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Holiday: o ‘coxinha da periferia’ e a difícil estreia parlamentar

Em pouco mais de um mês, líder do MBL - gay católico e negro contra cotas – teve de votar no PT, atenuou discurso das ruas e já enfrenta pedido de cassação

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 fev 2017, 11h31 - Publicado em 20 fev 2017, 20h19

Sentado numa poltrona de couro no gabinete 515 da Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Fernando Holiday (DEM), 20 anos, parece estar longe do seu habitat natural. Em cima da sua mesa, um encarte de folhas com o novo projeto de uso e ocupação do solo, uma caixa que guardava uma varinha de brinquedo do Harry Potter e um retrato dele pintado por um fã. Na decoração das paredes, uma bandeira do Movimento Brasil Livre (MBL) e uma foto emoldurada em preto e branco na qual aparece discursando num mega-protesto pró-impeachment – este, sim, um ambiente em que circula com desenvoltura.

Em menos de um mês de mandato, o vereador mais jovem a ser eleito na Casa Legislativa de São Paulo tenta se adaptar à nova realidade de pedidos de ordem, excelências e muitos, mas muitos conchavos. E não está sendo tarefa fácil. Só nesse primeiro mês, foi colocado sem saber numa comissão que não queria, obrigado a votar num parlamentar petista e contra uma emenda que ele próprio apresentou. Tudo para não prejudicar a base do governo João Doria (PSDB), da qual faz parte e defende com unhas e dentes.

No novo habitat, o parlamentar, que diz ser “mais do MBL do que do DEM”, mantém a prática de fazer discursos inflamados contra a esquerda e os movimentos negros e LGBT. Aliás, foi esse posicionamento que lhe deu notoriedade, justamente por ser um negro, gay, nascido na periferia paulista. No entanto, já aprendeu na prática que uma coisa é falar em cima de um carro de som e outra na tribuna.

“Há uma diferença entre estar numa manifestação e num plenário, fazendo parte da bancada do prefeito, que precisa passar um monte de projeto também com a aprovação do PT. O ativista não está preso ao decoro parlamentar nem ao regimento interno”, diz Holiday a VEJA. Bem articulado e de sorriso fácil, ele costuma responder às perguntas com um jeito tranquilo e sem mirar nos olhos do interlocutor, bem diferente dos vídeos publicados em suas redes sociais em que aparece com o dedo em riste, olhar fixo na câmera e semblante de indignado. “Nos vídeos, uso palavras mais diretas para conseguir mandar um recado. Aqui uma palavra a mais pode me custar o mandato. As palavras mudam, mas o conteúdo continua. Agora, tento me policiar mais”, completa.

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O estilo combativo do MBL, de procurar ridicularizar e desmontar os discursos de esquerda e depois colocar tudo isso na internet,  já lhe rendeu um pedido de cassação por parte da bancada do PT. No dia 10 de fevereiro, o youtuber Arthur Moledo, ligado ao MBL, abriu — sem autorização e com a câmera na mão — a porta do gabinete da liderança do PT, que estava reunida discutindo atividades do mandato da vereadora petista Juliana Cardoso. Um assessor de Holiday, Wesley Vieira, gravou por outro ângulo a cena. A Guarda Civil Metropolitana (GCM) acompanhava os dois garotos, a pedido do gabinete de Holiday.

A “invasão de uma reunião privada”, como classificou o PT, irritou os participantes que os expulsaram a tapas. Irritada, Juliana Cardoso desceu ao plenário para denunciar o ato e tirar satisfação com Holiday, a quem chamou de “moleque” — num momento de raiva, ela precisou ser contida por outros parlamentares. O tumulto resultou em dois pedidos de perda de mandato — um de Holiday contra Juliana por “insultos e tentativa de agressão física”; e outro da bancada do PT contra o coordenador do MBL por ter usado a estrutura do seu gabinete para “orquestrar” um “ato ilícito”. Os dois casos devem ser analisados pela Corregedoria da Casa, cuja composição ainda nem foi definida neste ano.

O parlamentar tentou justificar a ação, dizendo que portas de gabinetes públicos costumam ter a placa “Entre sem bater”, o que não era o caso da sala petista. “Exato. Mas o conceito de prédio permanece”, ponderou. Depois, afirmou que não viu a ação como uma invasão. “Teria sido um erro se ele tivesse entrado com tudo e interrompido a reunião. Na verdade, ele bateu na porta e, inclusive, a fechou logo em seguida, mas aí a confusão já estava armada. De qualquer forma, não havia assessores meus lá dentro. O Wesley estava fora. A única relação do meu gabinete foi pedir segurança para que não houvesse agressão”, explicou. Depois do ocorrido, Holiday passou uma ordem aos seus subordinados para que evitem participar de ações que não tenham a ver com o mandato.

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Voto em petista

Eleito com mais de 48.000 votos com o mote de não fazer parte da velha política, Holiday tem aprendido na marra como funciona o sistema. Na votação do projeto antipichação, que foi aprovado na Câmara na terça-feira passada e sancionado hoje pelo prefeito Doria, Holiday propôs uma emenda supressiva para tirar do projeto original os artigos que vetavam a venda de spray de tinta. “Era a favor da lei, mas contra onerar os comerciantes”. Acontece que os parlamentares decidiram deliberar sobre todas as emendas em bloco — e não de forma separada. Deste modo, a medida de Holiday foi apresentada junto com outras do PT e PSOL. “Tive que votar contra a minha própria emenda para não prejudicar o governo. São complexidades que quem está de fora não tem a noção”, afirmou.

No dia 10, mais uma vez contrariou os seus ideais ao votar no petista Senival Moura para comandar a Comissão de Transporte da Câmara. Explicou que tudo começou por causa de um “erro” do DEM, que o colocou num colegiado que nada tinha a ver com as suas bandeiras — queria o de Administração Pública e Orçamento para tratar de desburocratização e privatizações. “Foi uma sinuca de bico. Não sei porque me colocaram naquela comissão. Já pedi transferência”, disse. Ele explicou que não chegaram a lhe obrigar a votar em x ou y, mas, segundo as suas palavras, “expuseram-lhe um cenário e avisaram que cada atitude tinha uma consequência”. Por um acordo pré-definido, os cargos de liderança nas comissões são distribuídos segundo a representatividade de cada partido — o PT tem a segunda maior bancada da Casa, depois do PSDB. “Como eu não tinha muito tempo para decidir e até mesmo consultar o meu eleitorado, eu preferi a opção mais segura naquele momento”.

Além de estar se acostumando aos poucos aos trâmites da Casa, o vereador também está mudando o seu estilo de vida. Cogita se mudar da república do MBL, onde mora na Vila Mariana, para um prédio no centro. Usou o seu primeiro salário para comprar o terceiro terno de seu armário— os outros dois haviam sido custeados pelo MBL para ele frequentar o salão verde do Congresso na época do impeachment. E quer voltar a cursar direito no Instituto de Direito Público de São Paulo, que trancou para não bombar em faltas durante a campanha eleitoral. Aliás, o seu sonho mesmo era ser professor de faculdade. “Agora se a vida política der certo…”, comenta. Como dispensou algumas mordomias, como o carro oficial, além de 20% da renumeração, pega carona todos os dias com um assessor e está nas aulas teóricas para tirar carteira de habilitação.

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Fã de Chico Buarque

Holiday diz ser apaixonado por história, séries do Netflix e Música Popular Brasileira (MPB). Entre os cantores favoritos estão Billie Holiday, Amy Winehouse, Caetano Veloso e Chico Buarque — os dois últimos, segundo ele, “são um desastre politicamente”. O sobrenome pelo qual ficou conhecido vem da ícone do jazz americano. Antes de Holiday, era apenas Fernando Silva Bispo. “Silva era muito comum. E Bispo era do meu pai, que me abandonou”. Na hora de escolher um apelido atrativo para as redes sociais, cogitou Fernando Fucker. “Não teria dado certo definitivamente”, comenta, aos risos.

Seu ingresso no MBL se deu no início de 2015, quando conheceu Kim Kataguiri e Renan Haas, os fundadores do movimento. Na época, o grupo tinha a ideia de lançar um canal de humor no YouTube. “Seria como um Porta dos Fundos ou um Parafernalha da direita, mas vimos que o movimento estava ganhando mais força e abandonamos essa linha do humor para uma mais séria”, disse. Conseguiu a aceitação da dupla ao enviar um vídeo em que criticava as cotas raciais. Para os “impeachmistas”, Holiday caiu como uma luva e foi usado para calar os críticos que diziam que o movimento era formado apenas pela elite rica e branca. No protesto do dia 15 de março, que reuniu mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista, ele fez sua estreia no palanque do MBL — e de lá nunca mais saiu.

O vereador Fernando Holiday (DEM) em seu gabinete, em São Paulo
Holiday olha quadro com retrato dele desenhado por um fã em seu gabinete, em São Paulo (Felipe Cotrim/VEJA) (Felipe Cotrim/VEJA.com)

Após conseguir o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), o MBL hoje tem uma postura bem mais comedida na oposição ao presidente Michel Temer (PMDB). Faz críticas pontuais, como a nomeação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, citado na delação da Odebrecht, e à possibilidade de ser indicado um crítico da Lava Jato no Ministério da Justiça. Mas nada muito enfático contra o presidente, a quem atribuem uma boa atuação na área econômica. O grupo agendou um protesto para o dia 26 de março para aplacar as críticas de que estava em silêncio num momento em que o governo dá sinais de que pretende abafar a Lava Jato. Na pauta do ato, além da blindagem à operação, estará o apoio às reformas trabalhista e da Previdência.

Em outubro do ano passado, o MBL participou ativamente da campanha de candidatos identificados com o movimento e assumiu uma espécie de linha de defesa do prefeito João Doria. Em sua página na internet, rebate críticas e denúncias feitas contra o tucano com mais frequência do que a própria assessoria do tucano. “Não fazemos parte do governo. Nós só enxergamos as suas ações como um ideal que há muito tempo estava escondido e que nós defendemos”, diz Holiday. Ele garante que o movimento nunca recebeu vantagem financeira do prefeito e que, inclusive, já o criticou por ter congelado a tarifa de transporte público.

De 2015 para cá, o número de integrantes do MBL diminuiu — no auge, o núcleo organizador chegou a ter 30 pessoas, enquanto hoje tem dez membros. Holiday se vê como um integrante menor no movimento — por isso, foi escolhido para se candidatar à Câmara Municipal. “Foi um teste o lançamento da minha candidatura. Queríamos ver se seria viável”, diz ele. Kim Kataguiri, a principal figura, deve se candidatar a deputado federal em 2018.

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Coxinha da periferia

Filho de uma auxiliar de limpeza, que sempre lhe pediu para “largar essa maluquice de política”, Holiday cresceu no bairro Cohab 5, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Classifica-se como “o coxinha da periferia”, que, se não fosse pelos ensinos transmitidos pela mãe, “tinha tudo para ir para o caminho da criminalidade”.

As ambiguidades são uma constante na vida de Holiday. É gay assumido e ao mesmo tempo católico fervoroso, de ir às missas todo os domingos e ser devoto de Santo Agostinho. “Não tenho problema com a igreja pregar há dois milênios que a homossexualidade é um pecado. Ela não julga isso. Quem julga é Deus”, afirma. Apesar do sobrenome e da cor da pele, quer acabar com o feriado do Dia da Consciência Negra. “Eu mudaria o nome para Dia da Consciência Humana ou da Liberdade. Vivemos num país miscigenado. Há muita gente branca que é descendente de escravo”, defende. Declara que as cotas incentivam o racismo e não deixa barato ofensas racistas, como xingamentos de “preto falso” e “capitão do mato” que costuma receber do pessoal da esquerda — diz já ter aberto mais de cinquenta boletins de ocorrência.

Holiday inicia o seu mandato com três projetos de lei em mente — um para criar um canal na internet prático e acessível para cidadãos reclamarem de problemas corriqueiros, como buracos e semáforos desligados; outro para desburocratizar o sistema e dar licenciamento automático a pequenos empreendimentos; e ainda outro para regularizar a moradia de terrenos invadidos na periferia. Sim, você não leu errado. Holiday, que sempre foi crítico dos movimentos de sem-teto, pretende dar “direito à propriedade privada” a quem ocupou uma área “há muito tempo invadida”. “Não é para o pessoal que invadiu ontem. Muitos amigos da minha mãe não conseguem vender, alugar ou até receber correspondência em suas casas. É apenas para reconhecer o direito à propriedade privada, o que faz parte da ideologia liberal”, pontua o jovem vereador.

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