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A única ponte para o futuro

'Vidas Secas' aponta para a educação que o país não conquistou

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 25 ago 2017, 15h14 - Publicado em 25 ago 2017, 06h00

– Os últimos parágrafos de Vidas Secas contêm uma promessa que ainda não se cumpriu — e nessa distância reside o dilema do Brasil. A leitura é obrigatória, mas difícil, pois dilacera quem não tenha a consciência embotada por privilégios de magistrados, com tantos penduricalhos incorporados ao salário; aliás, recebido todos os meses como se, apenas por não ser ilegal, o imoral fosse da ordem do ordinário. Claro: mas quem julga as leis? Os próprios beneficiários da hermenêutica “meu pirão primeiro”. E nunca ficam sequer ruborizados — às favas o pudor: eis o espírito do tempo.

– No mundo contemporâneo, nenhum país se metamorfoseou em nação sem investimentos concentrados e de longo prazo em áreas estratégicas: educação, ciência, tecnologia. Saúde e segurança, em tese, deveriam ser direitos inalienáveis — e básicos. É uma desfaçatez propor recursos públicos para duvidosos partidos políticos sem a resolução urgente de questões tão primárias e que afetam toda a sociedade.

– Depois de uma travessia assaz perigosa, palmilhando a barco seco todo o sertão, Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos sem nome se aproximam de um centro urbano. Pela primeira vez, o casal dialoga; isto é, projeta um futuro possível. Conheço o trecho de cor, mas sempre me comovo ao relê-lo: “Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando. Acomodar-­se-iam num sítio pequeno, o que parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra. Mudar-se-iam depois para uma cidade, e os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes deles”.

– Nossos magistrados recebem auxílio-moradia mesmo quando residem no local em que exercem suas funções. Sem dúvida: e ainda tantos outros auxílios curiosos que tais. Não haverá espelhos em sua casa? Não leram Machado de Assis? Não pensam em sua biografia? Nesse oceano de passos falsos, como servir de exemplo à família?

– Os meninos sem nome foram batizados por Clarice Lispector em A Hora da Estrela: Macabéa. Ironia que corta fundo: uma semianalfabeta, datilógrafa. Presa ao presente eterno de informações desconectadas de uma Rádio Relógio que nega o tempo que (não) passa.

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Como Nascem os Anjos (1996), filme de Murilo Salles, investe no mesmo tema com grande sensibilidade. Maguila, Branquinha e Japa se veem envolvidos numa sucessão de acasos que reduzem seu (breve) tempo de vida a um presente sem sentido: pura sucessão de azares. Angústia radical que os leva literalmente a se matarem como se não entendessem as consequências de seus gestos.

– Esqueço a prudência: tratar a educação, a ciência e a tecnologia como “gastos contingenciáveis” é ainda mais grave do que receber malas de dinheiro com a naturalidade de quem vocifera: ora, ser padrinho de uma boda não configura intimidade, muito menos parentesco; aqui, sem regras.

– Os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes deles. Eis a única ponte para o futuro — não há outra.

Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2017, edição nº 2545

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