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Obrigar alunos de medicina a trabalhar no SUS é inconstitucional, dizem especialistas

Único trabalho compulsório previsto na Constituição é o serviço militar. "Visivelmente, a medida não é para complementar a formação do médico", diz o jurista Miguel Reale Júnior

Por Da Redação
10 jul 2013, 14h56

A medida provisória anunciada nesta segunda-feira pelo governo, que amplia a grade curricular dos cursos de medicina, obrigando os alunos a trabalhar para o Sistema Único de Saúde (SUS) é inconstitucional. Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, o único serviço público obrigatório previsto na Constituição é o militar. Fora ele, nenhuma função deve ser exercida compulsoriamente – inclusive a atividade médica, independentemente se praticada por um profissional ou por um estudante. Há ainda outro porém: o aluno que trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS) terá de cumprir deveres de um profissional, mas receberá apenas uma bolsa por isso. Assim, ele não terá garantido nenhum outro direito trabalhista, como férias, décimo terceiro salário ou licença maternidade.

Os problemas na nova grade curricular de medicina:

  1. • O único trabalho compulsório previsto na Constituição é o serviço militar
  2. • O estudante estará exercendo um trabalho profissional, sem receber todos os benefícios trabalhistas previstos em lei
  3. • A capacidade de supervisão pela instituição de ensino dos alunos alocados em outras regiões é questionável
  4. • O uso de uma medida provisória deve ser específico para casos urgentes – a alteração nos cursos valerá apenas a partir de 2015, portanto, não tem caráter de urgência

“Ninguém é obrigado a exercer uma função por força de lei, a única exceção é o serviço militar obrigatório, previsto na nossa Constituição”, diz Miguel Reale Júnior, jurista e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso. “A medida fere a Constituição na medida em que estabelece um constrangimento ilegal, de serviço obrigatório.”

Segundo o advogado Eduardo Kroeff Machado Carrion, professor titular de direito constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), é possível interpretar que a medida viole o inciso XIII do artigo 5º da Constituição, que diz ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. “No entanto, a proposta do governo impõe uma condição para a obtenção do diploma, e não exatamente para o exercício profissional, já que estamos falando de estudantes. Existe uma controvérsia na hora de definir até que ponto a proposta pode ser entendida como uma restrição ao exercício profissional”, diz.

Para Reale Júnior, no entanto, a medida fere, sim, a Constituição brasileira, mesmo de tratando de algo específico da grade curricular do curso de medicina – e não de um serviço profissional. “A medida seria inconstitucional mesmo se os médicos fossem obrigados a trabalhar no SUS depois de formados.” A questão não difere para alunos que cursam faculdades públicas ou privadas: nos dois casos, a obrigatoriedade do serviço é inconstitucional.

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Ensino – Para o jurista Reale Júnior, a medida do governo usa como desculpa a complementação da grade curricular dos cursos de medicina para obrigar mais pessoas a prestar serviços para o SUS. “Visivelmente, a medida não é para complementar a formação do médico.” O advogado Carlos Ari Sundfeld, professor da Escola de Direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, também entende a MP como inconstitucional. “É uma requisição de serviços, não uma atividade acadêmica”, diz. “Uma coisa é alterar a grade curricular do curso de medicina com o objetivo de melhorar o ensino médico. Mas essa medida estabelece a mudança para suprir uma deficiência do sistema de saúde, e não para complementar o ensino dos alunos. Os alunos serão obrigados a trabalhar para obter o diploma. É uma espécie de chantagem.”

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Supervisão – Um dos pontos questionáveis da medida, acredita Sundfeld, é como a supervisão do aluno será feita. “Como alguém que estuda em uma universidade de São Paulo será supervisionado por sua instituição trabalhando em um hospital do Amazonas? O que é supervisão para o governo? Assinar um papel? Isso é fraude.” Para o especialista, um estágio obrigatório remunerado fere ainda os direitos trabalhistas previstos na Constituição brasileira. “O sujeito será obrigado a trabalhar no SUS sem direito a férias remuneradas, 13º ou licença maternidade, pois ele não será um profissional, mas sim estudante. O governo quer arrumar profissionais no SUS pagando uma bolsa, mas sem direitos trabalhistas. São, portanto, profissionais mais baratos.”

A alteração na grade curricular ter sido feita por meio de uma medida provisória também é alvo de críticas. “É inconstitucional que uma medida provisória seja feita para algo que só será colocado em prática em 2015”, diz Reale Júnior. De acordo com o jurista, uma MP deve ser usada somente em casos de medidas urgentes, para situações que precisam de uma solução rápida. “Como algo urgente entra em vigor só em 2015?”

Para Sundfeld, os erros constitucionais do governo são motivos suficientes para que a medida não seja colocada em prática. “O governo supõe que todas as universidades participarão da fraude que ele montou, ou seja, que essas instituições vão monitorar alunos sobre os quais não têm controle. Não acredito que as escolas de medicina participarão dessa fantasia.”

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