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Diário de um médico que era gordo

O médico canadense Ben Williams, que chegou a pesar 145 quilos, conta como precisou de ajuda para deixar de ser obeso

Por Ben Williams*
14 abr 2012, 14h11

Diante de um paciente obeso, é tentador explicar a matemática: eles precisam comer menos e se exercitar mais. Por mais que isso seja verdade, é quase inútil. Eu também quero que esses pacientes deixem de lado os Venti Mochas (bebida de café altamente calórica) e coloquem suas roupas de academia. Mas eu tento me lembrar de que esse conselho não foi útil para mim, e dificilmente será para meus pacientes obesos. Durante toda a minha vida, dos meus seis anos até dois anos atrás, eu era realmente gordo. Agora não sou mais.

Quando vejo fotos antigas, percebo que algo grande aconteceu com a minha família quando eu estava entrando na idade escolar. Nós crescemos. Bem, as crianças cresceram verticalmente, mas a família inteira cresceu horizontalmente. Eu mais do que todos. No ensino fundamental, eu ganhei apelidos nada elogiosos. No ensino médio, eu estava próximo dos 136 quilos.

Depois do ensino médio, eu estudei canto, onde não era incomum ser gordo. E eu ainda estava na extremidade mais elevada da escala. Mais tarde, trabalhei como auxiliar de um político nos últimos dias de governo do Partido Democrático da Columbia Britânica (British Columbia New Democratic Party, NDP, um partido de orientação social democrata do Canadá). Na política, aparência importa, e embora homens acima do peso fossem uma norma, minha obesidade estava acima da média.

Em 2001, o NDP ficou reduzido a duas cadeiras na legislatura, e meu hábito de fumar tinha aumentado para dois maços por dia. Depois que parei de fumar, meu peso aumentou ainda mais. Quando mais tarde voltei a estudar, indo a uma universidade comunitária à noite e trabalhando durante o dia, nunca consegui achar tempo para ter um estilo de vida saudável. Eventualmente, fui aceito na faculdade de medicina onde era tudo menos normal ser gordo.

Antes mesmo da faculdade de medicina, eu já sabia muito sobre dieta. Tive sessões particulares com nutricionistas, tentei o Vigilantes do Peso e fiquei sabendo tudo sobre a dieta Atkins. Eu era bom em perder peso: perdi 13,6 quilos em uma dieta com baixa gordura, mas recuperei 18 quilos. Perdi quase 23 quilos em uma dieta com baixo carboidrato, mas ganhei quase 25 quilos de volta. Perder peso era a parte fácil, manter era o desafio. Ah, e eu me exercitei muito também; eu só comia muito mais.

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De volta para a faculdade de medicina. Meus colegas de sala me apoiavam muito na luta contra o peso. Ninguém nunca disse nada ruim sobre meu peso, mas o assunto surgia todo dia. Cardiologia: a obesidade está correlacionada com hipertensão e dislipidemia (eu já tinha as duas condições). Endocrinologia: aumento nos tecidos adiposos leva à resistência à insulina (minha glicemia de jejum era 6,2). Reumatologia: conforme a população aumenta, o mesmo acontece com o ônus da osteoartrite. Respirologia, nefrologia, urologia… Tirando ginecologia, tudo era motivo de preocupação.

A extensão da minha obesidade estava bem escondida: eu comprava roupas caras, sabia quais hospitais tinham roupas cirúrgicas em tamanhos extragrandes, e ainda usava o humor para rir do meu tamanho. Mas eu ainda era gordo, e isso era uma droga.

Durante meu estágio, meu preceptor cirúrgico tentou me convencer de que a cirurgia era mais promissora do que remédios: cortar é curar. Ele me disse que poderia curar o diabetes. Achei que ele estava falando sobre o transplante de células, mas ele se referia à cirurgia bariátrica. Dois meses depois, eu procurei o cirurgião e perguntei se ele poderia me avaliar em relação à cirurgia de redução de peso. Houve uma pequena espera, alguns contratempos, mas minha vez chegou. No dia 26 de maio de 2010 me graduei na faculdade de medicina. No dia 27, eu fiz uma gastrectomia vertical, um tipo de cirurgia de redução do peso restritiva.

Já faz 20 meses. Perdi quase 50 quilos e espero conseguir manter. Me sinto saudável, as pessoas dizem que estou bonito, e ainda consigo vencer meus filhos em uma corrida. Ano passado, aprendi a correr, algo que minhas articulações haviam desaprovado fortemente. Este ano, eu tenho feito até esqui, um esporte que me parecia imprudente com 145 quilos, mas que é divertido com 95 quilos.

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Como meus colegas, eu conto aos meus pacientes que eles precisam se exercitar mais, comer menos, e perder alguns quilos. Mas sei que muitos irão falhar e irão continuar precisando do meu apoio e encorajamento. Alguns veem as pessoas gordas como preguiçosas: eu era ambicioso e trabalhador para manter uma posição sênior em um emprego público aos 22 anos e, depois, ser aceito na faculdade de medicina. Outros são mais caridosos e acham que os pacientes gordos são ignorantes: eu continuei gordo apesar de aprender tudo sobre a obesidade na faculdade. Eu era gordo porque eu comia muito, e meu cirurgião me ajudou a fazer algo que não conseguia por conta própria.

Alguns pacientes realmente precisam ser lembrados de que seus pesos estão aumentando, porque eles consomem mais do que gastam. Outros precisam que a gente vá além e chegue na caixa de ferramentas antiobesidade.

* “Este artigo foi publicado originalmente na versão online do periódico Canadian Medical Association Journal (CMAJ) de 10 de abril de 2012. Republicado com a permissão do CMAJ

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