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Centro americano usa pesquisa sobre placebo para buscar soluções terapêuticas

Comandado por Ted Kaptchuk, o Programa em Estudos sobre Placebo e Encontro Terapêutico estuda as mudanças químicas do organismo durante o efeito placebo

Por Aretha Yarak
20 fev 2013, 09h23

O primeiro teste clínico controlado sobre o efeito placebo foi feito em 1784, a pedido do Rei Luís XVI, da França. Intrigado, ele queria descobrir se os tratamentos médicos por magnetismo eram mesmo eficazes – não eram. De lá para cá, centenas de pesquisas tentam comparar os efeitos do placebo em relação a medicamentos novos. Mas os estudos param por aí. Sabe-se muito pouco, por exemplo, sobre o que acontece no organismo quando o efeito placebo está em ação – quais seriam, portanto, os efeitos químicos que levam a uma melhora no quadro médico. Foi em busca dessas respostas que Ted Kaptchuk, um dos principais especialistas no efeito placebo, ajudou a conceber, em julho de 2011, o Programa em Estudos sobre Placebo e Encontro Terapêutico (PiPS, sigla em inglês), vinculado ao Centro Médico Beth Israel, hospital escola da Universidade Harvard.

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PLACEBO

O placebo é concebido como algo que imita um tratamento médico, mas não é, de fato, um tratamento verdadeiro – como uma pílula de açúcar, injeções salinas e cirurgias de mentira. Os medicamentos placebos geralmente têm o mesmo formato, cheiro, cor e apresentação do remédio de verdade. Embora os placebos não tenham ingredientes ativos, pesquisas sugerem que eles podem aliviar sintomas de determinadas condições médicas.

Kaptchuk começou sua carreira na medicina pelo avesso dos padrões convencionais de instituições como Harvard. Formado em medicinal chinesa em Macau, na China, ele praticou acupuntura por anos nos Estados Unidos – duas práticas não reconhecidas pela academia. A falta de um diploma tradicional poderia, portanto, ter lhe custado dissabores na vida acadêmica. Mas, sistemático e empenhado em desenvolver os melhores métodos de pesquisa, ele acabou conquistando o oposto: uma vaga em uma das mais respeitadas universidades de medicina do mundo. O contrato com Harvard surgiu para que ele participasse do grupo de estudos em medicina alternativa. Em seguida, veio a concepção do PiPS. “Harvard aceitou o risco, eles já conheciam meus trabalhos anteriores”, diz Kaptchuk em entrevista ao site de VEJA.

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Com o PiPS, a equipe do pesquisador está encarregada de estar à frente de uma linha pouco usual de estudos em placebo. Eles procuram respostas sobre o que acontece no corpo quando o efeito placebo entra em ação. Em outras palavras, o que eles querem é entender quais alterações químicas e neurológicas acontecem quando a pessoa passa pelo tratamento falso. “E, em seguida, traduzir essas pesquisas científicas para a prática clínica”, diz. Para isso, Kaptchuk conta com uma equipe de oito pesquisadores fixos e outros pesquisadores afiliados a 10 instituições parceiras, todas envolvidas em projetos específicos.

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O novo efeito placebo

Pesquisas – Além de ser um dos principais centro do mundo em pesquisa sobre placebo, o PiPS é ainda o único com caráter multidisciplinar. Ali, os estudos são feitos, em sua maioria, com a colaboração dos centros médicos de Harvard. Kaptchuk faz uso dos departamentos da universidade para encontrar sempre as melhores condições médicas que podem ser aplicadas em uma nova pesquisa, ou ainda qual o melhor modelo laboratorial a ser usado. Depois de encontrados seus parceiros, o pesquisador submete o estudo a avalições de diversos conselhos de ética (que ajudam a modelar os parâmetros dos estudos) e ao Instituto Nacional de Saúde, em busca de subsídio. “Se conseguimos financiamento do instituto, fazemos a pesquisa. Mas, às vezes, também tocamos o estudo mesmo sem o dinheiro”, diz Kaptchuk.

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De acordo com o pesquisador, o estudo sobre placebo apresenta uma dificuldade particular: ele não é realizado em quantidade suficiente pelos centros de pesquisa afora. Com pouca experiência na área, há também pouca referência e poucos padrões já pré-determinados que cada tipo de estudo deve seguir. Assim, tudo o que é feito acaba tendo um caráter inicial – e precisará ser replicado para ter valor prático. “Nosso trabalho é descobrir maneiras éticas de entender como o efeito placebo acontece”, diz.

Brasil – Entre os pesquisadores do PiPS está o brasileiro Felipe Fregni, diretor do Departamento de Neuromodulação da Universidade Harvard. Há cerca de cinco anos trabalhando ao lado de Katpchuk, Fregni estuda os mecanismos neurais do efeito placebo. “Apesar de existir uma facilidade em se conseguir informação nos dias de hoje, o médico clínico ainda tem muito pouco acesso ao que é estudado no centro”, diz, em entrevista ao site de VEJA.

De acordo com Fregni, muito do que é descoberto nas pesquisas feitas no PiPS ainda é subaproveitado pela medicina. “A medicina é muito tradicional. Ao mesmo tempo que isso é benéfico para evitar a propagação de tratamentos sem eficácia, esse tradicionalismo também emperra muitas descobertas importantes e de interesse clínico”, diz.

Médico Ted Kaptchuk
Médico Ted Kaptchuk (VEJA)
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“O placebo ainda é algo marginal na medicina”

Ted Kaptchuk

Diretor do Programa em Estudos sobre Placebo & Encontro Terapêutico

Qual o objetivo do PiPS?

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Já sabemos que os placebos são nada, então não é nosso objetivo discutir isso. Nós estamos focados naquilo que vem junto com a pílula ou mesmo da cirurgia: estudamos os rituais e símbolos da medicina. Pesquisamos a relação entre médico e paciente, o poder da imaginação, da confiança e da esperança. Todos esses fatores que correm em paralelo ao tratamento medicamentoso em si. Queremos entender melhor quais são seus significados.

Como a medicina enxerga o placebo?

É algo que está apenas começando a ser discutido aqui nos Estados Unidos. Geralmente, o placebo é considerado apenas durante o desenvolvimento de um novo remédio. Queremos ampliar isso. Mas, em linhas gerais, o placebo ainda é algo marginal na medicina.

Qual o problema com as pesquisas atuais sobre placebo?

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Comparar um medicamento novo com placebo não é pesquisar o placebo. Isso é pesquisa sobre a droga nova. Nossas pesquisas não são feitas assim. Tentamos controlar o placebo em situações onde não fazer o tratamento é o controle da pesquisa. É um tipo de pesquisa mais complicada de se fazer.

Como ela funciona?

Há muita pouca gente fazendo esse tipo de pesquisa, então não existe ainda muita experiência nesse campo. Nosso trabalho é descobrir maneiras éticas de entender o efeito placebo. Isso acontece porque às vezes as pessoas ficam melhores apenas porque se melhora naturalmente com o tempo, ou por remissão espontânea, por exemplo. Esses efeitos não são efeitos placebo. Então é preciso controlar muitos outros fatores.

O tratamento feito com placebo deve entrar em prática clínica?

Tudo na medicina é lento, é uma profissão conservadora. O mais importante é que não se engane o paciente. Então, se o placebo vai ser usado de maneira clínica, é importante que o paciente não seja enganado sobre sua medicação. É dessa maneira honesta que estamos tentando usar o placebo. Temos apenas dois estudos pilotos sobre esse uso, mas esperamos que, no futuro, isso acabe em um novo tipo de intervenção.

Quando usado abertamente o placebo não perde seu efeito terapêutico?

Isso é algo em que todo mundo acredita. Mas temos estudos que apontam na direção de que isso pode não ser verdade. Tudo mundo pensa que as pessoas são muito mais racionais do que na verdade são. Medicina é como um filme, ela tem drama envolvido. Há influências incríveis no lado emocional, físico e intelectual. Apenas pelo fato de se ver envolvido em um drama, já leva a uma diferença. Mas isso tudo é apenas uma hipótese.

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