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Uma escola chamada Vale do Silício

VEJA.com acompanhou a aventura de sete empreendedores brasileiros que viajaram ao centro mundial da inovação em busca de conhecimento e de financiamento para seus projetos

Por Renata Honorato, de São Francisco
23 set 2012, 13h33

O campus da Universidade Stanford, no coração do Vale do Silício, na Califórnia, onde cresceram gigantes como Google, Facebook e Twitter, estava mais movimentado do que de costume para uma tarde de sexta-feira. A razão: acadêmicos e investidores do Vale tinham um encontro marcado com cerca de 200 fundadores de startups, empresas que buscam inovação nos segmentos em que atuam obedecendo à lógica da experimentação rápida e do resultado: só os negócios que se mostram promissores recebem mais dinheiro. O evento, concebido pela Endeavor, organização sem fins lucrativos que fomenta o empreendedorismo, segue um formato conhecido como speed networking: cada empreendedor tem 12 minutos para sentar-se à mesa com um investidor ou um mentor (um especialista que pode cooperar com o projeto) e “vender” sua ideia. Se for bem-sucedido, recebe uma bolada para levar o negócio adiante. A mecânica é similar à do speed dating, prática comum nos Estados Unidos em que homens e mulheres procuram um par ideal. A diferença é que, no lugar do coração, a meta dos empreendedores no speed networking é conquistar o bolso do potencial parceiro.

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O que os brasileiros aprenderam no Vale do Silício

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Brasil já tem seu mercado de startups

Durante as quatro horas do evento, cada empreendedor tentou a sorte oito vezes em média. O roteiro era sempre o mesmo: sentar-se, apresentar-se, apresentar sua ideia, dizer por que ela pode fazer a diferença, responder à saraivada de questões, tentar convencer o interlocutor. Ao final da maratona, o cansaço era evidente no semblante dos “vendedores de ideias”. “Este foi, sem dúvida, o dia mais difícil para a gente”, disse a brasileira Mayara Campos ao final da sessão. Aos 25 anos, ela foi tentar a sorte no evento apresentando uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos para Android e iOS chamada Mimpit. “Quando a pessoa do outro lado da mesa começa a entender o que é seu produto, a campainha toca: aí, você tem de mudar de mesa e começar a explicar a ideia novamente, partindo outra vez do zero. É duro.”

O encontro com investidores – uma oportunidade real de dar vida a novos negócios – foi o ponto alto da visita de Mayara e de outros seis empreendedores brasileiros (saiba quem são eles) ao Vale do Silício. Mas foi apenas o último compromisso desse time, que ficou na região californiana durante uma semana. A imersão, chamada oficialmente Tech Mission, começou no domingo anterior e incluiu encontros preparatórios com professores, investidores e jovens empreendedores que já arrebataram corações (e pequenas fortunas) com suas ideias. A missão brasileira foi organizada pela Brazil Innovators, rede de empreendedores digitais, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (Apex) e o Grupo RBS e foi comandada pela brasileira Bedy Yang, fundadora da Brazil Innovators e responsável pelos investimentos da incubadora 500 Startups na América Latina.

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O intercâmbio ofereceu também treinamento prático. Um exemplo: os sete brasileiros se exercitaram à exaustão na arte de apresentar seus projetos em situações inesperadas (é possível topar com bons contatos em bares e parques do Vale) e em prazos diminutos. Os aspirantes a homens e mulheres de negócios são preparados para apresentar seus projetos em intervalos que variam de 30 segundos a dois minutos. Não é exagero. A prática é chamada de elevator pitch (ou elevator speech) e supõe que toda boa idea pode ser resumida durante uma breve viagem de elevador, do térreo até o 23o andar, por exemplo. Se demorar mais, não vale a pena. O exercício pode ser especialmente útil no Vale, local que concentra o maior número de empresas de inovação do planeta e onde pode-se topar com um investidor em qualquer lugar. Até mesmo no elevador.

A primeira atividade formal da equipe brasileira foi voltar, literalmente, para a sala de aula, em plena manhã de segunda-feira – quatro dias antes, portanto, do grande encontro com investidores. Em São Francisco, diante do grupo, havia uma professora alemã. Angelika Blendstrup, docente de Stanford e autora do livro They Made It (Eles Conseguiram, uma frase que soa como música no Vale) fora escalada para preparar cada um dos sete empreendedores para suas apresentações de negócios. Angelika, contudo, escolheu outro caminho, reunindo o grupo. “Pedagogicamente é importante que as pessoas aprendam com os erros das outras”, disse a professora.

Fluente em cinco idiomas, Angelika poderia ter escolhido o português, que ela também domina, para falar com os novos alunos. Optou, logicamente, pelo inglês, a moeda de câmbio universal no segmento de novos negócios. O primeiro vício a ser abatido pela professora foi o uso excessivo, pelos brasileiros, da palavra like (no papel da conjunção como), uma espécie de coringa empregado indiscriminadamente ou como tática para ganhar tempo – e dar fôlego ao raciocínio. “É o equivalente a dizer ‘hummmm’ no meio das frases”, disse Angelika. Não é uma orientação desprezível para quem tenta arrancar milhões do interlocutor. A professora também usou as apresentações dos alunos para questionar, passo a passo, a lógica de seus negócios. Afinal, no futuro, ela também espera dizer sobre os brasileiros: “They made it”. Continue a ler a reportagem

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Atordoados pelo bombardeio de correções e questionamentos de Angelika, o grupo seguiu para a 500 Startups. Foi a vez de conhecer mentores, figuras centrais no desenvolvimentos de projetos entre as novas empresas, mas ainda pouco conhecidas no Brasil. O mentor é, em geral, alguém muito experimentado no segmento, uma pessoa que oferece orientação aos novos empreendedores e os coloca em contato com outros pares e também com investidores que darão mais fôlego ao negócio.

Quem brilhou nesse encontro foi o americano James Levine, mentor, investidor e figura carimbada no Vale do Silício. Ele dirigiu perguntas ao mesmo tempo duras e pertinentes aos brasileiros. “Esse é um problema global: você não deve pensar somente no mercado do Brasil!”, disse Levine após ouvir um “elevator pitch” do brasileiro Jan Christian, de 25 anos, cofundador do FilaExpress, um gerenciador de filas via celular. “Você deve pensar globalmente: por que isso faria diferença só no Brasil?” Perguntas como essa, vindas de alguém tão experiente, faziam a turma calar. As reflexões viriam depois. Na volta para o hotel, Mayara pensava alto: “Cada mentor fala uma coisa diferente. É muito difícil saber o que absorver e o que descartar.” Certamente, aquela não foi uma noite de sonhos tranquilos para o grupo.

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Os três dias seguintes foram dedicados a visitas a algumas companhias do Vale, como o Google, em Palo Alto, a uma hora e meia de São Francisco, e também à TechCrunch Disrupt, conferência sobre o mercado de tecnologia e startups promovida pelo blog TechCrunch. Não foi um exagero passar tanto tempo na Disrupt. A conferência deste ano reuniu alguns dos mais influentes nomes dos segmentos de tecnologia e novos negócios. Foi sobre o palco do evento, por exemplo, que Mark Zuckerberg falou pela primeira vez em público após a abertura de capital do Facebook: comentou a queda no valor dos papéis da rede e discorreu sobre os novos rumos da companhia. Os sete empreendedores brasileiros assistiram a tudo isso, ao vivo. Não piscaram durante os 25 minutos da fala de Zuckerberg, o jovem que talvez melhor sintetize o que a atual geração de empreendedores quer ser. Também passaram pelo evento Marissa Mayer, CEO do Yahoo!, e Jack Dorsey, cofundador do Twitter. “Foi uma aula e tanto”, disse o brasileiro Rafael Salmon, de 29 anos, criador do Codifique, plataforma on-line que aproxima programadores e negócios que precisam deles. Simultaneamente à palestra de Zuckerberg, Gustavo Guida Reis, fundador do Bondfaro que agora quer colocar de pé o HelpSaúde, tinha os olhos grudados no celular: “As ações do Facebook já subiram na bolsa”, disse, ao checar como os índices da Nasdaq reagiam à fala do CEO da rede social.

As visitas e compromissos “formais” no Vale do Silício equivalem a meses ou talvez anos de aulas de negócios, não há dúvida. As reuniões informais também. Encerrada cada etapa do calendário da Tech Mission, os brasileiros seguiam para algum happy hour animador. Em um deles, embalado por bossa nova, comida brasileira e garçonetes trajadas a rigor (que se esforçavam para pronunciar corretamente “caldinho de feijão”, “pão de queijo” e “churrasco”), surgiu Anderson Thees, brasileiro que já passou pelo Buscapé e Apontador e que agora representa a empresa californiana de investimentos Redpoint Ventures. Entre uma bebericada e outra, Thess revelou que o fundo pretende investir cerca de 130 milhões de dólares em startups brasileiras. Desta vez, os olhos dos empreendedores brasileiros brilharam. Teve gente que engasgou com o caldinho de feijão. Quem não engasgou aproveitou a chance e emendou um “elevator pitch” com churrasco. Foi o caso de Salmon, do Codifique. “Eu já conhecia o Anderson, mas nunca tinha falado com ele sobre o meu negócio. Combinamos de voltar a conversar no Brasil”, disse. Uma oportunidade do tamanho do Vale.

Prontos ou não, os sete empreendedores brasileiros foram lançados às feras. No encontro da Endeavor em Stanford, passaram pelo mesmo suadouro a que são submetidos jovens de todo o mundo que sonham em inovar e que se dirigem à meca dos novos negócios em busca de aprendizado e dinheiro. “As lições mais importantes que tiro desta semana dizem respeito à cultura de empreendedorismo do Vale e ao poder do networking. Volto ao Brasil com fome de fazer e vontade de melhorar o ambiente do país para negócios”, disse Lasse Koivisto, de 27 anos, da Prontmed, companhia que oferece soluções digitais para prontuários clínicos.

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Tivessem participado de um speed dating, esses empreendedores teriam deixado a Universidade Stanford sabendo se conseguiram um encontro amoroso para o próximo fim de semana ou não. O speed networking não funciona assim. Depois de apresentar suas ideias e sonhos a oito investidores e mentores, eles em geral têm de esperar por uma resposta, um sinal de que seus projetos, entre milhares de outros que brotam em todo o planeta, receberão ajuda. Pode ser a diferença entre a vida e a morte para um negócio inovador. Se forem escolhidos, muito bem. Ou melhor: excelente. Se não forem, deixarão o Vale com muitas lições, entre elas a trazida por Dave McClure, fundador da 500 Startups famoso na região por seus discursos inspiradores. Ele falou aos brasileiros trajando o “uniforme” do Vale: camiseta, calça jeans e chinelo: “Querem ir mais longe? Façam perguntas idiotas. Não tenham medo de fazer perguntas idiotas.”

O que os brasileiros aprenderam no Vale do Silício…

Na hora de se relacionarem com investidores e potenciais parceiros de negócios

  • Não julgar ninguém pelo visual: informalidade é uma marca dos profissionais do Vale
  • Valorizar o networking: após o primeiro contato, deve-se enviar e-mail de saudação em até 24 horas
  • Não tocar as pessoas, especialmente as de origem asiática, grupo numeroso no Vale: tradição entre brasileiros, esse tipo de contato não é bem visto

Na hora de apresentar e ‘vender’ seus projetos

  • Utilizar números: os americanos adoram quantificar tudo
  • Ter em mente o valor exato necessário para colocar o projeto de pé
  • Usar exemplos conhecidos para explicar o novo projeto
  • Aceitar críticas negativas
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