Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O desterro atrás das grades

Segundo o Itamaraty, no fim de 2010, existiam 2.659 brasileiros encarcerados em alguma parte do globo. Entre os sentenciados, dois estão condenados à morte

Por Branca Nunes
7 fev 2012, 17h57

João Paulo Escudeiro de Mauro, 20 anos, é piloto de corridas. Ricardo Costa, 39, é modelo. Rodrigo Moreto Cubek, 30, é advogado. Rodrigo Gulart, 37, é surfista. Marco Archer Cardoso Moreira, 48, é instrutor de voo livre. Luiz Antonio Scavone Neto, 20, é estudante. Esses seis brasileiros têm algo em comum. Todos estão ou estiveram presos em países estrangeiros. Segundo o Itamaraty, no fim de 2010, existiam 2.659 brasileiros encarcerados em alguma parte do globo. Entre os sentenciados, dois foram condenados à morte.

Enquanto Ricardo Costa prepara a volta ao Brasil depois de mais de 1.100 dias preso sem julgamento nos Estados Unidos, dois novos casos ganharam as manchetes dos jornais em janeiro deste ano. Durante um cruzeiro do Allure of the Seas, o maior transatlântico do mundo, Luiz Antonio Scavone Neto foi detido em território americano sob suspeita de ter estuprado uma garota de 15 anos. A adolescente, nascida nos Estados Unidos, relatou à polícia ter sido forçada a manter relações sexuais com Scavone e com outro brasileiro menor de idade numa das cabines do navio. No último dia 19, João Paulo Escudero Mauro acabou preso em Miami acusado de dirigir sob a influência de entorpecentes, homicídio culposo e posse de cocaína. Todos juram inocência.

De acordo com o Itamaraty, o número de brasileiros presos, cumprindo pena ou aguardando julgamento no exterior tem flutuado nos últimos anos entre 2.500 e 3.000 pessoas. Entre os países com maior quantidade de brasileiros detidos estão a Espanha (465), Portugal (256) e Estados Unidos (243). Nos EUA e na Europa, um dos crimes mais comuns é “situação imigratória irregular”. Nos países vizinhos da fronteira norte do Brasil, principalmente na Guiana Francesa “atividade ilegal de garimpagem”. Só em Caiena, capital da Guiana Francesa, existem 114 brasileiros detidos.

Garimpo ilegal – Na Guiana e no Suriname, embora não sejam presos por garimpo ilegal, a maior parte dos detentos cometeu crimes vinculados a essa prática, como contrabando de combusível, tráfico de mercúrio e homicídios. “O garimpo é uma atividade extremamente violenta e normalmente envolve dezenas de outros crimes”, explica Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior do Itamaraty. Na primeira vez em que são flagrados pela Justiça, essas pessoas são deportados para o Brasil. Da segunda em diante, ficam alguns meses detidas, o que faz com que muitas usem identidades falsas, dificultando o trabalho dos diplomatas brasileiros.

“A detenção máxima na Guiana Francesa é de três anos”, revela Luiza. “A intenção deles não é manter essas pessoas na prisão e aumentar o contingente carcerário, mas mandá-las o mais rápido possível de volta para o país de origem”. De acordo com Luiza, esse crime tem se mantido estável nos últimos anos. Na Venezuela, entretanto, onde era bastante comum, praticamente desapareceu. “A polícia venezuelana militarizou as regiões de garimpo, coibindo a prática”, diz Luiza. Moradores dos estados do Amapá, Pará ou Amazonas, os garimpeiros são homens, de uma classe social baixa.

Acima dessas particularidades regionais, a acusação que lidera o ranking é a de tráfico de substâncias ilícitas, normalmente cometido por homens, com idade entre 18 e 35 anos, sem antecedentes criminais. São os chamados mulas. Os países onde os brasileiros mais cometem esse delito estão na Europa e na América do Sul. As cidades capeães em número de detentos são Ciudade del Este (75) e Pedro Juan Caballero (79), no Paraguai, Buenos Aires (128), na Argentina, Lisboa (250), em Portugal, Roma (65) e Milão (94), na Itália, e Madri (300) e Barcelona (141), na Espanha – muitos brasileiros também estão presos na Espanha por falsificação de documentos e violência doméstica (a legislação local sobre o tema é bastante rígida).

“As mulheres também cometem esses crimes, mas os homens ainda são maioria”, afirma Luiza. “Esses chamados mulas são atraídos por promessas de dinheiro fácil e enxergam nisso uma possibilidade de conseguir recursos para começar uma nova vida num país estrangeiro. De 10 mulas, só um é pego. Já que normamente não têm antecedentes criminais, eles costumam alegar que não sabiam que estavam portando drogas”. Esses presos raramente ganham notoriedade. Os casos que costumam ganhar visibilidade envolvem algumas particularidades (veja galeria abaixo).

Continua após a publicidade

Pena capital – Na categoria “narcotráfico” se enquadram Marco Archer Cardoso Moreira, hoje com 48 anos, e Rodrigo Gularte, 37, condenados à morte na Indonésia por tráfico de drogas. Moreira foi preso em 2003 e, Gularte, em 2005. O primeiro transportava 13,4 quilos de cocaína numa asa delta. O segundo, 6 quilos da droga em pranchas de surfe. Pedidos de clemência do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados não comoveram o presidente indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono.

Também condenado por tráfico de drogas, Rogério Paez, 54, ficou encarcerado na Indonésia por oito anos, antes de ser solto em 2011. Parado numa blitz em Bali, onde morava fazia 10 anos, foi preso por causa de um cigarro de 3,8 gramas de haxixe. Engenheiro civil, fluente em oito idiomas, Rogerinho Rock’n’roll – como era conhecido nas areias de Niterói, sua terra natal – afirmou em entrevistas que foi salvo pelo budismo, religião a qual se converteu quando já estava atrás das grades.

Ricardo Costa, preso em Sedona, no estado do Arizona, em 19 de dezembro de 2008, foi acusado pela ex-mulher de abusar sexualmente dos próprios filhos. Ele ficou mais de 1.100 dias atrás das grades, sem julgamento. A fiança, que só poderia ser paga em dinheiro, foi estipulada em 75 milhões de dólares – uma das maiores da história dos EUA. Michael Jackson, por exemplo, acusado do mesmo crime, pagou 3 milhões de dólares para recuperar a liberdade.

O reencontro – Embora ignore o dia, a hora e o local, Cristina Costa, mãe de Ricardo, espera abraçar o filho antes do Carnaval. “Eles dizem que não podem revelar os detalhes por uma questão de segurança”, diz ela. “Sei apenas que ele será deixado em solo brasileiro. Pode ser em Porto Alegre, ou em Manaus, de manhã, ou à noite”. O Itamaraty só admite que Ricardo estará no Brasil “nos próximos meses” (o Ministério das Relações Exteriores evita aprofundar-se em casos específicos “para preservar a privacidade dos cidadãos envolvidos”).

Cristina e Sérgio Costa, pais de Ricardo Costa
Cristina e Sérgio Costa, pais de Ricardo Costa (VEJA)

O pesadelo de Ricardo começou durante uma audiência do processo de divórcio com a ex-mulher Angela Denise Martin. Cristina e o pai de Ricardo, Sérgio de Souza Costa, testemunharam a chegada dos policiais incumbidos de capturá-lo. A denúncia se baseou na palavra da psicóloga Linda Bennardo, que na época atendia os três filhos do casal. Segundo Linda, as crianças descreveram os crimes durante as sessões de psicoterapia. Meses depois, a terapeuta foi acusada pela entidade que regulamenta a profissão no estado de induzir pacientes menores de idade a mentir, declarando-se vítimas de abuso sexual. Ela renunciou à profissão antes que fosse formalmente proibida de exercê-la. Mesmo alegando inocência, Ricardo continuou preso.

Continua após a publicidade

O imbróglio jurídico se estende desde então. A família de Ricardo acredita que a demora excessiva do julgamento do caso pela Justiça americana resulta da ausência de provas e dos equívocos processuais. “Conceder a liberdade era o mesmo que confessar que mantiveram um inocente preso por anos”, afirma Cristina. “As irregularidades começaram no momento em que detiveram meu filho e se estenderam durante todo o processo, que passou pelas mãos de cinco juízes e cinco promotores. Ninguém queria assumir essa culpa”. Ricardo recusou dezenas de acordos que, em troca da confissão e do completo afastamento dos filhos, garantiriam a liberdade e a deportação para o Brasil.

A campanha pela soltura de Ricardo mobilizou o Itamaraty, a Secretaria de Direitos Humanos, embaixadores, senadores e deputados. “Recebemos toda a ajuda possível”, agradece Cristina. “Não somos de família influente, não temos pistolão e mesmo assim a solidariedade e o apoio foram totais”.

Relações exteriores – Conforme explica o Ministério das Relações Exteriores, as autoridades consulares começam a agir assim que são comunicadas oficialmente das detenções. O primeiro passo é entrar em contato com a Divisão de Assistência Consular do Itamaraty e visitar o preso para verificar sua condição física e psicológica. Caso seja autorizado pelo detento, o Itamaraty entra em contato com os familiares. “Alguns presos pedem que a detenção não seja informada, ou que alguns dados relativos à acusação não sejam divulgados, o que é respeitado”, afirmou o ministério, em nota. “A partir daí, a atuação da autoridade consular depende dos dados concretos de cada ocorrência. No entanto, a assistência consular tem como diretriz acompanhar os casos de que o consulado toma conhecimento, sempre buscando se certificar de que os direitos dos brasileiros estão sendo respeitados”. Os parentes podem apelar para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Segundo Luiza Lopes, o Itamaraty sempre procura transferir o preso de volta para o Brasil. Dependendo do país onde estão detidos, entretanto, alguns preferem não retornar. “Na Escandinávia, na Austrália e na Nova Zelândia, por exemplo, eles têm estudo e trabalho de qualidade na prisão”, conta. “No Paraguai a situação é diferente. Muitos querem continuar por lá porque já respondem a crimes, as vezes mais graves, no Brasil”.

Apesar da atuação ser condicionada às leis de cada país, bons advogados podem ter papel determinante para que o caso chegue com mais rapidez a um final feliz. O empenho das autoridades brasileiras também pode ajudar bastante, como atesta o exemplo de Ricardo Costa. Nem sempre dá certo, como comprovam os casos de Cardoso Moreira e Gularte. As muitas tentativas fracassadas não diminuíram as esperanças. Eles ainda acreditam que podem converter em prisão perpétua a condenação à morte.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.