Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

‘O Brasil quebrou espiral do silêncio sobre a aids’, afirma o diretor da Unaids

Para diretor da agência da ONU, país tem atuado de forma exemplar no tratamento a portadores do HIV e no combate ao preconceito

Por Nana Queiroz
5 dez 2010, 13h13

Nomeado há exatos dois anos diretor executivo da Unaids, o programa da ONU de combate à aids, o malinês Michel Sidibé, de 58 anos, tem como principais metas acabar com novas infecções e combater a discriminação a portadores do HIV. Ainda está longe dos objetivos. Mais de cinquenta países sequer aceitam a presença de pessoas com o vírus em seus territórios. Em outras nações, homossexuais são perseguidos por leis que impõem desde a prisão até a pena de morte. “Esse tipo de lei só impede que as pessoas sejam tratadas”, diz Sidibé, que nesta semana visitou o Brasil. Apesar das dificuldades, o diretor da Unaids tem bons números a mostrar, como a queda de novas infecções e de mortes por aids no mundo inteiro, entre 2008 e 2009. Ele aponta ainda o Brasil como país que tem conseguido reduzir o preconceito por meio de campanhas de informação bem sucedidas. “O Brasil quebrou a espiral do silêncio sobre a aids”, afirma. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a situação do HIV no mundo, o avanço do contágio em países desenvolvidos e o papel da moral e da religião na batalha contra o vírus.

Há muito tempo já se sabe que o maior foco de aids no mundo é a África. Mesmo assim, a evolução no quadro do continente tem sido muito lenta. Por quê? Falta vontade política?

Posso dizer que pela primeira vez na história nós quebramos a trajetória do HIV, mesmo na África. Neste ano tivemos 25 dos países mais afetados manifestando um declínio de 25% ou mais em novas infecções. Mas o maior problema que ainda enfrentamos no continente é que muitos desses países estão enfrentando obstáculos econômicos e não tiveram acesso aos tratamentos. A maioria dos países africanos não produz medicamentos contra aids. Por isso, a parceria com o Brasil (que envolve a construção de uma fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique e transferência de tecnologia) é uma grande oportunidade de começar a transferir conhecimento e tecnologia e trazer inovação à África nesse quesito. Não é só uma questão de lideranças, mas de tecnologias.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um comunicado nesta semana falando sobre os obstáculos que a criminalização da homossexualidade impõe ao combate à aids, o que é o caso de alguns países africanos. Isso é uma realidade que deve agravar a situação do continente?

Isso não está acontecendo só na África, mas no Oriente Médio, Leste Europeu e Ásia Central. Isso é um desafio muito grande para a Unaids. Hoje, 79 países têm leis homofóbicas.Também existem 51 países que não aceitam que portadores do HIV estejam ou viajem por seus territórios. Esse tipo de lei só impede que as pessoas sejam tratadas. A criminalização está fazendo com que as pessoas se escondam e fujam dos serviços de saúde. Algumas populações, em vez de enfrentar problemas de acesso a serviços, estão enfrentando problemas universais. Por isso, concordamos plenamente com a OMC: aids não é só uma questão de saúde, mas de direitos humanos e desigualdade entre gêneros.

O último levantamento da Unaids apontou aumento no número de contaminações por HIV não só no Oriente Médio e na Ásia, mas na Europa e até na América do Norte. Por que isso está acontecendo?

Nós não temos uma única epidemia hoje, temos múltiplas epidemias. Uma está crescendo muito rápido no Leste Europeu e Ásia porque muitas dessas populações não estão tendo acesso aos serviços. Estamos assistindo a um grande aumento também devido à estigmatização sofrida por profissionais do sexo em muitas partes da Ásia. Um relatório da comissão asiática revelou que cinquenta milhões de mulheres são infectadas por seus parceiros íntimos.

Mas os casos da Europa Ocidental e América do Norte não parecem uma questão de acesso a serviços ou à informação.

Na verdade, é, sim, um problema de acesso. Se você olhar para a Europa Ocidental e para a América do Norte, onde vimos um acréscimo de 30% nas novas infecções no ano passado, vai perceber que elas estão concentradas entre jovens que, em sua maioria, eram negros ou latino-americanos. Homens jovens, especialmente os gays, não estão expostos nesses lugares ao mesmo tratamento e à mesma quantidade de informações.

A religião atrapalha o combate à aids no mundo?

É difícil dar uma resposta taxativa sobre isso. Nós temos instituições religiosas trabalhando na área em mais de sessenta países, com mais de 150 programas que estão ajudando a eliminar a discriminação e integrar o soropositivo à sociedade. Também ajudam órfãos e facilitam o acesso a serviços. Procuramos trabalhar com elas nas áreas em que concordamos.

Continua após a publicidade

Qual foi sua opinião sobre o recente comentário do papa abrindo concessões quanto ao uso da camisinha?

Foi muito encorajador. É um passo adiante do Vaticano. Evidência científica, sozinha, não vai nos ajudar a fazer uma mudança social acontecer. Se tivermos, ao mesmo tempo, o apoio de princípios religiosos e autoridades morais isso será mais fácil.

Por que o Brasil está conseguindo ir bem no combate ao HIV?

O Brasil tem se saído bem porque quebrou a espiral do silêncio. Tem removido o preconceito da sociedade e buscado novas oportunidades de produzir medicamentos baratos para pessoas em necessidade de tratamento. O Brasil foi capaz de juntar em seus esforços o estado, o setor privado e a sociedade civil e promover espaço para diálogo social. Isso, para mim, é a razão de o Brasil ser tão bem avaliado.

Qual a grande aposta da Unaids na luta contra a aids hoje?

Nós queremos atingir zero em novas infecções e zero em discriminação. Mas sabemos que isso não vai acontecer amanhã de manhã. Então, estabelecemos um objetivo: até 2015, nenhum bebê nascerá com HIV. Esse é nosso motor hoje.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.