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‘Não desfiz a cara que estava’, diz Soninha sobre vídeo com Doria

Ex-secretária da Assistência Social afirma que foi tirada do cargo por não corresponder às expectativas do tucano, que não eram ‘realizáveis em três meses’

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 18 abr 2017, 15h55 - Publicado em 18 abr 2017, 14h53

Nesta segunda-feira, menos de uma semana após completar 100 dias no cargo, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) anunciou a primeira mudança em seu secretariado: Soninha Francine (PPS) deixou o comando da pasta de Assistência e Desenvolvimento Social. Em sua conta no Facebook, o prefeito publicou um vídeo com a ex-auxiliar, em que falava sobre a saída e tecia alguns elogios, apesar de dizer que queria uma “força maior” na gestão da área.

Na legenda, escreveu que a decisão foi tomada em conjunto com a vereadora, que foi duas vezes candidata à Prefeitura de São Paulo. Ela discorda. “É uma pena que ele tenha dito isso, porque eu não quero que as pessoas pensem que eu quis sair. Eu não correspondi às expectativas do prefeito, porque as expectativas dele não se cumpririam em três meses. Não eram realizáveis em três meses”, explicou a VEJA a agora ex-secretária.

Nas redes sociais, o vídeo foi considerado “constrangedor”. Soninha disse que foi procurada por várias pessoas, que disseram que ela fez “uma cara ruim” na gravação com o prefeito. Segundo ela, isso foi, apenas, a reação natural de uma pessoa demitida. “Não é que eu fiz uma cara, é que eu não desfiz a cara que eu estava. Eu tinha sido demitida, estava mal. E eu não sou mentirosa.”

Em entrevista a VEJA, Soninha, que reassumirá nos próximos dias o mandato de vereadora em São Paulo, falou sobre os cerca de três meses como secretária, da sua experiência ao lado de Doria e da visão que tem dos desafios da assistência social na capital paulista, agora sob o comando de Filipe Sabará, que era o secretário-adjunto da pasta. Da experiência, ela só guarda uma mágoa: não ter conseguido terminar o que começou. “Gestão é um forte meu, sim, mas porra, eu precisava de tempo.”

Como foi sua experiência na secretaria?

Eu amei. É uma pena ter começado tantas coisas que eu não vou poder concluir e nem ter começado algumas que são o esqueleto, aquilo que não é tão visível, mas que, se você não consertar, nada se mantém em pé. É um tesão chegar a um local assim, com um conhecimento prévio como eu tinha. Ter sido vereadora, ter sido subprefeita, já ter lidado com o Executivo municipal, seus labirintos e defeitos e o conhecimento de chão, de ser e ter sido ativista.

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Eu encontrei aqui pessoas que têm gosto em contribuir, desde que tenham a oportunidade, de que haja a oportunidade. Você vai conhecendo as pessoas, você vai se acostumando, enfim, estávamos animados, engatando a segunda.

Se vocês estavam nessa ascendente, por que a mudança?

O prefeito já vinha ao longo das últimas semanas me cobrando resultados que eu não era capaz de entregar e acredito que ninguém seria. Há muitas coisas que não dependem da pressa da gente. Não tem como correr mais, trabalhar mais horas do que eu trabalhei. Não tem como ser mais aguerrida do que eu fui. As coisas em assistência social não se resolvem rapidamente. Eu não obtive os resultados que o prefeito queria.

Que tipo de resultado?

Coisas mais visíveis, digamos assim.

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Resultados que fossem mais “apresentáveis”?

Sim, nós trazíamos resultado de atividades-meio, avaliações de processos. Coisas de anos e anos de burocracia, de serviço público, que nós estávamos pesquisando e resolvendo. Vinha um despacho para eu assinar e aí era uma coisa simples, “fica registrado que o serviço mudou de nome”. Como eu sei que as coisas vão se cristalizando e ficam erradas, eu dizia “deixa aí, que eu vou ler o processo inteiro” e mandava corrigir tudo dali por diante. Toma um tempo você ler e analisar um processo de 200 páginas, para dar um encaminhamento. Descobri que os processos de aluguéis são superdefeituosos, por exemplo. Como o serviço é avaliado como “bom” se tinha isso, isso e isso de errado. Quando você pega e folheia o processo inteirinho, ajuda, as pessoas se sentem recompensadas, as pessoas ficam com tesão de trabalhar. Mas isso não é visível, não é palpável. Eu chegava na reunião de secretariado e não tinha uma apresentação, o que mostrar.

Não tem como correr mais, trabalhar mais horas do que eu trabalhei. Não tem como ser mais aguerrida do que eu fui. As coisas em assistência social não se resolvem rapidamente. Eu não obtive os resultados que o prefeito queria.

Você já estava esperando isso?

Sim, porque a expectativa não correspondeu ao que esperavam nesses três meses. O prefeito me ligava, me cobrava. E assim, quando te ligam várias vezes e você não dá a resposta que a pessoa espera, começa a ficar um clima estranho. Então, eu esperava, sim.

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Você acha que isso é algo típico da iniciativa privada?

Não sei, pode ser. Não é nem por ser iniciativa pública ou privada, é porque nessa área, em Assistência Social, os resultados não são visíveis, palpáveis. Mas, bom, se você for pensar, ser demitida com três meses não é algo normal do serviço público.

Como foi a formação da equipe? Você teve liberdade?

Algumas, sim. Outras foram indicadas, eu entrevistei e adorei. Algumas pessoas que eu vou carregar para onde eu puder. Há também algumas pessoas que foram indicadas pelo (Filipe) Sabará, que era o secretário-adjunto, que ele acabou tendo uma equipe para trabalhar só com ele.

Uma equipe para quê?

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Ele ficou incumbido de cuidar de alguns projetos específicos, o Espaço Vida [programa de revitalização de albergues] e o Trabalho Novo [projeto que visa a fechar parcerias para dar emprego a moradores de rua]. Estava difícil cuidar de tudo, de projetos e da reestruturação de tudo. Então, como estávamos batendo cabeça, o Filipe cuidaria especificamente desses projetos. E eu não cuidaria de nada deles, mas ficaria responsável por todo o resto.

Você era a secretária e não se envolveu com esses projetos. Eles são bons?

O Espaço Vida é o aperfeiçoamento de propostas que, na verdade, já existiam. Ele não é novo totalmente. Quando foi criado, na gestão da Marta [Suplicy], o Espaço Boraceia já tinha essa lógica de que não era só alojamento, que foi se perdendo com o tempo e tal, mas que já existia. Não é uma ideia nova, mas tem algumas características acentuadas, como, por exemplo, a qualidade do espaço físico. Isso é legal.

O vídeo que o prefeito divulgou está repercutindo porque muitas pessoas estão vendo ele como constrangedor. O que você achou? Precisava desse vídeo?

Eu não estava feliz. Eu falei “a gente vai gravar um vídeo? Eu vou aparecer com essa cara?”. Eu até brinquei com ele: “E se eu chorar?”. Me falaram que tudo bem, que seria do meu coração. Várias pessoas me disseram que eu fiz ‘uma cara’, não é que eu fiz uma cara, é que eu não desfiz a cara que eu estava. Eu tinha sido demitida, estava mal. E eu não sou mentirosa.

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Várias pessoas me disseram que eu fiz ‘uma cara’, não é que eu fiz uma cara, é que eu não desfiz a cara que eu estava. Eu tinha sido demitida, estava mal. E eu não sou mentirosa.

Mas foi uma coisa difícil? Vocês tiveram algum desentendimento?

Não, me avisaram e falaram que queriam que fosse da melhor forma possível, elegante. E, claro, eu também preferia que fosse assim. Foi aquilo de não ter sido tenso, mas uma pessoa demitida fica sempre aquela coisa, né? As pessoas estão me dizendo “não acredito que você saiu”. Eu não quis sair, mas é cargo de livre provimento, prerrogativa do prefeito.

Soninha, na publicação que o prefeito João Doria fez no Facebook, ele fala de decisão que vocês tomaram juntos, passando a impressão de que você também concordou com a saída. Não foi isso?

É uma pena que ele tenha dito isso, porque eu não quero que as pessoas pensem que eu quis sair. Eu não correspondi às expectativas do prefeito, porque as expectativas dele não se cumpririam em três meses. Não eram realizáveis em três meses.

O prefeito falou em “força maior” na gestão. Alguns comentários nas redes sociais associam isso a uma certa visão machista do prefeito, já que ele está te substituindo por um homem. Você teve essa visão também?

O que me incomodou nessa frase dele não foi ele ter falado em ‘força maior’, nessa ideia da força masculina em comparação com a força da mulher, não acho que tenha sido isso. O que me incomoda é a palavra ‘gestão’, é ele falar que ‘a Soninha é muito legal, é muito isso, é muito aquilo’, mas que gestão não é um ponto forte meu. Gestão é um forte meu sim, mas porra, eu precisava de tempo.

Sobre a Cracolândia e outros projetos que estavam sob o seu guarda-chuva: agora que o adjunto Sabará vai assumir a secretaria, você tem receio que os projetos que estavam com ele virem a prioridade?

Como a Cracolândia é prioridade para o prefeito, não vai deixar de ser, mas vai ter mudanças, por divergências que nós tínhamos, vai ser outro tratamento.

Que divergências?

O Sabará acredita totalmente no efeito do ‘trabalho’ como fator estruturante. Ele acredita, de verdade, que, se você oferecer trabalho supervisionado, preparar o mercado de trabalho, que é disso que a pessoa precisa. Muitas pessoas não têm condição de trabalhar. Pela idade, pela saúde mental, pelas condições físicas.

Muitas vezes foi a perda do emprego que levou a pessoa para a rua, mas não é só. Em decorrência disso, ela é afetada por muitas outras coisas e isso interfere, isso tem que ser pensado também.

Muitas vezes foi a perda do emprego que levou a pessoa para a rua, mas não é só. Em decorrência disso, ela é afetada por muitas outras coisas e isso interfere, isso tem que ser pensado também.

Para você, é uma visão que não resolve, de fato, o problema?

Ele fala em “porta de saída”. Em assistência social, essa é uma expressão cara, que representa que a vida da pessoa está resolvida, que ela pode voltar para a sociedade normalmente. E, para ele, ter esse trabalho é “porta de saída”.

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