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Jeff Bezos: enfim um titã da web terá de vender notícias

É exercício instigante imaginar o que o CEO da Amazon pode fazer se introduzir no 'Washington Post' recursos vitoriosos do maior site de varejo do mundo

Por Rafael Sbarai
10 ago 2013, 10h47

Fundado em 1877, o Washington Post é referência de bom jornalismo. O exemplo mais notório de sua qualidade e independência editoriais é o protagonismo no episódio conhecido como Watergate, na década de 1970: reportagens do jornal detonaram uma investigação que empurrou para a renúncia o então presidente americano, Richard Nixon. A apuração, como outras tantas, foi fruto de trabalho duro, demorado e, portanto, caro, realizado por repórteres de primeira linha e sustentado pela estrutura do Post, ancorada numa equação financeira que tinha como principais fontes de receita a venda de exemplares avulsos, assinaturas e espaços de publicidade. Nesta semana, o anúncio da venda do jornal – que perdeu 40% de sua receita nos últimos sete anos e 30% de sua circulação, em cinco – escancarou mais uma vez o fato de que a equação que por décadas deu sustentação às grandes empresas da imprensa escrita está em perigo. O que abalou o negócio do Post (e do jornalismo impresso, em geral) foi a revolução tecnológica das últimas décadas, que tem seu epicentro na internet. A facilidade com que conteúdos migram de um site a outro, de um dispositivo a outro, criou certa visão de que a notícia – principal produto da imprensa – não tem custo. E criou a necessidade de investimentos permanentes em tecnologia. As publicações lutam para se adequar à nova realidade digital.

O capítulo da venda do Post fica muito mais interessante quando se considera que seu novo dono é tanto fruto quanto motor da internet: Jeff Bezos, CEO da Amazon. Pela primeira vez, um gigante do combalido setor do jornalismo impresso é propriedade de um titã acostumado a fazer dinheiro no mundo virtual. No comando, Bezos será obrigado a responder a questões duras. Por exemplo: como lidar com o fato de que muita gente acredita ser sustentável o acesso irrestrito e gratuito a notícias de qualidade? Como cobrar por esse produto? Como modernizar uma empresa que sofre para migrar para a era digital? Como manter vivo (lucrativo, portanto) o Post? O CEO da Amazon é provavelmente o ator da internet mais preparado para pensar em respostas. Isso porque, ao contrário de outros gigantes da web, seu negócio sempre foi vender o produto alheio – e não apenas fazê-lo circular, como é o caso, por exemplo, de Google e Facebook.

Aos 49 anos, Bezos tem credenciais invejáveis. Criou, em 1994, a livraria virtual que se tornaria o maior site de varejo do mundo: a Amazon. Teve paciência para esperar dez anos até o negócio ficar no azul, o que deve ajudá-lo a atuar em uma área que precisa recuperar o fôlego. Pensar a longo prazo, com eventuais arranhões aos resultados imediatos, é uma das marcas de Bezos e, por extensão, da companhia que ele criou. Em outubro do ano passado, por exemplo, a empresa anunciou seu primeiro prejuízo trimestral em nove anos. A razão principal: gastos expressivos com pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, a receita foi reinvestida no negócio. Outro exemplo da visão de longo prazo é o caso da família de tablets Kindle Fire. O produto foi lançado por 199 dólares, mas segundo a consultoria IHS iSuppli custava 209 dólares à Amazon. O que a livraria virtual ganhou vendendo o produto abaixo do custo? Fidelidade do consumidor, que compraria livros, músicas, filmes, seriados… pelo dispositivo. Por vezes, o executivo pilota a estratégia sob críticas dos acionistas da companhia, cujos dividendos são reduzidos, como ocorreu no ano passado.

A Amazon adotou ainda uma obsessiva política de oferecer produtos a preços baixos. Segundo analistas do mercado, isso levou à lona muitas livrarias, mas, por outro lado, deu escala nunca imaginada ao negócio de vender livros, colocando nas mãos dos leitores de qualquer parte do globo obras disponíveis em qualquer parte do globo. Além disso, blindou a Amazon contra a concorrência (quem pode lutar contra cifras tão baixas?). No mesmo sentido, o dos preços baixos, Bezos foi ainda um dos grandes promotores dos livros eletrônicos. Fez isso porque sabia perfeitamente que o formato digital reduz custos de produção exclusivos da cadeia do papel – impressão e distribuição para pontos de venda, no mínimo. Pronto: a obra está no Kindle com um toque na tela. E a editora que produziu a obra é remunerada por isso. Por fim, Bezos se esmerou em analisar a montanha de rastros digitais que seus consumidores deixam no site para, em seguida, oferecer-lhes mais produtos, indicados de acordo com o gosto do freguês.

O mais instigante agora é imaginar o que Bezos pode fazer a um setor que, exatamente como as livrarias em 1994, não sabe como vender seu produto no mundo digital. No ano passado, falando ao jornal alemão Berliner Zeitung, ele disse que os jornais impressos não teriam utilidade em vinte anos. Em seguida, emendou: “Descobrimos, contudo, que as pessoas pagam por assinaturas no tablet. Todas as casas terão esse dispositivo. Ele pode dar fôlego aos jornais.”

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Mudar a plataforma, é claro, não será suficiente. Se fosse, a família Graham, que controlava o Post, não teria se desfeito do jornal que pertencia ao clã havia oito décadas. Bastava levá-lo a tablets e smartphones. É mais provável que o CEO aplique a seu novo produto uma prática que a Amazon usa com maestria: a análise de dados, que revela preferências, do leitor/consumidor. Desde 2002, o site possui um eficiente sistema de recomendações personalizadas, que exibe produtos baseados no histórico de navegação e compras do usuário. Adaptado ao formato digital do Washington Post, o recurso poderia, ao menos em tese, oferecer notícias ao leitor obedecendo a um critério de relevância contruído pelo hábido de leitura dele.

“Dar escala a um produto de risco e oferecer a seus leitores ainda mais informações personalizadas é um caminho que Bezos pode tomar”, diz Ken Doctor, analista do Nieman Journalism Lab, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Allen Weiner, vice-presidente do instituto de pesquisa Gartner, acrescenta: “Ele pode dar novo ânimo à indústria ao estimular a equipe de inovação da empresa a produzir novos produtos jornalísticos.”

Bezos ainda não disse como pretende aumentar a rentabilidade do Post. Em carta dirigida aos funcionários do jornal, porém, mostrou que entende e respeita a natureza do novo negócio. “Os valores do jornal não precisam ser alterados. A publicação deve atender à necessidade de seus leitores, e não de seus proprietários. Vamos continuar a perseguir a verdade, e vamos trabalhar duro para não cometer erros”, disse. Arrematou afirmando que a atual direção, que toca o dia a dia do Post, permaneceria intocada. “Eles entendem mais desse ramo do que eu.”

Mesmo os analistas americanos ainda se perguntam de que forma um jornal com perspectivas financeiras acanhadas (o periódico faturou 582 milhões de dólares em 2012, ante 61 bilhões da Amazon) pode interessar a Bezos, e o que ele pode fazer pelo Post. Uma das hipóteses aventadas é que o CEO pode usar o jornal como púlpito para pregações como a defesa do casamento gay, uma das raras bandeiras políticas que o executivo reservado levantou. Ele poderia usar o Post ainda para defender interesses corporativos, em questões como tributos, direitos autorais, patentes e privacidade de usuários. Segundo o Center for Responsive Politics, grupo que monitora lobbies, a Amazon gastou mais de 1,7 milhão de dólares com a atividade neste ano. O futuro próximo, portanto, ainda é imprevisível.

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