mas Da Vinci era um fenômeno de outra natureza. “O que fez de Leonardo um gênio e o diferenciou do restante das pessoas que são apenas ex­traor­dinariamente inteligentes foi a criatividade, a habilidade de aplicar a imaginação ao intelecto”, diz o biógrafo. Nesse sentido, Da Vinci foi um gênio do tipo “gente como a gente”. Autodidata e sem educação formal, ele se valeu de uma ferramenta prosaica — a curiosidade — para pavimentar o caminho rumo à genialidade. “O fato de Leonardo não ser apenas um gênio mas também extremamente humano faz com que ele nos pareça mais acessível”, escreve Isaacson.

Seguindo a receita de Da Vinci para investigar qualquer fenômeno, o autor foi direto à fonte: usou como base de seu livro as anotações nas mais de 7 000 páginas de escritos deixados pelo próprio Da Vinci. É uma massa de informação tão notável quanto o conjunto de e-mails de Steve Jobs a que Isaacson teve acesso. Com desenhos, estudos científicos e anotações espelhadas — quer dizer, registradas da direita para a esquerda, com as letras ao contrário —, essas notas alimentaram os mistérios e enigmas sobre o pintor que desaguariam num best-seller conspiratório como O Código Da Vinci, de Dan Brown.

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Leonardo da Vinci, de Walter Isaacson (tradução de André Czarnobai; Intrínseca; 640 páginas; 69,90 reais e 44,90 reais na versão digital) (//Divulgação)

Ainda que a genialidade do italiano seja de natureza totalmente diversa daquela ostentada por Einstein ou ­Jobs, Da Vinci comunga um traço eloquente com esses outros gigantes: desde cedo, enquadrava-se na notória categoria dos desajustados. Da Vinci nasceu de uma aventura fortuita de seu pai. Isso acarretou a mágoa de nunca ter sido legitimado nem ter tido direito à herança. Mas o fato de não ser filho “oficial” de um bem colocado tabelião o livrou da obrigação de seguir tal profissão — e óbvio que Da Vinci, com sua mente hiperativa e dispersiva, nunca poderia ser feliz numa função cartorial modorrenta. Como Einstein ou Jobs, ele não se dobrava à figura da autoridade. O renascentista adotou a tática típica de sua época de conquistar as graças de patronos poderosos — da família Médici, em Florença, a Ludovico Sforza, duque de Milão que teria mandado envenenar o sobrinho para tomar o poder, até o sanguinário César Bórgia. Nunca, porém, topou pintar o que não lhe apetecia, e conservou consigo por toda a vida parte substancial de suas obras-­primas, incluindo a Mona Lisa.

Na construção do gênio Da Vinci, não se deve desprezar, ainda, o peso de outra característica que fazia dele um “diferente”: sua homossexualidade. Se biógrafos do passado procuraram esconder esse dado, sob o eufemismo de que ele seria celibatário, Isaacson reafirma que Da Vinci foi gay — e expunha sua sexualidade sem pudor. O artista teve ao menos dois companheiros ao longo da vida. O mais notório deles, conhecido pelo apelido de Salai — ou Diabinho —, tinha apenas 10 anos quando foi morar com Da Vinci e logo se revelou um vigarista. Mas a prova de que o amor perdoa qualquer coisa são os belos retratos que o artista produziu de Salai — é ele o modelo da efeminada figura de São João Batista na obra-prima tardia do mestre. Isaacson fornece uma divertida recriação do impacto da figura de Da Vinci nas cortes dos séculos XV e XVI. Musculoso, belo e carismático, ele circulava com um séquito de jovens seguidores igualmente bem-apessoados. Vestia-­se como um dândi, com uma túnica cor-de-­rosa que cobria até os joelhos, além de usar mantos e acessórios que eram o último grito da moda, não raro adornados com brilhantes. Bancava um guarda-roupa ainda mais cintilante para o endiabrado Salai.

 


A MENTE VISIONÁRIA

Embora a maioria de suas ideias nunca tenha saído do papel, Da Vinci antecipou com notável propriedade invenções e achados científicos que demorariam séculos para se concretizar

(Royal Albert Memorial Museum and Art Gallery/)

1 – Anatomia
Da Vinci dissecou mais de trinta cadáveres para rea­lizar aqueles que foram os estudos de anatomia humana mais precisos até então. Além de fazer representações minuciosas de músculos, ossos e órgãos, é autor de descobertas caras à medicina. Ao estudar as artérias enrijecidas de um homem centenário, descreveu pela primeira vez a arteriosclerose

(Royal Albert Memorial Museum and Art Gallery/)

2- Óptica
Ele estudou o olho humano, inclusive em cadáveres, para entender como as imagens são captadas e decodificadas no cérebro. E aplicou seus conhecimentos de forma diligente ao criar ilusões visuais complexas em obras como A Última Ceia — que desafia a percepção do espectador ao combinar, disfarçadamente, uma miríade de pontos de fuga desconexos

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(Royal Albert Memorial Museum and Art Gallery/)

3- Leis da Física
Ao investigar o voo dos pássaros, observou que as asas exercem pressão sobre o ar e o ar exerce pressão contrária sobre as asas. Trata-se do primeiro esboço da lei de ação e reação entre os corpos, que seria apresentada 200 anos depois pelo físico inglês Isaac New­ton. Seus estudos das aves também prenunciaram as leis do atrito

4- Aviação
Da Vinci passou a interessar-se por engenhocas capazes de voar quando concebeu alegorias para teatro e espetáculos de rua. Mas logo mergulhou em especulações científicas que levaram a vislumbres primitivos de asas mecânicas, planadores e helicópteros

(Royal Albert Memorial Museum and Art Gallery/)

5- Cartografia
Da Vinci rompeu com séculos de representações geográficas estilizadas e nada precisas. Com a ajuda de um aparelho que inventou para medir longas distâncias, fez os primeiros mapas aéreos confiáveis. De precioso uso militar, eles inauguraram a cartografia moderna


 

O fato de ser gay e filho ilegítimo — e também canhoto e vegetariano — certamente moldou a figura anticonvencional de Da Vinci. Mas o ingrediente fundamental para delinear o gênio era sua postura perante o mundo: sua curiosidade buscava abarcar todas as coisas, dos grandes fenômenos atmosféricos às engrenagens das máquinas, estabelecendo analogias desconcertantes e avançadíssimas. Com base em suas observações sobre os redemoinhos formados nos rios, ele propôs uma explicação sobre como a corrente sanguínea controlaria os movimentos da válvula aórtica, no coração. Pois bem: somente em 2014, com técnicas de ressonância magnética, pesquisadores da Universidade de Oxford desvendaram o mecanismo de abertura e fechamento da válvula. Da Vinci estava certo.

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A profusão de interesses do gênio era inesgotável — e o levava a pular de uma disciplina a outra. Ele não fazia questão de completar uma tarefa antes de se lançar à seguinte. No seu cardápio variadíssimo, a pintura não ocupava o lugar mais relevante. Ao contrário. Na carta em que pediu emprego ao duque milanês Ludovico Sforza, Da Vinci descreveu uma longa lista de atributos a oferecer, da engenharia militar à arquitetura — só faltou dizer que lavava e passava de graça. Apenas lá pelo fim informa: “Da mesma forma, na pintura, eu posso fazer tudo o que for possível”. Isso se repetia na hora de definir prioridades: na maior parte de seu tempo útil, Da Vinci era um equivalente renascentista do carnavalesco Joãosinho Trinta. Sua função básica nas cortes de Florença ou Milão era conceber e dirigir espetáculos públicos grandiosos, nos quais podia criar alas de soldados vestidos de tanga para representar pagãos e levar a plateia ao delírio com engenhocas como um ovo gigante que se abria para revelar uma representação do paraíso. Foi dando asas à fantasia nesses eventos que ele teve ideias que mais tarde passaria a explorar com rigor científico — caso das notórias tentativas de criar máquinas voadoras. Ao oferecer seus préstimos de engenheiro militar aos poderosos, Da Vinci colheu resultados tão pífios quanto os obtidos com suas traquitanas de voo. Mas daí veio pelo menos uma inovação duradoura: a invenção dos primeiros mapas aéreos com medidas precisas, que iriam se tornar um diferencial estratégico nas batalhas — e inaugurariam a cartografia moderna.

Quando se acompanha o desfile vertiginoso de atividades de Da Vinci, constata-se que ele não concluiu a maioria dos projetos em que se envolveu. Ou, ainda, se devotou com obsessão a desafios que não pareciam levar a lugar nenhum. Ao longo do tempo, especialistas como o historiador da arte inglês Kenneth Clark lamentaram que o gênio, em vez de pegar nos pincéis, tenha perdido tanto tempo com suas idas e vindas e gastado energia em criações efêmeras como desfiles de rua, ou na compulsão meio onanista para solucionar problemas matemáticos inúteis. Isaacson discorda — e com razão. Nos espetáculos que dirigiu, Da Vinci burilou o senso de dramaticidade que marcaria suas obras. E foi de seus mergulhos na matemática e na anatomia que vieram as inovações engenhosas de seus quadros.

O efeito prático de seu desejo de conhecer minuciosamente todas as coisas pode ser constatado em obras-primas como o painel Virgem dos Rochedos. Na obra que retrata a Virgem Maria junto com o menino Jesus, São João Batista ainda criança e um anjo, tudo exala uma atmosfera francamente fantástica. O diabo é que cada detalhe das rochas e espécies de planta obedece a uma visão científica rigorosa. Mais que as ciências naturais, foram os estudos da óptica e da anatomia que fizeram de Da Vinci um gênio da pintura. Ao dissecar o olho humano em cadáveres, no porão fétido de uma igreja em Florença, ele deduziu que a luz que emana dos objetos se reflete em toda a superfície da retina, e não apenas em um ponto, como se imaginava. Parece um pormenor técnico sem maior importância, mas isso define a nossa percepção visual do mundo. Aos olhos das pessoas, concluiu Da Vinci, corpos e objetos não têm contornos bem definidos. Técnicas como o sfumato e o chiaroscuro foram as ferramentas com que ele aplicou seu domínio da óptica para realçar a ilusão da tridimensionalidade e produzir outro efeito típico: em meio às zonas de sombra e contornos borrados de suas obras, o espectador é lançado num clima de dubiedade sensorial e mistério.


O PINTOR REVOLUCIONÁRIO

Com base na experimentação técnica e em observações científicas, Da Vinci introduziu uma série de inovações que transformaram a arte, como se constata em detalhes da Virgem dos Rochedos

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1 – Geologia
O cenário é francamente imaginário, mas dotado de rochas que existem de fato, como o arenito e a diábase. O artista as distribuiu da forma como ocorrem na natureza

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2 – Sfumato
A técnica vem da constatação de Da Vinci de que a visão humana não enxerga contornos definidos no mundo real. Com pinceladas sutis ou usando até a ponta dos dedos, ele borrava as fronteiras entre objetos e personagens

3 – Expressividade
Para o pintor, as expressões faciais funcionam como janelas das emoções. Ainda que sejam emoções dúbias: é difícil decidir se o anjo andrógino que aponta para São João Batista esboça um ar respeitoso ou irônico enquanto encara o espectador

4 – Movimento
Até Da Vinci surgir, a pintura era estática. Ele dinamitou isso ao compor balés de gestos e corpos que se torcem, criando uma narrativa cheia de drama e vivacidade

5 – Botânica
Grande observador das plantas, Da Vinci adornou a paisagem com reproduções precisas de espécies reais e as distribuiu no quadro respeitando suas preferências ambientais

6 – Chiaroscuro
Da Vinci explorou ao máximo o contraste entre as sombras e as áreas iluminadas da pintura. Ao destacar volumes e imitar o efeito da luz natural, potencializou o realismo e a ilusão tridimensional

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7 – Perspectiva
Da Vinci levou à perfeição a técnica que permite a representação tridimensional na superfície plana. Essa ilusão é realçada pelo contraste entre a pouca nitidez do fundo e a alta definição de detalhes próximos dos olhos do espectador, como o braço do menino Jesus


 

Nesse ponto, a concepção de mundo e da arte de Da Vinci o pôs em rota de colisão com outro gênio da Renascença: Michelangelo (1475-1564). Em certo momento, as autoridades florentinas promoveram uma disputa entre seus dois maiores artistas, algo como um Milan x Inter aguerrido. Enquanto Da Vinci foi comissionado para criar sua Batalha de Anghiari na parede de um palácio, Michelangelo trabalhava em uma cena da Batalha de Cascina na outra. As duas obras se perderam, mas sobreviveram esboços e notícias das farpas entre ambos — narradas pelo primeiro biógrafo da dupla, Giorgio Vasari (1511-1574). Consta que Da Vinci não era competitivo, mas se irritou com a montanha de peladões musculosos retratados com contornos definidíssimos — em claro choque com seu estilo — pelo rival mais jovem. “Não se devem fazer todos os músculos do corpo tão evidentes, senão se acaba produzindo um saco de nozes”, espinafrou Da Vinci. Curiosamente, o gay bem resolvido via como um despropósito os bofes escandalosos de Michelangelo, igualmente gay — mas atormentado. Outra birra envolveu o Davi, obra-prima de Michelangelo. Da Vinci defendeu a ideia de que a estátua fosse instalada num canto escondido de Florença — e perdeu. Talvez apenas para infernizar o outro, já que seus próprios desenhos não denotavam uma carolice extremada digna dos justiceiros da internet brasileira, Da Vinci sugeriu também que as partes íntimas da estátua fossem cobertas com um tapa-sexo, e aí obteve certo êxito — por um período, a genitália de Davi foi escondida sob um adorno de bronze.

Enfim, o assunto inescapável: a Mona Lisa. Isaacson faz um inventário de tudo o que já se escreveu e especulou a respeito da obra. Sobre a debatida identidade da personagem, nenhuma novidade: tudo leva a crer que ela era mesmo Lisa del Giocondo, jovem esposa de um comerciante. Mas Isaac­son tece uma análise iluminadora sobre aquele sorriso tremeluzente: graças a truques de óptica, ele é tão sutil que só se torna perceptível quando o espectador olha para a pintura por inteiro, ou para qualquer detalhe que não seja sua fisionomia. Quando se tenta focar diretamente a expressão dela, os olhos deixam de captar o fiapo de sorriso. E assim Da Vinci expõe uma sutileza suprema: emoções também podem ser elusivas. Mais que um mero retrato, a Mona Lisa é a síntese perfeita das concepções humanistas e científicas do pintor, reunindo numa só cena praticamente tudo o que ele estudou, da geologia das montanhas à anatomia dos músculos de seus lábios. “E quanto aos especialistas e críticos que se descabelaram pelo fato de Leonardo ter desperdiçado grande parte de seu tempo imerso em estudos sobre óptica e anatomia e à procura de padrões no universo? A Mona Lisa responde a todos com um sorriso”, diz Isaacson. Da Vinci resume, assim, a definição sagaz do filósofo Arthur Schopenhauer sobre colossos da sua estatura: “Talento é acertar um alvo que ninguém acerta. Genialidade é acertar um alvo que ninguém vê”.


“Ele foi o mais criativo”

Walter Isaacson, autor da nova biografia de Leonardo da Vinci, falou a VEJA sobre as peculiaridades do gênio

 

Caçador de cérebros – Isaacson: “Da Vinci era gay, e nunca se envergonhou disso” (//Divulgação)

Antes da biografia de Da Vinci, o senhor escreveu a de Steve Jobs e a de Einstein. O que há em comum entre os três? Todos esses gênios compartilham certos traços. Eles questionam a autoridade. Eles adoram a ciência e a arte. Eles são apaixonadamente curiosos. Einstein tinha uma mente superdotada que nunca poderíamos imitar. Mas Leonardo era um gênio porque o que o empurrava adiante eram a curiosidade e a observação das coisas cotidianas.

Que tipo de lição para a vida moderna se pode extrair de Da Vinci? O que torna Leonardo fascinante é que ele era muito humano. Ele cometeu erros. Ele procrastinou. Ele deixou projetos inacabados. Nós, simples mortais, podemos nos identificar com ele e tentar ser mais abertos às maravilhas da criação seguindo sua inspiração, em qualquer momento da vida.

O senhor afirma que Da Vinci sintetiza todos os gênios. Por quê? Ele foi o gênio mais criativo da história, pois tinha sede de investigar todos os campos do conhecimento. Via conexões entre anatomia e arte, ou o flu­xo das águas e o voo dos pássaros. Todos os dias, fazia anotações obsessivas sobre os mistérios da natureza.

Da Vinci era mesmo homossexual? Ele era gay, sem dúvida. Teve ao menos dois companheiros do sexo masculino ao longo da vida, e nunca se envergonhou disso. Seus retratos do namorado Salai, aliás, são lindos.

 

Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2017, edição nº 2553

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