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A xícara vai secar?

Estudo mostra que o aquecimento global ameaça a indústria cafeeira, o que poderá ser um golpe duro para os consumidores da bebida — e para o Brasil

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 set 2017, 06h00 - Publicado em 15 set 2017, 06h00
(Arte/VEJA)

Os brasileiros tomam, em média, cinco xícaras de café todos os dias. A bebida é a segunda mais consumida no país — perde apenas para a água. A demanda é alta, mas, hoje, a oferta também. O Brasil domina 32% da produção mundial do grão e é o líder do setor. Toda essa fartura, no consumo e na produção, no entanto, pode ser abalada. Um estudo divulgado na segunda-fei­ra 11 pela Universidade de Vermont (EUA), referência em climatologia, apontou para um futuro amargo. Segundo a pesquisa, efeitos do aquecimento global, que tem desbalanceado o clima no planeta, podem reduzir em até 88% as áreas próprias para cultivo de café na América Latina — o principal polo produtor — nos próximos quarenta anos.

São duas as principais espécies de café: a arábica, que representa 70% da safra mundial, e a robusta, ambas presentes no Brasil. Tanto uma como a outra necessitam de condições muito específicas para crescer. A arábica tem de ser cultivada em temperaturas que vão de 15 a 24 graus. A robusta floresce entre 22 e 26 graus. Assim, qualquer variação no clima acaba por prejudicar as plantações. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, um aumento de 3 graus na temperatura global já reduziria em 50% as áreas cultiváveis em países como Brasil, Vietnã, o segundo maior produtor mundial, e Colômbia, o terceiro da lista.

Disse a VEJA o agrônomo argentino Pablo Imbach, do Centro Internacional de Agricultura Tropical, integrante da equipe que fez o novo estudo: “Um dos diferenciais da nossa pesquisa é que, em vez de só focarmos medidas preventivas que poderiam ser aplicadas nas fazendas, mostramos a importância de também preservar florestas e proteger polinizadores das plantações, como as abelhas, de modo a mitigar esse problema”. O trabalho publicado pela Universidade de Vermont, e apoiado financeiramente por instituições como a Iniciativa Global do Clima e o Banco Mundial, é o primeiro a balancear as consequências de efeitos diretos e indiretos das mudanças climáticas nos cafezais.

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Com isso, revelou-se, por exemplo, que a redução no número de insetos no ambiente — como as abelhas, responsáveis pela polinização de 40% das fazendas de alimentos consumidos por humanos — seria devastadora para a produção de café. Ainda não se sabe ao certo por que as abelhas estão sumindo, mas a aposta mais concorrida sugere que seja uma combinação de fatores: a disseminação do uso de pesticidas, a ação de parasitas, a perda de hábitat pelo desmatamento de florestas e, por fim, o vaivém do clima, que deixa estações menos definidas, além de levar a altas e quedas bruscas nas temperaturas, bagunçando o ciclo de desenvolvimento de flores das quais aqueles insetos são dependentes. Resultado: nos Estados Unidos, as colônias foram reduzidas à metade e, na América Latina, estima-­se que o número caia 65% até o ano de 2050.

O estudo da universidade americana analisou as consequências desse somatório de problemas nas plantações de café do tipo arábica. O continente latino-americano, responsável por mais de 80% do abastecimento global do grão, seria o mais afetado. Só no Brasil, calcula-se que o impacto chegará a uma diminuição de 60% dos terrenos férteis. Já é possível sentir os primeiros ventos desse desastre. Em 2016, após um período de secas, o Estado do Espírito Santo viu sua produção de café encolher 30%, e, com isso, o preço do produto capixaba aumentou 43% para o consumidor final. Segundo cálculos do sindicato da indústria no Espírito Santo, a dramática situação deve se estender ao menos até 2019, quando se espera que as chuvas voltem. Entretanto, pelo que indica a nova pesquisa da Universidade de Vermont, o cenário positivo não se prolongará por muito tempo.

Obviamente, a economia mundial sofrerá o impacto da provável crise a ser enfrentada pelo setor cafeeiro. Cerca de 20 bilhões de dólares são movimentados com a exportação do grão, resultado do consumo diário de 2,25 bilhões de xícaras de café. Há setenta países que comercializam a commodity e todos devem ser afetados. De acordo com o biólogo americano Taylor Ricketts, da Universidade de Vermont, e também autor do novo trabalho, “25 milhões de fazendeiros e cerca de 100 milhões de trabalhadores, a maioria habitantes de áreas pobres, dependem da lida nos cafezais”.

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O café não é o primeiro — e provavelmente não será o último — produto a receber prognósticos de teor apocalíptico atrelados às mudanças climáticas que tomaram o mundo de assalto em consequência de ações humanas como a emissão de gases de efeito estufa pela indústria. As plantações de cacau, por exemplo, também se veem ameaçadas. Estima-se que já em 2020 a demanda por chocolate ultrapasse a produção — mais em função de uma redução da segunda e não apenas pelo aumento da primeira. Se essa situação se concretizar, barras da iguaria devem encarecer 60% mundo afora. O assim chamado “chocalipse” impactará principalmente nações que se si­tuam próximo da linha do Equador, tida como a região ideal para a germinação das sementes de cacau.

Há, no entanto, um alento. Com a palavra, o biólogo Ricketts, da Universidade de Vermont: “Assim como em outros casos de risco diante de mudanças climáticas, a previsão não é definitiva”. Segundo o IPCC, se a humanidade continuar a emitir gases poluentes na mesma toada de hoje, o aumento da temperatura mundial superará os 4 graus ainda neste século, um desastre para a agricultura. Mas, se houver substituição total das fontes energéticas sujas pelas sustentáveis até 2050, como quer a ONU, a elevação se restringirá a 1,5 grau — diminuindo a probabilidade de desastre. Ou seja, há ainda saborosa esperança de que o hábito do cafezinho pós-almo­ço possa ser desfrutado pelas próximas gerações.

Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2017, edição nº 2548

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