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O futuro é o das terapias 100% individuais

Em entrevista exclusiva a VEJA, durante visita ao Brasil, o alemão Joerg Reinhardt falou sobre as novas apostas da indústria farmacêutica e criticou o atraso na liberação dos medicamentos no Brasil

Por Natalia Cuminale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 Maio 2016, 16h27 - Publicado em 13 mar 2016, 09h20

O alemão Joerg Reinhardt, de 60 anos, é presidente do conselho administrativo da multinacional suíça Novartis, uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Ele conhece como poucos o mercado dos medicamentos, com mais de três décadas de atuação na área. Em entrevista exclusiva a VEJA, durante visita ao Brasil há duas semanas, diz estarmos vivendo o início de uma nova era, com o avanço dos tratamentos genéticos. A expectativa é que, em dez anos, sejam criadas mais de 50 terapias com esse mecanismo, capaz de modificar os genes defeituosos dos pacientes e transformá-los em saudáveis novamente. Se a previsão se concretizar, no futuro, doenças crônicas serão curadas e os medicamentos não serão imprescindíveis para muitos casos.

Por que está mais difícil desenvolver moléculas que tenham um grande impacto na saúde das pessoas? Há um limite científico. Mesmo com todos os avanços ocorridos ao longo das décadas, não é fácil superar os benefícios dos medicamentos com novas fórmulas ou indicações. Tomem-se como exemplo as estatinas, para o coração, ou os quimioterápicos, no tratamento do câncer. Quais remédios seriam capazes de impactá-los de forma significativa? Só muito recentemente é que se tornou possível vislumbrar um novo caminho a ser explorado. O das medicações baseadas em terapias genéticas. É uma novíssima oportunidade. Há cinco anos seria impossível falar sobre esse recurso. São tratamentos capazes de reparar os genes defeituosos do paciente e transformá-los em saudáveis outra vez.

Essa postura muda completamente o conceito do que é conhecido como medicamento atualmente… Sim, porque é uma abordagem 100% individual. Ela consiste na retirada de sangue de cada paciente e no envio da amostra a um laboratório, onde é feito um trabalho de reengenharia. Esse sangue é modificado geneticamente. As células T, de extrema importância para o sistema imunológico do organismo, são infectadas com um vírus inativo, mas habilitado a aniquilar o câncer. Alia-se a isso o fato de essas células terem a capacidade natural de contaminar outras células para que elas também lutem contra o tumor. O passo seguinte é reintroduzir o sangue com essas células modificadas por meio de uma transfusão.

Em que pé estão as pesquisas? Nos próximos dez anos, devem ser criadas mais de cinquenta terapias com esse mecanismo. As primeiras serão lançadas na área da oncologia, mas logo haverá para diabetes e doenças do coração. Posso falar de datas mais precisas no que se refere aos projetos da Novartis. No próximo ano, devemos submeter para aprovação dos órgãos reguladores nos Estados Unidos nosso primeiro medicamento de terapia genética, com indicação para a leucemia linfoblástica aguda (o câncer mais comum diagnosticado em crianças, que representa aproximadamente 25% dos diagnósticos da doença em pacientes com menos de 15 anos). Com isso, deverá chegar ao mercado em 2018. Mas a data depende do país de que estamos falando. No caso do Brasil, o prazo será maior.

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Qual é a sua opinião sobre e regulação de medicamentos no Brasil? O atraso é significativo na introdução de novos produtos, em comparação com o que ocorre em outras partes do mundo. Nossa medicação para insuficiência cardíaca (Entrestor), por exemplo, já disponível nos Estados Unidos desde o ano passado, só deverá chegar ao mercado brasileiro no ano que vem. Tem sido assim, com dois anos de atraso, em média. Há problemas também no que se refere às pesquisas clínicas. O governo demora muito para autorizar novos estudos científicos no Brasil. Há um sistema burocrático enraizado. Os hospitais que querem participar de ensaios clínicos devem se submeter a uma série de questões administrativas até conseguir a aprovação das mais diversas esferas, estaduais e federais. Tal cenário influencia diretamente na escolha de testar ou não medicamentos no Brasil. Hoje, a indústria tende a recorrer a países com regras menos complicadas. A burocracia não atrasa somente o lançamento de um produto, mas afeta a inovação científica. A inovação deve ser encorajada e apoiada pelo governo brasileiro – não apenas no campo farmacêutico.

No entanto, a agência americana que regula medicamentos, a FDA, tem sido alvo de críticas por afrouxar as regras de aprovação. Há descuido? Discordo de quem diz que a FDA está pouco criteriosa. A agência é extremamente exigente. Lembre-se também de que se leva dez anos pelo menos para o desenvolvimento de um produto antes de ele chegar à aprovação da FDA.

Os medicamentos costumam ser aprovados com uma lista interminável de efeitos colaterais. O senhor costuma ler a bula dos remédios que consome? Tomo medicamento para hipertensão, mas sinceramente nunca li a bula. Participei do desenvolvimento dessa medicação e sei bem os efeitos. É preciso listar desde as complicações mais comuns até as raras para poder cobrir a responsabilidade caso algo aconteça com os pacientes. É mais pelos aspectos legais que essas listas são tão longas do que realmente uma preocupação médica.

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Tem-se discutido muito os limites ��ticos na relação comercial da indústria farmacêutica com os médicos. Há interferência indevida? Começamos a prestar mais atenção nessa relação nos últimos anos. Recentemente, em meu laboratório, foram criadas regras rigorosas sobre como deveria ser a nossa relação com os médicos no aspecto comercial. Um médico falar sobre o benefício de determinado produto não é ruim. Em relação a presentes é outra situação. Isso ficou para trás. Sobre viagens e congressos, começamos a gravar apresentações importantes desses encontros e disponibilizá-las para os profissionais, como alternativa. Não é mais preciso estar presente no Congresso realizado em outro estado ou país, portanto.

Mesmo que a ciência avance, há ainda preconceito com os medicamentos genéricos no Brasil. O senhor vê algum fundamento nisso? Vemos isso em alguns países em que as pessoas acreditam mais em produtos de marca do que em produtos genéricos. Deve-se, claro, procurar remédios genéricos de uma indústria confiável, mas isso vale para a escolha de qualquer medicação. Uso genéricos e dou aos meus filhos.

O senhor se preocupa com o vírus zika? Ainda é preciso entender mecanismos importantes sobre ele. Mas logo as preocupações com o vírus zika serão muito menores do que estão sendo pronunciadas neste momento.

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