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“Quem faz ciência com o objetivo de ganhar prêmios corre um grande risco de ter uma vida miserável.”

Em entrevista ao site de VEJA, o suíço Kurt Wüthrich, ganhador do Prêmio Nobel de Química em 2002, fala da postura que um bom cientista deve ter, da qualidade da pesquisa brasileira e do papel de suas próprias descobertas na medicina

Por Giulia Vidale
5 set 2015, 13h03

Em 2002, o suíço Kurt Wüthrich ganhou o prêmio Nobel de Química pelo uso da ressonância magnética nuclear no estudo de proteínas do organismo. Suas descobertas possibilitaram estudar as moléculas em condições próximas às fisiológicas. No campo da medicina, o achado contribuiu para o desenvolvimento de medicamentos, tratamentos e o entendimento de doenças como Alzheimer, câncer e diabetes. O químico esteve recentemente no Brasil para um simpósio sobre doenças neurodegenerativas e câncer, organizado pelo Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aos 76 anos, Wüthrich continua se dedicando integralmente aos estudos de proteínas, não pensa em se aposentar tão cedo e afirma que o grande segredo do sucesso na área da pesquisa é o prazer. “Quem faz ciência com o objetivo de ganhar prêmios corre um grande risco de ter uma vida miserável”, disse em entrevista ao site de VEJA.

O que o senhor diria aos jovens que querem se dedicar à pesquisa? Que encontrem algo legal. Um jovem cientista precisa se dedicar a um projeto pelo qual ele se interesse, com o qual ele tenha prazer. Divirtam-se! Quem faz ciência com o objetivo de ganhar prêmios corre um grande risco de ter uma vida miserável. Se você gosta do que faz, não importa se tem que trabalhar por 14 horas seguidas, pois isso é seu hobby. Mais um conselho: é melhor ter uma publicação significativa e excelente do que várias com pouca relevância.

Quais foram as principais contribuições de seus estudos para a medicina? Uso a ressonância magnética nuclear para analisar as proteínas que constituem o organismo. A grande vantagem disso é poder ter resultados práticos. Outras técnicas utilizadas no estudo dessas moléculas, como a cristalografia de raios-x ou a crio-microscopia de elétrons, não trazem resultados tão palpáveis. Isso porque elas têm de ser utilizadas em contextos incompatíveis com a fisiologia humana, como baixíssimas temperaturas. O grande feito da ressonância, portanto, é conseguir estudar as proteínas em condições quase idênticas às fisiológicas – a temperatura é semelhante à corporal e as soluções que utilizamos podem ser encontradas no corpo humano.

O senhor pode dar exemplos palpáveis? Criamos ferramentas que ajudam, e muito, no desenvolvimento de novas medicações ou no aprimoramento de remédios já existentes. Cito aqui a ciclosporina. Meus achados contribuíram para desvendar ainda mais a sua estrutura de forma a aprimorar o seu mecanismo de ação. Esse medicamento, na verdade, é uma pequena proteína. Trata-se de um importante imunossupressor utilizado em transplantes para prevenir a rejeição do novo órgão. É claro que nós não inventamos a medicação, mas, reforço, determinamos sua estrutura e fornecemos a base para a primeira melhoria dos fármacos dessa classe de medicamentos.

Muitos afirmam que há um abuso no uso de exames de imagem, incluindo a ressonância magnética. O que pensa disso? Posso falar da ressonância magnética. Eis uma técnica fantástica. Esse equipamento representa um grande avanço em relação aos métodos de imagem usados até então. E não há perigo de superexposição para as pessoas, pois ela usa uma energia tão baixa que não conseguiria causar danos ao nosso organismo. Não existe a palavra abuso para esse tipo de exame.

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O senhor trabalha no programa Ciências sem Fronteiras e conhece de perto a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Está um pouco familiarizado, portanto, com a produção científica no Brasil. Qual é a sua opinião a respeito? Uma das razões por eu ter aceitado participar do programa no Brasil é o fato de poder utilizar bons equipamentos de ressonância magnética nuclear. Nos laboratórios da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponho dos mesmos equipamentos que utilizo em meus laboratórios na Suíça e na Califórnia. Isso permite que eu faça meu trabalho e bem feito. No entanto, a infraestrutura em geral e o espaço dos laboratórios ainda deixam a desejar. Outro problema é a falta de continuidade nos projetos de longo prazo. Por exemplo, nos início dos anos 2000 eu testemunhei incríveis façanhas da ciência brasileira. Pesquisadores do Instituto Ludwig, em São Paulo, tiveram um papel importante no sequenciamento do genoma bacteriano e humano. Entretanto, hoje eu vejo que isso se dissolveu, o que é uma pena.

Qual foi o impacto do Nobel em sua vida acadêmica? A consequência mais importante do Nobel na minha vida foi o fato de eu poder ter adiado a minha aposentadoria. Eu ganhei o prêmio três anos antes de quando eu deveria me aposentar e graças a ele o governo suíço estabeleceu regras especiais para mim, que me permitiram continuar trabalhando. E isso é o mais importante. Não consigo me ver em casa, longe dos meus laboratórios.

O prêmio mudou sua vida pessoal? Eu diria que, graças ao Nobel eu conheci muitas pessoas, como políticos e esportistas, com os quais eu jamais teria contato. Como não existem muitos ganhadores do Nobel vivos, as pessoas gostam de conversar comigo. E, algumas vezes, até ouvem o que temos a dizer…

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